quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

JACOB KLINTOWITZ | Diálogos com o Oráculo

 


Matinal da esperança

 

Acordou bem-disposta?

Às vezes, ler algumas palavras de Jacques Prévert, Jorge Luís Borges, Machado de Assis, Eclesiastes, Bashô, ajuda a começar o dia.

Eu tenho também um ritual de banalidades.

Faço a barba,

tomo banho,

visto uma roupa limpíssima, sento

e contemplo o vazio,

um quase vazio,

vagamente ocupado por palavras soltas.

Aí olho as horas e sempre parece que já posso receber a visita do Anjo.

E ele me diz para observar

se um fluxo,

um sopro,

uma nuvenzinha,

ocupa o horizonte.

Então,

talvez seja só impressão, talvez seja verdade,

talvez o real seja uma estranha fusão

de horizonte,

sonho,

sensação

e algum totem,

uma coisa simples,

assim,

como uma pequena profecia,

e estou preparado para receber a Graça.

Aceito o Anjo e espero a Graça.

E até aceito que exista um inacreditável e sagrado horizonte em algum lugar da minha alma.

E este horizonte é sereníssimo e,

se eu estiver com sorte, também ficarei sereno.

 

 

O mundo como ele não é

 

Que reflexos a pintura de Leonardo Luminoso da Silva causará no existente?

Eu me pergunto isto porque talvez a arte não seja uma consequência, mas um fator de acréscimo.

É doce a expectativa de que exista certo tom de azul porque Vincent Van Gogh o pensou.

Eis, enfim, a anunciada glória do ser humano, pois capaz de somar ao universo ainda em construção.

 

 



A realidade, ora, a realidade

 

É exatamente o que penso.

É uma certa auto-ironia. Nada é exatamente assim… A natureza sideral do universo é de uma realidade fantástica e nos faz crer que o mais simples já é fantástico.

Certo escritor argentino, parceiro do Jorge Luís Borges, sofreu com uma dúvida. Como poderia escrever uma literatura fantástica? Depois descobriu que toda literatura é fantástica.

Alguns cientistas e comentaristas midiáticos tem um ego inflado e uma crença absurda em alguns dados factuais…

O que é isso quando comparado com o monólogo de Macbeth?

Ou com a genialidade intuitiva do nosso Nelson Rodrigues?

Em minha opinião, aliás, o Nelson é um luminar! É um valor universal. Qualquer hora vou reler tudo o que ele escreveu! Lembro de um longo artigo do Paulo Francis em que diminuía o Nélson afirmando que a sua obra era repetitiva…

De uma ignorância exemplar. Todo grande artista tem núcleos temáticos. Isso vale para William Shakespeare, Pablo Picasso, Rembrandt, Candido Portinari, Marc Chagall, Alberto Giacometti, Henri Moore, Vincent Van Gogh, Jorge Luís Borges, Constantin Brancusi, Cézanne, Francis Bacon, Leonardo da Vinci, Isaac B. Singer…

Francis pretendia ser enciclopédico, confundia erudição com acúmulo de dados factuais. E dele, afinal, o que sobreviveu? Enquanto do Nélson Rodrigues tudo sobreviveu justamente porque a grande arte é, na essência, atemporal.

Nada pode ser mais restritivo do que uma crítica sociológica da arte. É uma espécie de sub-marxismo. Às vezes, esses reducionistas pensam que entenderam Walter Benjamin. Imagine. A obra de arte na época da sua reprodutibilidade técnica deve ser lida com grandeza de espírito. Escrevi um livro sobre a ressacralização da arte justamente para explicar e recuperar o tema. Editora SESC. Da mesma maneira deve ser lido o magnífico ensaio de Sigmund Freud sobre Leonardo da Vinci. São textos que iluminam a trilha…

O símbolo nunca se extingue, a cada geração um novo significado.

 

 

O amor é simples?

 


Tenho algumas dúvidas a respeito de Joyce.

Esta frase parece uma completa profanação. Dúvidas devemos ter a respeito da criação do Universo. Foi criado por Elohim ou pelos Elohins? Uma unidade divina ou um conjunto de seres divinos?

Devo entender que a minha existência e o meu destino é só um sopro, um momento fugaz, ou, ao contrário, é uma saga interminável, pois a minha existência se renova em centenas de reencarnações?

Um pequeno parêntese:

a julgar pela imensa quantidade de erros e equívocos que já cometi, bem que mereço outras oportunidades…

Eu tenho uma outra dúvida que me parece mais elevada do que a dúvida sobre Joyce. Um dos momentos mais terríveis da literatura é o monólogo de Macbeth. Shakespeare! Todo mundo já teve essa experiência eletrizante, escutar no fundo da sua alma a narrativa que nos diz que a nossa existência é a fala furiosa de um ator embriagado, e que não tem qualquer sentido.

A minha alma jaz congelada. Seremos tão pouco?

Não é o mesmo clima, a mesma sensação, da narrativa do Eclesiastes, de Salomão?

Tudo é vaidade e aflição do espírito.

Quando você pensa que está inovando, fazendo uma coisa nova, é um engano porque já foi feito. Tudo é vaidade e aflição de espírito.

As situações são diferentes, as palavras não são iguais, mas há nos dois textos um certo arrebatamento, uma convocação à simplicidade, talvez até um desejo de meditação. Quem sabe até o desejo de paz e de acordo com a Divindade. Um texto milenar, um texto de um conjunto de textos de cerca de 1.600, ambos a nos pedir simplicidade e diálogo com o Mistério.

Penso que o monólogo de Macbeth bebe no Eclesiastes. Salomão e Shakespeare. Dois mestres.

Ah, e a minha dúvida sobre Joyce?

Agora já não parece mais importante. Trata-se do ensaio intitulado Giacomo Joyce. O nome do autor em italiano. Foi um manuscrito achado após a morte de Joyce. Foi requintadamente traduzido por Roberto Schimitt-Prym em 2012. O tema essencial é a percepção de Joyce sobre o seu amor por uma jovem mulher. Ele a descreve delicadamente. Em torno dela as frases dançam um minueto. É muito suave, a paixão se esconde no ritmo verbal Giacomo Joyce se aproxima lentamente do amor. Ele se aproxima da jovem mulher, ele vê a cor da sua cútis, a suavidade do seu caminhar, o bater de suas pálpebras. Ela é um pássaro anunciando a primavera no coração de um escritor já distante da juventude.

Talvez haja na narrativa de Joyce um excesso de erudição. Mas será possível descrever o amor sem excesso?

 

 

Conversa com o velho profeta

 


O dom da profecia é um presente ambíguo, nunca sabemos se é um privilégio ou uma carga.

Cassandra, profetiza prisioneira do seu destino – uma linda mulher conta a narrativa mítica – era amaldiçoada, ninguém aceitava as suas profecias trágicas.

Ninguém?

Talvez só eu a entendesse, a admirava, sabia da sua verdade. Mas o Olimpo me respondeu com o silêncio. Ao que parece sou também um ser ambíguo, um humano que sabe onde se localizam o Olimpo e Shambala, mas não sabe exatamente quem é. O que percebe, e isso parece verdadeiro, é que o seu destino é uma trilha que se faz e refaz e novamente se faz à medida de seus passos.

 

 

O primeiro dia

 

Certamente.

Há tanta coisa para ver!

Eu viajei muitas vezes. Demorava nos lugares. Então não via tantos lugares assim. E também sempre gostei de caminhar pelas ruas, parar para comer num pequeno bistrô, ou me encantar com uma livraria ou até mesmo me sentar num banco de praça.

Hoje estou com vontade de ler o Comissário Maigret, do Simenon. É quase como estar nas ruas de Paris. As praças, o bistrô preferido, a comida particular que cada um tem. Eu leio o Simenon desde os 15 anos. Eu lia na Biblioteca Pública. Ficava perto do Palácio do Governo. Não lembro o nome da praça. Praça da Matriz.

Hoje acordei e encontrei um mundo cambiante, levemente esfumaçado, com um cinza claro que a tudo cobre, como uma vestimenta grega dos tempos míticos, um universo distante, voltado para si mesmo. Que forma ele esconde? Um universo em gestação.





JACOB KLINTOWITZ (Brasil, 1941). Escritor, ensaísta, crítico de arte, editor de livros de arte, conferencista e autor de mais de uma centena de livros de arte e teoria de arte e comunicação. Três “livros de artista” em parceria com os artistas Sérvulo Esmeraldo e Diva Helena Buss; participação na antologia Quer que eu te conte um conto? (Editora Achiamé), organizada pelo poeta Vicente de Pércia; edição do livro de contos Intimidade (Editora Athanor), organizada pelo poeta e pintor Rodrigo de Haro; e a participação na Antologia de contistas Bissextos (LPM Editores), organizada pelo escritor Sérgio Faraco.



BRIANDA ZARETH HUITRÓN (México, 1990). Originaria de Temascalcingo de José María Velasco, México. Artista plástica y pintora surrealista. Realizó sus estudios de pintura en la Academia de San Carlos en Ciudad de México. Sus múltiples facetas artísticas y personalidad curiosa la llevaron a descubrir el surrealismo, corriente en la que encontraría una manera de comunicarse con el mundo. Plasma interpretaciones poéticas donde lo cotidiano es transformado en una realidad fantástica y onírica. Pinturas mágicas que señalan los deseos de la vida por salir en un cuadro. Ha expuesto individualmente y de manera colectiva en México y en el extranjero. Exposiciones individuales: Museo Leonora Carrington de Xilitla, ENCUENTROS ONÍRICOS en el año 2025. Museo de la Mujer, REVELACIONES ONÍRICAS, en el año 2022. PAISAJES ONÍRICOS para el Festival Temascalcingo Honra a Velasco, en el Año 2021. VENTANA A MUNDOS ONÍRICOS, en el Centro Cultural Futurama, Ciudad de México, en el año 2020. Exposiciones Colectivas Col-art en la Galería Oscar Román año 2025 Muestra pictórica EL OFICIO DEL PINTOR, de la Academia de San Carlos, Año 2019. DIMENSIONS, Festival Wave Gotik Treffen, celebrado en Leipzig, Alemania, en el año 2018. Ha participado en la Cátedra por los 100 años del surrealismo, en la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM, impartiendo conferencia sobre surrealismo femenino. Recientemente su obra ha sido publicada en el libro Mujeres Mexicanas en el Arte, de la editorial Agueda y en THE ROOM SURREALIST MAGAZINE, revista de surrealismo internacional. Brianda Zareth Huitrón es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.

 



Agulha Revista de Cultura

Número 263 | dezembro de 2025

Artista convidada: Brianda Zareth Huitrón (México, 1990)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

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