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Zila Mamede (1928-1985) foi uma proeminente intelectual brasileira, destacando-se
como poeta, jornalista e uma das mais importantes
bibliotecárias do Rio Grande do Norte. Ela deixou um legado significativo
tanto na literatura quanto na área da biblioteconomia, sendo reconhecida por sua
seriedade e dedicação. Ela teve um papel fundamental na reestruturação e organização
de importantes acervos e bibliotecas no Rio Grande do Norte. Ela foi responsável
pelo planejamento, organização e instalação do acervo básico da Biblioteca Central
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde também atuou como diretora.
Em reconhecimento ao seu trabalho, a biblioteca central da UFRN hoje leva seu nome:
Biblioteca Central Zila Mamede (BCZM). Considerada uma das maiores conhecedoras
da obra de João Cabral de Melo Neto, ela trabalhou em um projeto de bibliografia
crítica sobre o poeta. Sua obra de maior destaque nessa área foi a bibliografia
anotada de Luís da Câmara Cascudo, intitulada Luís da Câmara Cascudo: 50 anos de vida intelectual (1918-1968), um
trabalho minucioso e rigoroso que abrangeu meio século de atividade literária do
escritor. Além de sua atuação na área de biblioteconomia, Zila também foi jornalista,
colaborando para diversos periódicos e jornais. Como poeta, Zila Mamede utilizou
a realidade sertaneja e a memória como motes principais para seus versos, evitando
um regionalismo piegas e transformando a experiência cotidiana em objeto de encanto.
Sua obra poética completa foi reunida na coleção Zila, Toda Poesia, lançada em seis volumes pela Editora da UFRN em 2023.
A poeta faleceu em 13 de dezembro de 1985, enquanto nadava na Praia do Meio, em
Natal, Rio Grande do Norte.
ELEGIA
Não
retornei aos caminhos
que
me trouxeram do mar.
Sinto-me
brancos desertos
onde
as dunas me abrasando
tarjam
meus olhos de sal
dum
pranto nunca chorado,
dum
terror que nunca vi.
Vivo
hoje areias ardentes
sonhando
praias perdidas
com
levianos marujos
brincando
de se afogar,
com
rochedos e enseadas
sentindo
afagos do mar.
Tudo
perdi no retorno,
tudo
ficou lá no mar:
arrancaram-me
das ondas
onde
nasci a vagar,
desmancharam
meus caminhos
–
os inventados no mar:
depois,
secaram meus braços
para
eu não mais velejar.
Meus
pensamentos de espumas,
meus
peixes e meu luar,
de
tudo fui despojada
(até
das fúrias do mar),
porque
já não sou areias,
areias
soltas de mar.
Transformaram-me
em desertos,
ouço
meus dedos gritando
vejo-me
rouca de sede
das
leves águas do mar.
Nem
descubro mais caminhos,
já
nem sei também remar:
morreram
meus marinheiros,
minha
alma, deixei no mar.
Pudessem
meus olhos vagos
ser
ostras, rochas, luar,
ficariam
como as algas
morando
sempre no mar.
Que
amargura em ser desertos!
Meu
rosto a queimar, queimar,
meus
olhos se desmanchando
–
roubados foram do mar.
No
infinito me consumo:
acaba-se
o pensamento.
No
navegante que fui
sinto
a vida se calar.
Meus
antigos horizontes,
navios
meus destroçados,
meus
mares de navegar,
levai-me
desses desertos,
deitai-me
nas ondas mansas,
plantai
meu corpo no mar.
Lá,
viverei como as brisas.
Lá,
serei pura como o ar.
Nunca
serei nessas terras,
que
só existo no mar.
CANÇÃO DO AFOGADO
Nos
olhos de cera
dois
pingos de vida,
nas
marcas de vida
a
noite pisou.
A
face tranquila
bordada
de sombras
–
são restos de estrelas
que
o céu apagou.
Os
dedos lilases
não
pedem mais sol;
e
os lábios desfeitos
perderam
seus gestos,
calaram
seus sonhos
que
a morte levou.
Cabelos
de musgos
lavados
de espumas
caminha
o afogado
que
o mar conquistou.
RETRATO
Me
lembrava da menina
escavacando
o chão agreste,
me
lembrava do menino
carregando
melancias.
Em
que terras desembocam
esses
talos de crianças
mais
finos que as maravilhas,
mais
fortes que a ventania?
Dois
pés descobriram casa,
multiplicaram-se
em hastes
–
são cabeleiras de trigo
dos
moinhos de Van-Gogh.
A
sombra dos dois irmãos
repartiu-se
entre os veleiros:
seu
tronco desarvorado
virou
estrelas no mar.
HERMELINDA NO ESPELHO
O
rosto exige unção de creme nutritivo
textura
de loção hidratante
sedosidade
de sabão adstringente
O
rosto seleciona cores de potes,
formatos
de tubos e de frascos
na
concorrência das embalagens
que
se oferecem em fiteiros e vitrines
–
o chamariz harmônico e ofuscante
do
gás neon, luz fria, candeeiros
Espelhos
salientam abusivos olhos
pincéis
acentuam a descritiva sensual dos lábios
dedos
massageiam impiedosas geometrias de pescoços e colos
Sacralizados
em banheiros e termas
multíplices
cosméticos realimentam
as
vibrações do rosto que exorciza o tempo.
CANÇÃO DA ROSA DE PEDRA
Essa,
a rosa da promessa
da
noite do nosso amor,
murcha
rosa indiferente,
sem
alma, escassa de olor?
Por
que essa rosa de pedra,
o meu
presente nupcial?
– Pantanosa
flor de lama
gerada
em brisas de sal.
O riso
da minha infância,
gritam-no
abismos de sangue
onde
boia impura, incauta,
flor
de pedra, flor de mangue.
A vã
promessa incumprida
na
noite do nosso amor
repousa
em praias de sombra
navega
em mares de dor.
BILHAR
a Ludi e Oswaldo Lamartine
Na medida exata
em que a noite
corre
não fico: me
ausento
como quem morre
Entre lousa e
livro
– único disfarce
que concedo ao
tempo –
mudo-me a face
que, no entanto,
vária,
inábil, reprimida,
perde-se no encontro
tátil da vida
Bola sete em
rude
pano de bilhar
marco meu sem
rumo
jogo
MAR MORTO
Parado morto
mar de minha infância
sem sombras nem
lembranças de sargaços
por onde rocem
as de gaivotas
perdendo-se num
rumo duvidoso.
Pesado mar sem
gestos, mar sem ânsia,
sem praias, sem
limites, sem espaços,
sem brisas, sem
cantigas, mar sem rotas,
apenas mar incerto,
mar brumoso.
Criança penetrando
no mar morto
em busca de um
brinquedo colorido
que julga ver
no morto mar vogando.
Infância nesse
mar que não tem porto,
num mar sem brilho,
vago, indefinido,
onde não há nem
sonhos navegando.de-amar.
CAIS
Três navios fugindo, três demônios
do mar fazendo suas montarias.
Ninguém dizendo adeus, todos chorando,
eu querendo remar, mas eu ficando
de bruços nesse cais que não desejo
pois, loucas, peço as três cavalgaduras
que pisaram no espelho cal, repolhos
e encheram seus pulmões de maresia.
Três demônios velejam satisfeitos,
três navios mergulham no horizonte,
e eu nem sequer me faço mastro ou leme,
nem galopar eu posso três navios
(à noite, quando as brumas me ferirem)
presa nas rédeas desses três demônios.
RETRATO DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO
O gesto de tirar os óculos, de apoiar a testa na mão
(como para sustar a explosão das ideias e interioriza-se)
O ricto de autocomiseração (ou zombaria):
apertar os lábios num sorrisos seco e horizontal de máscara
O medo do demônio e dos infernos
e nenhuma convivência com um Deus que seja
O pavor e o pudor: onipotência e técnica
de preservar a intimidade dolorosa
A neurose da aspirina, do relógio e do tempo
como se o instante último fosse necessariamente aquele
O desejo de amor, a recusa do amor, o pecado do amor
e a casuística fidelidade ao próprio amor
A missão, a omissão e a ousadia da distância
na rotineira ausência, intempestiva presença
O degredo e o segredo na tortura
pela aspereza da dor invulnerável
A necessidade de confirmar se se “compreende!”
o debate, a fruição, a lucidez
A dialética e a disciplina do poeta
e o preconceito atávico da casta
O compromisso ascético com a palavra:
salvação e danação, perdição e deificação.

BRIANDA ZARETH HUITRÓN (México, 1990). Originaria
de Temascalcingo de José María Velasco, México. Artista plástica y pintora
surrealista. Realizó sus estudios de pintura en la Academia de San Carlos en
Ciudad de México. Sus múltiples facetas artísticas y personalidad curiosa la
llevaron a descubrir el surrealismo, corriente en la que encontraría una manera
de comunicarse con el mundo. Plasma interpretaciones poéticas donde lo
cotidiano es transformado en una realidad fantástica y onírica. Pinturas
mágicas que señalan los deseos de la vida por salir en un cuadro. Ha expuesto
individualmente y de manera colectiva en México y en el extranjero.
Exposiciones individuales: Museo Leonora Carrington de Xilitla, ENCUENTROS
ONÍRICOS en el año 2025. Museo de la Mujer, REVELACIONES ONÍRICAS, en el año
2022. PAISAJES ONÍRICOS para el Festival Temascalcingo Honra a Velasco, en el
Año 2021. VENTANA A MUNDOS ONÍRICOS, en el Centro Cultural Futurama, Ciudad de
México, en el año 2020. Exposiciones Colectivas Col-art en la Galería Oscar
Román año 2025 Muestra pictórica EL OFICIO DEL PINTOR, de la Academia de San
Carlos, Año 2019. DIMENSIONS, Festival Wave Gotik Treffen, celebrado en
Leipzig, Alemania, en el año 2018. Ha participado en la Cátedra por los 100
años del surrealismo, en la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM,
impartiendo conferencia sobre surrealismo femenino. Recientemente su obra ha
sido publicada en el libro Mujeres
Mexicanas en el Arte, de la editorial Agueda y en THE ROOM SURREALIST MAGAZINE, revista de surrealismo internacional.
Brianda Zareth Huitrón es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.

Agulha Revista de Cultura
Número 263 | dezembro de 2025
Artista convidada: Brianda Zareth Huitrón (México, 1990)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
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