Um poema que me causou espanto foi
interurbano. A gente adentra a página como quem nada quer, pensando no que pode
haver entre duas cidades. Decerto, as pessoas são outras, os prédios, as
avenidas conduzem a destinos outros. Um amor está à espreita, caso tenhamos a
sorte de todos os passos conduzirem ao encontro. Conforme avançamos a leitura,
percebemos que nos desencontros, nas quinas, inflexões, reside a paisagem.
Diana evoca o mito de Aracne, a eterna tecelã, para nos contar da eterna teia
que é a saudade, da construção que é o afeto, esse ônibus ao outro que estamos
atrasados para pegar (mas sempre dá tempo). E como dá tempo nos sentamos,
aliviados, diante desse ponto de partida e chegada que é o outro. Estamos
tecendo com o que pudemos, aceitamos esse trabalho com a linha que temos e não
paramos, pois sabemos que o único modo de encurtar uma distância é percorrendo-a.
Mal sabemos que estamos, com isso, construindo uma outra distância. Maior.
Em termos subjetivos, o poema que se
tornou imediatamente meu favorito foi interurbano. Certamente o levarei para
passear. A relação entre mãe e filha é delicada. No meu caso, a relação neta-avó.
A meu ver, o que vemos ao olhar uma mulher que percorreu distâncias maiores é
um reflexo. Um reflexo do que é ser mulher, das náuseas e sorrisos que
compartilhamos. Do que nos espera. Um desejo insaciável de ser, sempre o
desejo, nos locomovendo ao outro, que é nós mesmos. Bordar bem, achar a palavra
certa, encurtar uma distância, ser mulher-filha-mãe: uma questão de orgulho e,
talvez, de controle. Descobrimos, ora ou outra, que a viagem não tem fim. É
necessário suportar o enjoo de movimento. Precisamos tolerar que o destino
talvez seja outro, o motorista pode pegar outra estrada e ainda assim,
precisamos continuar. Seguimos com esse propósito vital, viajar de encontro ao
afeto. Que continuemos viajando apesar dos choques e acidentes. É preciso
manter a calma, pois aqui nada é nosso – só a palavra.
Enquanto não chegamos, inventamos uma
cidade. Eu começo: a minha é na beira da praia e todo cidadão deverá por lei
ter um gato de cada cor. Nos divertimos. Esperamos. Durante o percurso é
preciso olhar as janelas, mas não esquecer que aqui dentro também é paisagem. E
é possível contar das colinas nossas ao outro, conduzi-lo pelas hortas – dizer olha:
aquela plantação ali a cheia do rio levou, mas eu já estou fazendo outra. Não,
essa terra aqui está descansando. Do outro do lado do rio só se chega
mergulhando. Dá para ensinar ao outro onde e como mergulhar, caso queiram pegar
o peixe. Convidamos o outro para se sentar embaixo do cajueiro, oferecemos uma
Coca-Cola. Dizemos: Olha bem, essa terra
seca também dá para amar, se estiver disposto. Vez ou outra contamos uma
piada (e isso é só para contar os dentes do outro) depois dizemos olha: eu
perdi um também. Quando criança, gostava de correr pelo quintal, então cai. Você
já correu pelo quintal? Você já caiu? Depois fingimos que estamos fazendo outra
coisa, pois o amor é pão que cresce fermentado de silêncios. A viagem é longa e
o outro adormece.
Ler Diana Luz Neves
requer um mergulho lento em poções mágicas. Aqui, tudo é milagre: a linguagem,
o afeto, o nome com o qual as coisas existem para nós, e para o outro. Adentrar
Charme Fantasma é um convite a olhar –
tudo é olho. e podem te olhar de canto, te olhar com o corpo-cidade, te olhar
com as mãos. Ao lê-la me senti menina-ventríloquo-mulher-pássaro, suas
palavras, seus encantos conduzindo meu corpo e por fim, levando-o ao voo. E voo
através do verbo, pouso em seus versos: um desafio, um afago. O que nos
locomove através das páginas, do caminho, do outro é a fome. Há esse instinto
primordial de sobrevivência, essa fome-febre-fere inerente ao corpo. Corpo esse
que aquece, aconchega, leva ao delírio. Planamos no mundo munidos da palavra
até os dentes, dispostos a fraturar tudo. Mas nem tudo é assim, repleto de sim.
Há a pausa, a procura pela interrogação. Descobrimos ao repousar sob a sombra
do cajueiro que as reticências são três sementes com ânsia de brotar. Podemos
nos alimentar desse novo princípio, ousar seguir, ousar difamar através do
sonho. Seguimos nessa estrada do talvez, na ponta dos pés como quem cheira a
silêncios. Há nos trapézios esse acúmulo do não dito, do não tocado, agora
também corpo, querendo sair para nadar. Saímos com o corpo procurando uma
palavra e só encontramos nós mesmos. Se me permitem afagar o mistério, digo que
Diana deve tecer todas as noites, e com isso nos entrega um golpe
Greco-fatal-maternal. Se seguimos por sua teia como bússola, descobriremos o
fantasma final: todo caminho é linguagem.
MARIA EMANUELLE CARDOSO (Minas Gerais, 2000). É bióloga e mestranda em Biodiversidade na UNIMONTES. Seu livro de estreia, Amarelo mostarda, foi publicado em 2024 pela editora Nauta. Tem poemas publicados em mais de 50 antologias e revistas em português, inglês e espanhol. Ganhou o segundo lugar do Prêmio Poesia Agora Verão 2021 (Trevo) e participou do Clipe Poesia 2023 na Casa das Rosas. Seu segundo livro, Foram os peixes a inaugurar a linguagem, está no prelo.
BRIANDA ZARETH HUITRÓN (México, 1990). Originaria de Temascalcingo de José María Velasco, México. Artista plástica y pintora surrealista. Realizó sus estudios de pintura en la Academia de San Carlos en Ciudad de México. Sus múltiples facetas artísticas y personalidad curiosa la llevaron a descubrir el surrealismo, corriente en la que encontraría una manera de comunicarse con el mundo. Plasma interpretaciones poéticas donde lo cotidiano es transformado en una realidad fantástica y onírica. Pinturas mágicas que señalan los deseos de la vida por salir en un cuadro. Ha expuesto individualmente y de manera colectiva en México y en el extranjero. Exposiciones individuales: Museo Leonora Carrington de Xilitla, ENCUENTROS ONÍRICOS en el año 2025. Museo de la Mujer, REVELACIONES ONÍRICAS, en el año 2022. PAISAJES ONÍRICOS para el Festival Temascalcingo Honra a Velasco, en el Año 2021. VENTANA A MUNDOS ONÍRICOS, en el Centro Cultural Futurama, Ciudad de México, en el año 2020. Exposiciones Colectivas Col-art en la Galería Oscar Román año 2025 Muestra pictórica EL OFICIO DEL PINTOR, de la Academia de San Carlos, Año 2019. DIMENSIONS, Festival Wave Gotik Treffen, celebrado en Leipzig, Alemania, en el año 2018. Ha participado en la Cátedra por los 100 años del surrealismo, en la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM, impartiendo conferencia sobre surrealismo femenino. Recientemente su obra ha sido publicada en el libro Mujeres Mexicanas en el Arte, de la editorial Agueda y en THE ROOM SURREALIST MAGAZINE, revista de surrealismo internacional. Brianda Zareth Huitrón es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 263 | dezembro de 2025
Artista convidada: Brianda Zareth Huitrón (México, 1990)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com






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