quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

HILDA MACHADO (1951-2007)

 


Hilda Machado (1951-2007) foi uma notável poeta, cineasta e professora brasileira cuja obra poética permaneceu amplamente inédita durante sua vida, ganhando reconhecimento póstumo.

Nascida no Rio de Janeiro, Hilda Machado teve uma carreira acadêmica e profissional diversificada. Concluiu mestrado em Artes na Universidade de São Paulo (USP) em 1987 e doutorado em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2001. Foi professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), atuando na área de pesquisa em cinema e história. Estudou direção de cinema em Cuba e trabalhou como pesquisadora em instituições no Brasil e no exterior, incluindo a New York University e a University of London. Em 1987, seu curta-metragem Joílson marcou ganhou prêmios de melhor direção em festivais de cinema no Brasil, como Gramado e Recife. Foi presa em 1978 durante a ditadura militar no Brasil. Apesar de ter publicado apenas dois poemas em vida na revista Inimigo Rumor, sua obra poética foi descoberta e publicada anos após seu suicídio em 2007. Seu livro de poemas, Nuvens, organizado por ela em 1997, permaneceu inédito até ser publicado postumamente em 2017. Em 2019, o livro póstumo de poemas inéditos lhe rendeu o Prêmio Jabuti de Literatura. Sua história é marcada pela redescoberta de sua poesia por outros poetas e pesquisadores, que reconheceram a singularidade de sua voz literária.

 

 

MISCASTING

 

So you think salvation lies in pretending?

 

PAUL BOWLES

 

estou entregando o cargo

onde é que assino

retorno outros pertences

um pavilhão em ruínas

o glorioso crepúsculo na praia

e a personagem de mulher

mais Julieta que Justine

adeus ardor

adeus afrontas

estou entregando o cargo

onde é que assino

 

há 77 dias deixei na portaria

o remo de cativo nas galés de Argélia

uma garrafa de vodka vazia

cinco meses de luxúria

despido o luto

na esquina

um ovo

feliz ano novo

bem vindo outro

como é que abre esse champanhe

como se ri

 

mas o cavaleiro de espadas voltou a galope

armou a sua armadilha

cisco no olho da caolha

a sua vitória de Pirro

cidades fortificadas

mil torres

escaladas por memórias inimigas

eu, a amada

eu, a sábia

eu, a traída

 

agora finalmente estou renunciando ao pacto

rasgo o contrato

devolvo a fita

me vendeu gato por lebre

paródia por filme francês

a atriz coadjuvante é uma canastra

a cena da queda é o mesmo castelo de cartas

o herói chega dizendo ter perdido a chave

a barba de mais de três dias

 

vim devolver o homem

assino onde

o peito desse cavaleiro não é de aço

sua armadura é um galão de tinta inútil

similar paraguaio

fraco abusado

soufflé falhado e palavra fútil

 

seu peito de cavalheiro

é porta sem campainha

telefone que não responde

só tropeça em velhos recados

positivo

câmbio

não adianta insistir

onde não há ninguém em casa

 

os joelhos ainda esfolados

lambendo os dedos

procuro por compressas frias

oh céu brilhante do exílio

que terra

que tribo

produziu o teatrinho Troll colado à minha boca

onde é que fica essa tomada

onde desliga

 

 

CABO FRIO

 

Nuvens passageiras

miragens peregrinas enfunadas pelo Nordeste

queda de folhagem

muda retórica

 

O Sudoeste dá rédeas à repulsa

nuvens erráticas devoram rivais

Orfeu despedaçado por bacantes drapejadas de vapor

 

Em dia sem vento

a falta de engenho permite

purezas de sabão e macieiras em flor

talco no chão do banheiro

sorvete marca Aristófanes

 

Mas quase sempre ele pisa seus véus

 

Duas mãos de cinza desmaiado

sobre fundo esmaltado é perícia

renda

luxo magnífico e corrupto

realização elegante de algum mandarim

leque de plumas de avestruz tintas de rosa

levemente agitado diante da luz

 

 

O CINEASTA DO LEBLON

 

Aquele que escavar em sua consciência

até a camada do ritmo e flutuar nela

não perderá o juízo.

 

NINA GAGEN-TORN

 

O brilho de laranja ao sol

amendoeira rubra e pavão

oculta sobressaltos faustianos

encenam-se dramas na alma

suadas peripécias

lágrimas

mímesis

em sítios escusos está a mocinha raptada por um turco

e a nudez do missionário espancado

folheia-se uma antologia de acidentes

títulos afundam

e no lodo

personagens sem nome

e escândalos de fancaria

 

O comércio incessante

distrai das caudalosas sociologias do fracasso

idades do ouro perdidas

terror espetacular

recorta o esforço de colosso trágico

alçar-se acima da imensa massa de vencidos

violinos pela indesejada que fatalmente alcança e ceifa

carnaval exterior que é dublagem

 

Nos domingos de lua cheia

um infante sôfrego obriga a minuciosos tratados

miuçalhas

monopólio

asperezas

contrabando

e então

razias de corsário

 

na lua nova cruzo a cidade pra beijar a sua boca

transpor morros e encontrar a elevação

tropeça-se em pétalas de rosas

em trufas

visitas ao paraíso

as quartas-feiras são turvas

e trazem as penas do inferno

telefonemas seus

telefonemas meus

telefonemas da outra

e a ex

compomos o obrigatório conflito

repetir com honestidade a velha trama

até que ao fim do primeiro bimestre

erra-se no açúcar

escorrega-se na farsa

e mudam-se todos para a novela das 7

 

Homem da lua

fantasia de rudes hormônios

o bicho se coça

fervor marcial e bico de passarinho

cavalo rampante que rasga com as patas convenções de estilo

atravessa pontes queimadas

alcançou o vale feroz

terremoto maior que o de Lisboa arrasa cidadelas

afrouxa parafusos

e do colchão abala a mola-mestra

 

ouviu, carro?

tribos bárbaras desabam sobre a minha Europa

 

ouviu, montanha?

mudaram os livros que eu agora levo pra cama

antigas lendas fabulosas

uma grosseira rapsódia

cinco escritos libertinos

eu bebo como num banquete em Siracusa

e gozo como as prostitutas de Corinto

palmeira, ouviu?

 

 

[UM HOMEM NO CHÃO DA MINHA SALA]

 

Um homem no chão da minha sala

alonga sua raiz

galo que estufa o pescoço

cana-de-açúcar e bronze

poças, chuva, telha-vã

rio que escorre na velha taça empoeirada

 

O homem no chão da minha sala

cidades de ouro

castelos de mel

velhas metáforas

sinos línguas gelatina

O céu no chão da minha sala

 

Esse homem no chão da minha sala

provoca o veneno da cobra

pulgas atrás das orelhas

mexeu nos meus bibelôs

consertou aquela estante

revirou a roupa suja

desenterrou flores secas

fraldas

chifres

quatro cascas de ferida

um disco todo arranhado

e um punhado de pelos

 

Aquele homem no chão daquela sala

me fez cruzar o ribeirão dos mudos

estufa de tinhorões gigantes

no piso do meu mármore

ele acordou a doida

as quatro damas do baralho

uma ninfeta de barro

e a cadela do vizinho

 

Daquele homem no chão da minha sala

há meses não tenho notícia

desde que virei a cara

saltei janela

fugi sem freio ladeira abaixo

perdi o bonde

estraguei tudo

 

 

IMPOSSIBILIDADES

 

Viver suspensa nas nuvens

pôr nas nuvens o meu amor

e nunca mais cair das nuvens

 

 

SAGITARIANA

 

Qui trop embrasse,

mal étreint.

 

Parar

de fazer mil coisas ao mesmo tempo

de bater de encontro às coisas

de encontrar elefantes dentro das lojas

 

Sou de porcelana

 

 

O HOMEM DO MAR

 

O homem do mar era uma construção serena

peixe fresco

corda

alcatrão

e a lembrança de velhos poderes imperiais no Canal

 

O nosso foi um fogo que queimou sem nos queimar

morreu na praia

estátuas silenciosas de sal

virávamos páginas em branco

a velha pergunta transbordando sempre

de cada livro no alto da biblioteca de alto preço

de cada escultura construída no além-mar

 

O mau fado me deixou a ver navios

ressaca impronunciável e alheia

falsas falésias

falácias

enseada escura

e canoa furada

 

 

 

 


BRIANDA ZARETH HUITRÓN (México, 1990). Originaria de Temascalcingo de José María Velasco, México. Artista plástica y pintora surrealista. Realizó sus estudios de pintura en la Academia de San Carlos en Ciudad de México. Sus múltiples facetas artísticas y personalidad curiosa la llevaron a descubrir el surrealismo, corriente en la que encontraría una manera de comunicarse con el mundo. Plasma interpretaciones poéticas donde lo cotidiano es transformado en una realidad fantástica y onírica. Pinturas mágicas que señalan los deseos de la vida por salir en un cuadro. Ha expuesto individualmente y de manera colectiva en México y en el extranjero. Exposiciones individuales: Museo Leonora Carrington de Xilitla, ENCUENTROS ONÍRICOS en el año 2025. Museo de la Mujer, REVELACIONES ONÍRICAS, en el año 2022. PAISAJES ONÍRICOS para el Festival Temascalcingo Honra a Velasco, en el Año 2021. VENTANA A MUNDOS ONÍRICOS, en el Centro Cultural Futurama, Ciudad de México, en el año 2020. Exposiciones Colectivas Col-art en la Galería Oscar Román año 2025 Muestra pictórica EL OFICIO DEL PINTOR, de la Academia de San Carlos, Año 2019. DIMENSIONS, Festival Wave Gotik Treffen, celebrado en Leipzig, Alemania, en el año 2018. Ha participado en la Cátedra por los 100 años del surrealismo, en la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM, impartiendo conferencia sobre surrealismo femenino. Recientemente su obra ha sido publicada en el libro Mujeres Mexicanas en el Arte, de la editorial Agueda y en THE ROOM SURREALIST MAGAZINE, revista de surrealismo internacional. Brianda Zareth Huitrón es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.

 



Agulha Revista de Cultura

Número 263 | dezembro de 2025

Artista convidada: Brianda Zareth Huitrón (México, 1990)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 




 

 

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