quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

FLORIANO MARTINS | Sobre Druida, de Marosa di Giorgio

 


A Sol Negro Edições é uma editora sediada em Natal-RN, que edita majoritariamente livros artesanais em pequenas tiragens. Numa época em que a Grande Ilusão Conceitual dos meios de comunicação e o simulacro da imagem espe(ta)cular acreditam pautar toda a vida social e mesmo os desvãos do pensamento mais íntimo, a Sol Negro surge do mais puro sonho e força imaginária a favor do desejo: editar livros com qualidade literária e gráfica, de maneira acessível e independente, abordando assuntos, autores e visões que estejam à margem dos interesses representados pelas grandes editoras e conglomerados de informação. Arte paga com arte.

Copio esta apresentação que faz o poeta e editora Márcio Simões de sua própria casa editorial para confirmar a importância que há entre nós, no Brasil, de um catálogo como este, da Sol Negro Edições, que inclui nomes de destaque na literatura mundial, tais como William Blake, Yvan Goll, Paul Éluard, Petrarca, Aldo Pellegrini, Vicente Huidobro, Stéphane Mallarmé, Eunice Odio, César Moro, Gregory Corso, Enrique Molina, César Vallejo, René Daumal, dentre outros. Com algum devido reconhecimento pela crítica, é bom lembrar que o mesmo será sempre insuficiente diante da maestria do trabalho primoroso de seu artesão-editor.

Na coleção Cinzas do Sol, que traz poetas já incorporados à tradição de diversos tempos e lugares, sempre em edições bilíngues – no caso das traduções – ou, preferencialmente, na ortografia original, no caso daquelas originalmente escritas em português, Sol Negro Edições acaba de lançar um livro fundamental para aqueles que querem se aproximar da poética de Marosa di Giorgio (Uruguai, 1932-2004): Druida. Elys Regina Zils, que traduziu este livro primogênito de Marosa, me pediu para registrar em prefácio a minha visão crítica da poética da uruguaia, considerando que eu privei de sua amizade, assim como que coube a mim conversar com a família na definição dos critérios de liberação dos direitos autorais. Em texto onde incluo minhas conversas com a poeta e sua irmã, assim dou início às minhas observações:

 


Raros são os poetas que compreenderam as experiências anômalas de Lautréamont a ponto de expressar essa compreensão em sua criação com a mesma intensidade de Marosa di Giorgio, sem que essa identificação incomum tenha se tornado uma influência corrosiva em sua poética. Escrita metamórfica tecida como baralho estético e temático que expande e revela os horizontes secretos de uma mística da existência. Prosa narrativa poética em que os reinos vegetal e animal encontram pontos de fusão cintilantes, em cujos papiros ardentes, compostos de versos, prosa fragmentária e delicadamente sugestivas cenas eróticas, tornam-se um cenário perturbador justamente pela sugestiva clareza com que investiga a condição humana, graças ao que o crítico Roberto Echavarren aponta como uma consciência muito aguçada do artifício, da extravagância, da falsidade e dos disfarces. A mistura de características da literatura gótica, barroca e surrealista, em nenhum momento incorre na gratuidade da escrita cifrada ou na farsa obsessiva dos ornamentos. As artimanhas de linguagem em Marosa di Giorgio buscam criar um mundo baseado no imperativo da perene revisão de identidades, vícios e conformidades. Seu erotismo dialético acentua a condição monstruosa do ser humano. Não por uma estratégia perversa e aversiva, mas pela soma de máscaras – os véus que revelam identidades perdidas – que permitem, sobretudo, verificar os enigmas que regem as forças do sagrado e do feminino, do profano e do animal. Marosa é uma dessas poetas que enchem nossos olhos com a cintilação de suas histórias, uns contos de realidade entrançados com a memória crescente da imaginação. E tanto mistura as origens de seus elementos, tramas, personagens, inclusive com a gravidade iluminada de suas metamorfoses, que nos sentamos a seu lado como se ela ali mesma estivesse a nos contar quantas vezes o tempo passou por ela e a cada vez que lhe trazia um braseiro de imagens distintas, a sombra invencível das formas mudando de laços e origens.

 

Esse prefácio inclui a íntegra de duas entrevistas feitas por mim, a primeira delas à própria Marosa di Giorgio, a segunda, à sua irmã Nidia Marí adi Giorgio. A capa e ilustrações internas estão assinadas pela imensa artista surrealista Susanaa Wald, que generosamente cedeu algumas de suas obras. Jamais conheci pessoalmente Marosa di Giorgio, porém a intensidade de momentos com que ela configurou nossa breve correspondência foi uma dessas formas de duas pessoas, dois poetas, se conhecerem com a intimidade de plantas que coabitam o mesmo jardim. Um jardim de presságios, em seu caso; outro de abismos tentaculares, no meu. Suas cartas me chegavam em manuscritos em folhas avulsas e guardanapos do café de onde me escrevia. Sempre foi para mim uma honra imensa essa sua confiança intensa. O leitor brasileiro agora tem a possibilidade de ler um cadinho da obra dessa poeta magistral.




FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957). Poeta, editor, dramaturgo, ensaísta, artista plástico e tradutor. Criou em 1999 a Agulha Revista de Cultura. Coordenou (2005-2010) a coleção “Ponte Velha” de autores portugueses da Escrituras Editora (São Paulo). Curador do projeto “Atlas Lírico da América Hispânica”, da revista Acrobata. Esteve presente em festivais de poesia realizados em países como Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Equador, Espanha, México, Nicarágua, Panamá, Portugal e Venezuela. Curador da Bienal Internacional do Livro do Ceará (Brasil, 2008), e membro do júri do Prêmio Casa das Américas (Cuba, 2009), foi professor convidado da Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos, 2010). Tradutor de livros de César Moro, Federico García Lorca, Guillermo Cabrera Infante, Vicente Huidobro, Hans Arp, Juan Calzadilla, Enrique Molina, Jorge Luis Borges, Aldo Pellegrini e Pablo Antonio Cuadra. Criador e integrante da Rede de Aproximações Líricas. Entre seus livros mais recentes se destacam Un poco más de surrealismo no hará ningún daño a la realidad (ensaio, México, 2015), O iluminismo é uma baleia (teatro, Brasil, em parceria com Zuca Sardan, 2016), Antes que a árvore se feche (poesia completa, Brasil, 2020), Naufrágios do tempo (novela, com Berta Lucía Estrada, 2020), Las mujeres desaparecidas (poesia, Chile, 2022) e Sombras no jardim (prosa poética, Brasil, 2023). 




BRIANDA ZARETH HUITRÓN (México, 1990). Originaria de Temascalcingo de José María Velasco, México. Artista plástica y pintora surrealista. Realizó sus estudios de pintura en la Academia de San Carlos en Ciudad de México. Sus múltiples facetas artísticas y personalidad curiosa la llevaron a descubrir el surrealismo, corriente en la que encontraría una manera de comunicarse con el mundo. Plasma interpretaciones poéticas donde lo cotidiano es transformado en una realidad fantástica y onírica. Pinturas mágicas que señalan los deseos de la vida por salir en un cuadro. Ha expuesto individualmente y de manera colectiva en México y en el extranjero. Exposiciones individuales: Museo Leonora Carrington de Xilitla, ENCUENTROS ONÍRICOS en el año 2025. Museo de la Mujer, REVELACIONES ONÍRICAS, en el año 2022. PAISAJES ONÍRICOS para el Festival Temascalcingo Honra a Velasco, en el Año 2021. VENTANA A MUNDOS ONÍRICOS, en el Centro Cultural Futurama, Ciudad de México, en el año 2020. Exposiciones Colectivas Col-art en la Galería Oscar Román año 2025 Muestra pictórica EL OFICIO DEL PINTOR, de la Academia de San Carlos, Año 2019. DIMENSIONS, Festival Wave Gotik Treffen, celebrado en Leipzig, Alemania, en el año 2018. Ha participado en la Cátedra por los 100 años del surrealismo, en la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM, impartiendo conferencia sobre surrealismo femenino. Recientemente su obra ha sido publicada en el libro Mujeres Mexicanas en el Arte, de la editorial Agueda y en THE ROOM SURREALIST MAGAZINE, revista de surrealismo internacional. Brianda Zareth Huitrón es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.

 



Agulha Revista de Cultura

Número 263 | dezembro de 2025

Artista convidada: Brianda Zareth Huitrón (México, 1990)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


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