MEG | Triplov.pt. O Triplov não é uma revista,
sim o editor da Revista Triplov. Triplov, escrito VVV, é o nome de
uma revista publicada em Nova Iorque por André Breton. Há vinte e quatro anos, idade
do Triplov, que uns consideram portal, outros plataforma, mais modestamente website,
eu não sabia isso. Eu diria que é uma editora, mas podem chamar-lhe o que quiserem
e pronunciar triplo V ou triplov. Só não gosto que lhe chamem revista porque isso
se presta a confusões e a sua estrutura não é a de uma revista. Basta ver que o
atualizo quase todos os dias. A revista tem certa periodicidade. Então, o nome Triplov
não significa, o nome conta histórias: a do surrealista-mor, André Breton, não a
conheço; quanto à minha, conto-a de novo. Quando fundei o Triplov, quis homenagear
um mestre, um artista plástico, ensaísta, cineasta (o filme Dom Roberto é
co-fundador do novo cinema português, o que sai da comédia de pátio, muito cantada,
para o filme promovido pelos Cahiers du Cinéma), escritor, que muito me influenciou:
José Ernesto de Sousa. Trabalhei com ele, fomos a Madrid, à Fundación Juan March,
onde estreou o seu multimídia Almada, um nome de guerra, para o qual o Ernesto
de Sousa me nomeou assistente de realização. Diga-se que o componente principal
do espetáculo é um filme com o artista e escritor Almada Negreiros. Bom, a dada
altura, o Ernesto criou um grupo de três, encarregado de animar o meio artístico
de Lisboa, e realmente fizemos umas festas, editamos a caixa Pipxou, e etc. Componentes
do grupo, chamado VVV: ele, José Ernesto de Sousa, eu, Maria Estela Guedes, e um
colega das aulas de fotografia da Cooperativa Diferença, uma galeria com 40 anos,
marco histórico na abertura de Portugal às vanguardas, Fernando Camecelha. Pensei
que o VVV era o Veni vidi vici de Júlio César, não me preocupei com o assunto,
apesar de algo imodesto. Quando criei o Triplov e o dediquei ao Ernesto de Sousa,
tive de descobrir um nome para o site, e saiu esse: VVV ou triplov. Já agora, quem
finalmente me veio a esclarecer sobre o fato de VVV ser a revista de Breton, foi
um dos mais distintos surrealistas brasileiros, que muito veio a colaborar com o
Triplov e com a Agulha Revista de Cultura, amigo nosso, Claudio Willer. A
partir daí, o Triplov passou a ser animado por artistas e escritores atraídos pelo
VVV implícito no Triplov, o que muito ajudou o site a progredir: surrealistas e
jovens autores da América Latina, convocados sobretudo por ti, Floriano Martins,
e por Claudio Willer.
FM | Na época em que surge Triplov, qual
o cenário de publicações afins em Portugal, virtuais ou não?
MEG | Só havia duas ou três publicações
importantes em suporte de papel, ligadas à Fundação Calouste Gulbenkian e à Universidade,
e virtuais só me lembro de uma, a Storm Magazine, salvo erro conduzida pela
Maria João Cantinho e pela Helena Vasconcelos. Nesse tempo de pioneirismo, o que
havia era meia dúzia de blogues e ainda só começavam a despontar as páginas de instituições.
A mais importante revista era e continua a ser a Colóquio, da Fundação Calouste
Gulbenkian, nas duas versões, Letras e Artes. As revistas importantes são as acadêmicas
e digamos que na Academia todos se portam bem, todos seguem as normas. Não há espaço
para as transgressões da experimentação, não há liberdade para cometer erros. Tudo
isso acaba por ser assimilado décadas depois, passado já o impacto inicial, mas
no ato da criação, o absolutamente novo é um corpo estranho, daí que não tenha entrada
na Academia. Então nada anti-normativo existe nelas, são, e muito dignamente, grandes
veículos difusores de cultura. O Triplov tem espaço para a travessura e para o erro,
não existem muitas normas para além da exigência de envio de textos em Word e imagens
em .jpeg, por isso aproveito, enquanto seu porta-voz, para dizer algo de muito polémico
e temerário, mas que avalio com o maior sentido crítico e consciência de justiça:
hoje, a revista que ombreia em importância com a Colóquio, é A Ideia,
de origem anarquista, liderada pelo nosso comum amigo, o escritor António Cândido
Franco, e basta o anarquismo para sugerir que nela existe uma porta aberta para
o não-normativo. O António Cândido desempenha com A Ideia o papel que tu
desempenhas com a Agulha Revista de Cultura: independentemente de outros
méritos, as duas revistas têm feito um levantamento extenuante dos autores surrealistas,
alguns perfeitamente desconhecidos até então. A diferença reside no suporte e consequente
difusão do conteúdo: em suporte de papel, A Ideia é uma revista de culto,
com tiragem limitada; a Agulha Revista de Cultura, virtual, chega potencialmente
às mais recônditas partes do mundo.
FM | O próximo passo seria então, em 2009,
criar dentro do selo Triplov uma publicação periódica, a Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências. Houve uma primeira etapa
em que a revista mantinha um vínculo direto com a Agulha Revista de Cultura, porém logo se estabeleceu uma nova série,
que hoje se encontra já com mais de 60 números publicados. Quais as particularidades
relevantes dos bastidores da criação dessa revista?
Hoje, penso: quem,
minimamente representado no Triplov, merece, ou aguenta, um tomo inteiro da Revista?
Digo tomo em vez de número porque a revista deixou de ser numerada. Então penso
no autor e pergunto-lhe se estaria interessado nisso e até hoje só recebi um não,
um não de modéstia, de quem não se sentiu à altura. Mas eu não busco só o autor
no cume da sua glória, não me interessam os demasiado consagrados, esses não precisam
de mim, busco quem já tem obra, mas é ainda razoavelmente desconhecido, alguém que
a Revista Triplov possa ajudar a progredir na sua carreira.
De momento não
tenho ninguém com quem partilhar a tarefa. Ninguém como tu, Flor! Estou por aqui
sozinha a pôr ficheiros no céu, e nem sequer posso recorrer ao Magno para solucionar
problemas técnicos, porque o Magno morreu em janeiro passado. Tenho saudades do
trabalho em equipa, se bem que eu só saiba fazer tudo sozinha. Muitos colaboradores
pensam que o Triplov é uma empresa, que eu dou ordens e espero ser obedecida por
uma dúzia de funcionários. Fico vaidosa, quer dizer que a imagem do Triplov é essa,
algo em grande, estilo Vale do Silício, mas realmente, por detrás do ovo, se me
permites surrealizar um tanto, por detrás do ovo do triplovo nem galo existe, só
mesmo uma galinha...
FM | Também em 2009 é criado um dossiê intitulado
“Surrealismo: Poesia & Liberdade”, onde se recolhem, em especial, textos críticos
valiosos para a compreensão do Surrealismo, seus fundamentos e atualidade. Posteriormente
surge um pequeno desdobramento intitulado “Surrealismo actual”. Qual a razão de
ser dessa participação e o que provocou a não continuidade do dossiê?
MEG | Não tenho conhecimento de nada disso,
Flor… Quero dizer: não me lembro de ter existido compromisso de continuar algo…
Floriano Martins, o especialista em surrealismo és tu e não eu… De qualquer modo,
tecnicamente, isso tornou-se impossível. Agora eu trabalho com o WordPress, que
não admite dossiês, os trabalhos são isolados, independentes uns dos outros. Mais
dossiês sobre surrealismo, só em tomos monotemáticos da Revista. Organiza um, manda
e eu ponho-o no céu. Em todo o caso, os autores do Triplov pertencem maioritariamente
ao que vocês, na América, chamam surrealismo. Eu não excluo quase ninguém, a porta
está aberta para todas as tendências da modernidade. Nota: eu só convido para a
Revista Triplov, para o Triplov, mais semelhante, nos conteúdos, a um jornal,
aceito as propostas de colaboração que me chegam. O meu trabalho está reduzido ao
mínimo: o de pôr em linha.
MEG | O fato de ser inviável partilhar o
trabalho de pôr em linha faz com que a equipa editorial não exista, a bem dizer.
A M Céu Costa, vice-diretora, é consultada quando preciso, mas pauta é coisa que
não existe. Vou publicando quando as colaborações chegam, e felizmente existe um
certo número de colaboradores regulares que só eles já bastam para assegurar a atualização
do portal: A.M. Galopim de Carvalho, português, Adelto Gonçalves, do Brasil, os
portugueses António Barros, Nicolau Saião e António Justo, mais aqueles a quem peço
desculpa por não me acorrerem de momento à memória, ah, sim, Rolando Revagliatti
da Argentina, existe um núcleo de autores assíduos que garante a vitalidade do Triplov
e acolhe os recém-chegados, pois há sempre os que entram de novo. “Pauta” eu nem
sabia o que era, aprendi contigo…
FM | Em termos de recepção, influência,
diálogo, quais as relações estabelecidas com revistas, fundações, bibliotecas virtuais
etc., dentro e fora de Portugal?
MEG | Sim, a Faculdade de Letras, através
do CLEPUL, organizou um tomo da Revista Triplov e de vez em quando envia
colaborações; o mesmo aconteceu com as vanguardas, sediadas no portal Po.Ex, que
também organizaram um tomo, através do António Barros. Eu mesma sou convidada para
colóquios e outras sessões presenciais. Para colaborar em antologias, sim, muitos
convites. A maior parte da interação verifica-se entre Portugal e Brasil, significando
isto que vai dando frutos valiosos a nossa associação originária: Agulha+Triplov ou Estela+Floriano. O Triplov
é conhecido sobretudo no campo universitário ou acadêmico, em termos gerais. Uma
das amizades maiores do Triplov e sua Revista é com universidades de São
Paulo, através de Ana Maria Haddad Baptista, responsável pela curadoria da obra
de Marco Lucchesi, atual diretor da Fundação da Biblioteca Nacional. É ele o autor
contemplado no próximo volume da Revista Triplov.
Já agora, que perguntas sobre bibliotecas, tive a honra de ser convidada por Ana
Maria Haddad Baptista, diretora, para o conselho científico da Revista do Livro,
publicada pela Biblioteca Nacional. Tudo isto decorre da existência do Triplov e
Revista Triplov.
FM | Se pensamos em aspectos como destino,
missão, obsessão, dentre outros acidentes existenciais, quem é a Maria Estela Guedes?
MEG | Olha, Flor, eu devo ser alguém como
a Padeira de Aljubarrota, mulher de armas, capaz de travar batalhas sozinha contra
uma dúzia de agressores, apesar de preferir ficar enrolada no sofá a comer amendoins
enquanto passam na telinha os episódios da série “Vera” e do jurássico “Perry Mason”…
FM | Como anda a tua criação?
O meu livro mais
recente, saído em 2024 nas Edições Esgotadas, é um conjunto de ensaios, Corpus
Corpus – José Emílio-Nelson & Herberto Helder.
FM | Esquecemos algo?
MEG | Esquecemos tudo o que falta, Flor!
Tem de ser assim, para da próxima vez termos algo de novo para conversar. E falta,
pelos vistos, mais assunto surrealista. Fico à espera dele para um dos próximos
tomos da Revista Triplov.
Que não esqueça
de maneira nenhuma o que até aqui também ainda faltava: um beijo enorme para ti,
compagnon de route, e um abraço a esse Brasil que venho seguindo de longe,
com o qual tenho sofrido bolsonarices inenarráveis, porque muito vos amo.
FLORIANO MARTINS (Fortaleza, 1957). Poeta, editor, dramaturgo, ensaísta, artista plástico e tradutor. Criou em 1999 a Agulha Revista de Cultura. Coordenou (2005-2010) a coleção “Ponte Velha” de autores portugueses da Escrituras Editora (São Paulo). Curador do projeto “Atlas Lírico da América Hispânica”, da revista Acrobata. Esteve presente em festivais de poesia realizados em países como Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Equador, Espanha, México, Nicarágua, Panamá, Portugal e Venezuela. Curador da Bienal Internacional do Livro do Ceará (Brasil, 2008), e membro do júri do Prêmio Casa das Américas (Cuba, 2009), foi professor convidado da Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos, 2010). Tradutor de livros de César Moro, Federico García Lorca, Guillermo Cabrera Infante, Vicente Huidobro, Hans Arp, Juan Calzadilla, Enrique Molina, Jorge Luis Borges, Aldo Pellegrini e Pablo Antonio Cuadra. Entrevista realizada em maio de 2025.
JORGE DE LIMA (Brasil, 1893-1953). Poeta, ensaísta bissexto, artista plástico. Sua obra está ligada à segunda geração do modernismo brasileiro, apresentando traços do surrealismo e símbolos religiosos e pagãos da cultura negra. Misticismo mágico que melhor o situa como um mestiço lírico, e ele próprio um dia diria: O lirismo perdeu a sua liturgia. Esta liturgia era exatamente o que sempre buscou recuperar, tendo se aventurado por diversos modos de composição, do soneto ao poema branco e a poesia épica. Em uma dessas vertentes criativas enveredou pelo recorte fascinante da colagem surrealista, seu grande poema plástico, que o traz à nossa edição como artista convidado.
Agulha Revista de Cultura
CODINOME ABRAXAS # 04 – TRIPLOV (PORTUGAL)
Artista convidado: Jorge de Lima (Brasil, 1893-1953)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
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