quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

FLORIANO MARTINS | A história e suas lições de abismo – Sobre Artífices da história (Org. Helder Remigio de Amorim e Evaldo Costa)



Sempre que penso no alcance do termo História recordo uma boutade de Jorge Luis Borges que os tempos pioram de tal modo que chegaremos a um momento em que os historiadores não conseguiriam mais prever o passado. Felizmente, a dupla Helder Remigio de Amorim e Evaldo Costa – o primeiro, historiador; o segundo, jornalista –, enveredou pela espinhosa tarefa de produzir um livro, com suas 534 páginas, todo ele através de um diálogo sem fim com destacados historiadores brasileiros, um livro repleto de passado, previsível ou não, que a seu tempo e a seu modo deram um sentido para nosso presente.

Não cabe à História forjar quaisquer modelos de otimismo ou pessimismo, mas antes iluminar as zonas escuras de um presente ainda não de todo esclarecido pelas ranhuras do passado. Neste sentido a História pode desativar os mecanismos recorrentes da ingenuidade, combater a desinformação e descortinar a moral para que esta busque fortalecer o ambiente das relações humanas. O livro Artífices da história – Trajetórias de vida e itinerários intelectuais (CEPE Editora, 2025). Este livro, organizado por Helder Remigio e Evaldo Costa, discute o ofício do historiador e as atividades intelectuais em Pernambuco e no Brasil, contando as histórias e os caminhos de diversos profissionais da área. Tal observação, considerada sua inquestionável idoneidade, seria suficiente para falar em favor do livro.

Cumpre destacar alguns temas que foram muito bem refletidos no decorrer dessa obra monumental. Dentre eles a omissão, aquele modo espúrio de falsificação da realidade através da ausência de compromisso, visível ou dissimulada, com a mesma. Ao mesmo tempo, a realidade se torna mais complexa quando verificamos em tal compromisso alguma forma de subserviência ideológica, em grande parte orientada por um ambiente político marcado por premissas contraditórias. Como recorda um dos entrevistados, Josemir Camilo de Melo, Não existe uma história idealista. Outro tema, de certa forma atrelado à omissão, é o da ignorância, ou retrocesso humano gerado pela ignorância. As armas da História, neste sentido, são a manutenção e constante ampliação dos acervos públicos, as salas de aula, as raras oportunidades de ciclos de debates ocupando palcos em todo o país. Seus principais inimigos: o cerceamento do conhecimento, as ideologias com sua pujança ilusória, o ensimesmamento acadêmico. Optando por avançar no passado até o evento das capitanias coloniais, o que certamente lhe deu fundamento em sua visão dos dilemas mais constantes e perversos da sociedade brasileira, outra entrevistada, Socorro Ferraz, observa o quanto que a distorção da realidade produz uma falsa consciência. Ela nos chama a atenção para os traços criminosos da propaganda no Brasil, que tem produzido uma versão camuflada de temas ligados ao racismo, à fome, ao gênero e ao feminicídio. A partir da frase emblemática: A falta atrapalha os sentimentos, ela comenta que o Brasil é um país, desde o princípio, repleto de faltas, o que torna o país pendular no que diz respeito às suas escolhas políticas.


Ao lado desta entrevista, eu destacaria uma outra, em especial, ambas, pela felicidade do tratamento de seus temas, neste caso com Evaldo Cabral de Mello, e curiosamente os dois historiadores remontam ao nosso passado colonial para verificar o eco de nossas distorções históricas. Há uma passagem na entrevista com Evaldo em que ele menciona que a identidade é a estagnação, é a petrificação, é o contrário da ideia de processo, que é o que interessa ao historiador, oferecendo com isto uma perspectiva crítica e dinâmica sobre a natureza da identidade e o papel da história. A identidade, de algum modo, é o trunfo ilusório de uma sociedade que não se compreende como um todo. A identidade naturalmente concebida como um conjunto de características imutáveis, como algo permanente – seja em ambiente nacional, cultural ou pessoal –, o que acaba por desconsiderar as transformações em seu sentido mais amplo. Por outro lado, o processo é o radical de uma mudança constante, aquele fluxo que permite que a História identifique suas necessidades essenciais.

Não há História sem a lida contínua com o movimento dos fatos e das imagens. Não é outro o mapeamento que nos permitem Helder Remigio e Evaldo Costa com a publicação deste livro. Sobre o processo de preparação da obra, recordemos o que nos diz um de seus organizadores, Helder Remigio: São aulas magistrais (por definição) sobre o papel e a prática do historiador. Muitos dos entrevistados vivenciaram o começo das suas formações enquanto o país esteve submetido aos horrores da ditadura civil-militar, inimiga da História e das atividades intelectuais que, como tal, só pode se desenvolver se plasmada com espírito crítico. Aproveitamos ainda a ideia de Remigio para com ele afirmar que o livro proporciona uma chave interpretativa do mundo.




FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957). Poeta, editor, dramaturgo, ensaísta, artista plástico e tradutor. Criou em 1999 a Agulha Revista de Cultura. Coordenou (2005-2010) a coleção “Ponte Velha” de autores portugueses da Escrituras Editora (São Paulo). Curador do projeto “Atlas Lírico da América Hispânica”, da revista Acrobata. Esteve presente em festivais de poesia realizados em países como Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Equador, Espanha, México, Nicarágua, Panamá, Portugal e Venezuela. Curador da Bienal Internacional do Livro do Ceará (Brasil, 2008), e membro do júri do Prêmio Casa das Américas (Cuba, 2009), foi professor convidado da Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos, 2010). Tradutor de livros de César Moro, Federico García Lorca, Guillermo Cabrera Infante, Vicente Huidobro, Hans Arp, Juan Calzadilla, Enrique Molina, Jorge Luis Borges, Aldo Pellegrini e Pablo Antonio Cuadra. Criador e integrante da Rede de Aproximações Líricas. Entre seus livros mais recentes se destacam Un poco más de surrealismo no hará ningún daño a la realidad (ensaio, México, 2015), O iluminismo é uma baleia (teatro, Brasil, em parceria com Zuca Sardan, 2016), Antes que a árvore se feche (poesia completa, Brasil, 2020), Naufrágios do tempo (novela, com Berta Lucía Estrada, 2020), Las mujeres desaparecidas (poesia, Chile, 2022) e Sombras no jardim (prosa poética, Brasil, 2023). 




BRIANDA ZARETH HUITRÓN (México, 1990). Originaria de Temascalcingo de José María Velasco, México. Artista plástica y pintora surrealista. Realizó sus estudios de pintura en la Academia de San Carlos en Ciudad de México. Sus múltiples facetas artísticas y personalidad curiosa la llevaron a descubrir el surrealismo, corriente en la que encontraría una manera de comunicarse con el mundo. Plasma interpretaciones poéticas donde lo cotidiano es transformado en una realidad fantástica y onírica. Pinturas mágicas que señalan los deseos de la vida por salir en un cuadro. Ha expuesto individualmente y de manera colectiva en México y en el extranjero. Exposiciones individuales: Museo Leonora Carrington de Xilitla, ENCUENTROS ONÍRICOS en el año 2025. Museo de la Mujer, REVELACIONES ONÍRICAS, en el año 2022. PAISAJES ONÍRICOS para el Festival Temascalcingo Honra a Velasco, en el Año 2021. VENTANA A MUNDOS ONÍRICOS, en el Centro Cultural Futurama, Ciudad de México, en el año 2020. Exposiciones Colectivas Col-art en la Galería Oscar Román año 2025 Muestra pictórica EL OFICIO DEL PINTOR, de la Academia de San Carlos, Año 2019. DIMENSIONS, Festival Wave Gotik Treffen, celebrado en Leipzig, Alemania, en el año 2018. Ha participado en la Cátedra por los 100 años del surrealismo, en la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM, impartiendo conferencia sobre surrealismo femenino. Recientemente su obra ha sido publicada en el libro Mujeres Mexicanas en el Arte, de la editorial Agueda y en THE ROOM SURREALIST MAGAZINE, revista de surrealismo internacional. Brianda Zareth Huitrón es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.

 



Agulha Revista de Cultura

Número 263 | dezembro de 2025

Artista convidada: Brianda Zareth Huitrón (México, 1990)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


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