terça-feira, 15 de abril de 2025

GILKA MACHADO (1893-1980)

 

DOCUMENTA – A POESIA BRASILEIRA

 


Gilka da Costa Melo Machado nasceu no Rio de Janeiro em 12 de março de 1893 e morreu na mesma cidade no dia 11 de dezembro de 1980. Cresceu e formou-se em um ambiente familiar de intelectuais. Casou-se com o poeta Rodolfo Machado. Como escritora, por causa de seus versos sensuais, foi considerada ousada e indecorosa. Em 1910, ajudou a fundar o Partido Republicano Feminino, que defendia o voto das mulheres e lutava por sua valorização social. Escreveu basicamente poesia, sendo atribuído a ela, em 1933, em um concurso literário promovido pela revista O Malho, o título de a maior poeta brasileira do século”. Publicou os seguintes livros de poemas: Cristais partidos (1915), Estados de alma (1917), Poesias – 1915-1917 (1918), Mulher nua (1922), Meu glorioso pecado (1928), Carne e alma (poemas escolhidos, 1931), Sublimação (1938), Meu rosto (antologia, 1947) e Velha poesia (poemas escolhidos, 1965). Poeta, ensaísta e conferencia, publicou, em 1916, A revelação dos perfumes. Em 1979, a Academia Brasileira de Letras concedeu-lhe o Prêmio Machado de Assis. A sua obra é sempre associada ao simbolismo, mas participou da variante modernista no Rio de Janeiro que escrevia para a revista Festa. Com organização de Jamyle Rkain, o selo Demônio Negro publicou em 2017 a sua poesia reunida.


SENSUAL


Quando, longe de ti, solitária, medito

nesta afeição pagao que envergonhada oculta,

vem-me às narinas, logo, o perfume esquisito

que o teu corpo desprende e não há teu próprio vulto.


A confissão febril deste afeto infinito

há muito que, medrosa, em meus lábios sepulto,

pois teu lascivo olhar em mim pregado, fito,

à minha castidade é como um insulto.


Se acaso te achares longe, uma barreira colossal

dos protestos que, outros, eu faço a mim mesma

de orgulhosa virtude, erige-se altaneira.


Mas, se você está ao meu lado, barreira desaba,

e sinto da volúpia a ascosa e fria lesma

minha carne poluir com repugnante baba...



ESBOÇO


Teus lábios inquietos pelo meu corpo

acendiam astros...

E no corpo da mata os pirilampos

de quando em quando,

insinuavam fosforecentes carícias...

E o corpo do silêncio estremecia,

chocalhava, com os guizos do cri-cri osculante

dos grilos que imitavam a música da tua boca...

E no corpo da noite

as estrelas cantava

com a voz trêmula e rútila

de teus beijos...



FECUNDAÇÃO


Teus olhos me olham

longamente,

imperiosamente...

de dentro deles teu amor me espia.


Teus olhos me olham numa tortura

de alma que quer ser corpo,

de criação que anseia ser criatura


Tua mão contém a minha

de momento a momento:

é uma ave aflita

meu pensamento

na tua mão.


Nada me diz,

porém entre-me a carne a persuasão

de que seus dedos criam raízes

na minha mão.


Teu olhar abre os braços,

de longe,

à forma inquieta de meu ser;

abre os braços e enlaça-me toda a alma.


Tem seu olhar mórbido

penetrações supremas

e sinto, por senti-lo, tal prazer,

há nos meus poros tal palpitação,

que me vem a ilusão

de que se vai abrir

todo meu corpo

em poemas.



REFLEXÃO


Há certas almas

como as borboletas,

cuja fragilidade de asas

não resiste ao mais leve contato,

que deixa ficar algumas

pelos dedos que as tocam.


Em seu voo de ideal,

deslumbram os olhos,

atraem como vistas:

perseguem-nas,

alcançam-nas,

detém-nas,

mas, quase sempre,

por saciedade

ou piedade,

libertam-nas outra vez.


Ela, porém, não voam como dantes,

fiquem vazias de si mesmas,

cheias de dessalento...


Almas e borboletas,

não fosse a tentação das cousas rasas;

- o amor de néctar,

- o néctar do amor,

e emparelharíamos nos cimos

seduzindo do alto,

admirando de longe!...



LEMBRANÇAS



Teus retratos — figuras esmaecidas;

mostrar pouco, muito pouco do que foste.

Suas cartas — palavras em desgaste,

dizem menos, muito menos

do que outrora me diziam

teus silêncios afagantes...

Só o espelho da minha memória

conserva nítido, imutável

a projeção de sua formosura,

só nos folhos dos meus sentidos

pares vívidas

em relevo

as frases que seu carinho

descobri nelas imprimir.


Sou uma urna funerária de tua beleza

que saudade

embalsamou.


Quando chegar o meu instante derradeiro

só então, mais do que eu,

você morrerás

em mim.





ANA MARIA PACHECO (Brasil, 1943). Escultora, pintora e gravadora. Sua obra possui um acento impressionante estabelecido no centro das relações entre sexualidade e magia, sem descuidar da tensão inevitável entre Eros e Tanatos. A personificação de sua escultura encontra amparo vertiginoso nas lendas, mitos e em sua própria biografia. Tendo sido inicialmente atraída pela música, nos anos 1960 foi exímia concertista, porém o piano iria encontrar melhor abrigo, com sua força rítmica sugestiva na narrativa que acabou aprendendo a compor, a partir de sua fascinação pela escultura barroca policromada e o ideário ritualístico das máscaras africanas. Nos anos 1970 viajou para estudar na Slade School of Art em Londres e ali mesmo resolveu mudar definitivamente de endereço. Com o tempo foi desenvolvendo uma maestria singular, a criação de conjunto escultórico que se destacava como a representação tridimensional de uma narrativa. Embora tenha igualmente se dedicado à pintura, com seus trípticos fascinantes, é na escultura que esta imensa artista brasileira se destaca, com o uso de recursos teatrais e a mescla de elementos constitutivos de diversas culturas. É também uma valiosa marca sua a montagem de cenas emprestadas da literatura ou de evidências do cotidiano. Agradecimentos a Pratt Contemporary, Dictionnaire Universel des Créatrices, AWARE – Archives of Women Artists, Research & Exhibitions. Graças a quem Ana Maria Pacheco se encontra entre nós como artista convidada da presente edição de Agulha Revista de Cultura.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 260 | abril de 2025

Artista convidado: Ana Maria Pacheco (Brasil, 1943)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/

http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 



 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário