Que bom quando
podemos tratar de um movimento ou manifestação culturalmente relevante no modo memorialístico!
Usar bastante da primeira pessoa! Abusar do coloquialismo! O mais importante: poder
declarar e reiterar que participei efetivamente, não como integrante do grupo, mas
como uma espécie de cúmplice ou de assistente especial!
Por isso, relatar
passa a ser uma tentativa de traduzir experiências!
Por exemplo: ao
assistir à preparação de cARTAUDgrafia – quando…? 2015…? – que foi tema de uma palestra minha. [1]
A encenação e subsequente
palestra aconteceram na Oficina Oswald de Andrade, mas a preparação foi na sede
rural do Taanteatro, em São Lourenço da Serra. O teatro não só como ritual, mas como celebração da
superação dos limites entre o indivíduo e a natureza. Inesquecível. Não foi a primeira vez que caminhei no meio do mato naqueles
contrafortes da Serra do Mar, felizmente ainda exuberantes. Mas dessa vez a caminhada
se confundiu com uma criação artística, na qual o espetáculo e a presença da Serra do Mar se confundiram desse modo.
Pisar no chão adquiriu significado especial.
Por qual razão trouxemos
Gérard de Nerval à cena, ao temário daquela sessão? Só sei dizer que sai de lá entendendo mais sobre o autor de Sylvia, As quimeras e A mão encantada. Por qual motivo Lautréamont fez parte da sessão? Nós – Wolfgang e eu – o havíamos escolhido, partindo da notória admiração de Artaud por Lautréamont? Ou o autor de Os cantos de Maldoror simplesmente
foi entrando, ocupou um dos lugares daquele espaço para receber as manifestações
que merecia? Registramos isso, gravamos, temos imagens? Arquivei o texto?
Houve um subterrâneo. O subsolo da Praça Ramos de Azevedo. Salas e um exíguo labirinto. Desses lugares de São Paulo que a cidade de
São Paulo desconhece. O artista africano, convidado especial de Taanteatro, exibe
seu teatro corporal. Taanteatro ressignificou os baixos da Praça Ramos de Azevedo.
Hieratismo. Ou melhor,
o hieratismo dos limites do corpo. Teatro Viga no Sumaré. Palco, plateia, saguão – mas não após mostrar A Conquista do México de Artaud. [2] Continuamos na encenação, após seu encerramento cronológico. A adjacente estação Sumaré do metrô, onde eu e ela nos despedimos, também havia aderido à encenação. Composições do metrô seguindo em significativas direções
opostas, sinalizando partidas, despedidas, matizes da escuridão.
A encenação de A Conquista do México foi a mesma de 1996, no MASP? [3] A ocasião em que conheci o Taanteatro, Maura
e Wolfgang, a propósito do centenário de Artaud, [4]
parceiros à primeira vista.
Ou foi outra? Ou tanto faz? Na presente altura, quem dá importância ao princípio da identidade e da não-contradição? Foram momentos
ou etapas de um fluxo. Do rio de Heráclito.
Ideia para uma próxima palestra: partir da defesa do direito de contradizer-se
de Baudelaire, e projetá-la em interpretações da obra de Artaud.
Aonde eu queria
chegar: ao exame da peculiar espacialidade do Taanteatro. Eu sei que outros grupos
e movimentos teatrais já haviam feito isso, já se haviam instalado em uma sede, ao mesmo tempo, aparecendo
e desaparecendo em lugares muitas vezes insólitos ou imprevisíveis. Mas não desse modo, transformando-se em algo semelhante
a assombrações, ocorrências do imprevisível (para quem não acompanha o cuidadoso planejamento).
Atração pela descoberta e ocupação de espaços, convertendo-os
em cenários ou contextos
de um ritual: acho isso coerente com o que Artaud pretendia. O que relata Anais
Nïn: Artaud em pé no automóvel aberto, exclamando que é Heliogábalo, e Paris é a Roma decadente – delírio, surto, ou realização de uma poética do teatro? Assim como, evidentemente, a famosa palestra
no Le Vieux Colombier, que mudou a vida de pessoas que estiveram lá.
Trabalhar com Artaud é interminável. Estamos aí para atestar.
NOTAS
1. Nota editorial: infelizmente, o video da palestra referenciada por Claudio Willer, intitulada "Sobre Artaud” e realizada em 2015 por ocasião do projeto cARTAUDgrafia da Taanteatro Companhia, atualmente não está disponível on-line.
2.
Nota editorial: o autor mescla os títulos. De fato, refere-se a cARTAUDgrafia
2: Viagem ao México.
3.
Nota editorial: trata-se de encenações distintas. A Conquista do México foi
uma encenação comissionada ao coreógrafo japonês Min Tanaka por ocasião da mostra
internacional Artaud 100 Anos, idealizada por Wolfgang Pannek e produzida
pela Taanteatro Companhia. Cf.: http://www.taanteatro.com/projetos/a-conquista.html.
4.
Nota editorial: o autor refere-se à mostra internacional Artaud 100 Anos,
realizada em 1996. Cf.: http://www.taanteatro.com/projetos/artaud-100-anos.html
5. Nota editorial: as encenações Os Cantos de Maldoror ocorreram em 1998 e 1999, tanto na Funarte SP quanto na Biblioteca Mario de Andrade.
CLAUDIO WILLER | Poeta, ensaísta e tradutor, ligado ao surrealismo e à geração Beat. Publicações recentes: Dias ácidos, noites lisérgicas, relatos (2019), A verdadeira história do século 20, poesia (20162014), Os rebeldes: Geração Beat e anarquismo místico, ensaio (2014), Manifestos, 1964-2010, (2013), Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e poesia, ensaio (2010); Geração Beat, ensaio (2009), Estranhas experiências, poesia (2004). Traduziu Lautréamont, Allen Ginsberg, Jack Kerouac e Antonin Artaud. Doutor em Letras na USP, onde fez pós-doutorado. Mais em http://claudiowiller.wordpress.com/about.
CANDELARIA SILVESTRO | Artista argentina nacida en Córdoba, en 1977. Expone desde el año 1998 en salas de arte, galerías y Museos públicos y privados. Su obra forma parte de colecciones públicas y privadas, nacionales e internacionales de Argentina, Brasil, Holanda, Estados Unidos. Desde el año 2000 colabora con la Compañía Taanteatro de Sao Paulo en la realización de escenografía, vestuario, video animación, objeto escénico y performer. Sus trabajos más recientes son una participación en el film internacional La Peste de Antonin Artaud junto a la Compañía Taanteatro, en 2020; además de una participación especial en el Festival de Ecoperformance 2021 (Compañía Taanteatro); una exposición de pinturas de gran formato inspirada en el paisaje de la Mar Chiquita “Bandada de Flamencos”; la performance Ophelia de Ansenuza, concepción, dirección y coreografía de Maura Baiocchi (Compañía Taanteatro); y participación en el filme Apokalypsis, dirección de Maura Baiocchi y Wolfgang Pannek – todo esto en 2021.
Agulha Revista de Cultura
Série SURREALISMO SURREALISTAS # 03
Número 202 | fevereiro de 2022
Artista convidada: Candelaria Silvestro (Argentina, 1977)
Traduções de Wolfgang Pannek e Vadim Nikitin
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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AGRADEZCO A CANDELARIA SILVESTRO POR INFORMARME DE ÉSTA REVISTA , POCO A POCO LEYENDO ARTÍCULOS. UN PLACER. SALUDOS DESDE CÓRDOBA ARGENTINA,
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