Durante as primeiras décadas de eclosão do
Surrealismo, no centro radiante que era Paris, as mulheres foram idealizadas de
todas as formas possíveis, porém jamais foram vistas ou aceitas como artistas. Sequer
participaram das reuniões e enquetes – a eloquente enquete sobre sexualidade comete
o ato inadmissível de não incluir a opinião de nenhuma mulher. Em geral quando se
fala de Joyce Mansour (Egito, 1928-1986), ela é mencionada como uma exceção. Embora
admirasse o Surrealismo à distância, em seu Egito natal, somente em 1953 a poeta
se muda para Paris, e seu primeiro encontro com Breton, com quem já se correspondia,
data de três anos depois, quando o Surrealismo começa a enfrentar desgastes e necessita
beber novos horizontes que o revitalizem.
A poesia de Joyce, que enfatizava a violência
sofrida pela mulher, suas imagens dilacerantes, o ímpeto revolucionário da linguagem,
causou um impacto eficaz e decisivo à sua recepção no movimento. Sua natureza sempre
independente a leva, ao passo de poucos anos, a compreender que a escritura automática
trazia em si como elemento essencial o impulso vital de implodir eventuais travas
da criação. Sua poética passou então a lidar mais intensamente com outras técnicas
surrealistas, de um modo bastante peculiar, como o recurso onírico, presente em
muitos cenários e personagens de sua prosa, de seus densos relatos que se mantinham
direcionados a tratar da violência contra a mulher, assim como o humor negro, que
põe em cheque as instituições e dá à sua obra uma alta expressividade que a situa
como uma das mais importantes poetas de seu tempo.
Ao conversar com Leila Ferraz, a surrealista
brasileira que foi uma das organizadoras da Exposição Internacional do Surrealismo,
realizada em São Paulo, em 1967, ela recordou uma passagem de sua residência em
Paris: Conheci a belíssima e enigmática Joyce,
com seu charuto perfumava a todos nós. Inebriante e misteriosa. Elegantíssima e
rica. Encantava-me a cor de sua pele, voz rouca e cabelos negros com franja curta
e exalando óleos orientais. Boca pintada, ela soltava baforadas de fumaça lentamente
– e espalhava seus pensamentos como quem revela enigmas. Ah! JOYCE MANSOUR. Também
morava no 16º Arrondissement, entre Trocadero e Bois de Boulogne. Vestia-se de marrom
e negro. Às vezes trajava um chapéu. Uma pausa e então seguia: Falta-me falar de seu sorriso de mulher feita
e fière. Seus longos silêncios, olhos
semicerrados. Surgia e desaparecia sem alardes. Era casada com alguém de rara importância.
E todos se calavam para escutar sua voz de profundeza oriental declamar seus poemas
ou acolher suas opiniões sages. Ela era
da época de Breton e assim como ele erguia a cabeça com austeridade de quem sabe
fazer história.
Poeta e prosadora, a sua obra completa foi
publicada em 1991: Prose et poésie, œuvre complète, (Actes Sud, Paris). Na poesia cabe o destaque de livros como Cris
(1953), Rapaces (1960), Les Damnations (1967), Pandemonium
(1976) e Flammes immobiles (1985). De igual modo que na prosa é imperativo
citar Les Gisants satisfaits (1958) e Ça (1970), assim como a peça
de teatro Le Bleu des fonds (1968). Impossível não reconhecer em Joyce Mansour
uma das vozes poéticas de maior relevância no século XX.
Para acompanhá-la na presente
edição, convidamos o artista plástico John Welson (País de Gales, 1953). Pintor
e poeta, Welson possui uma expressão singular no ambiente surrealista mais recente
europeu. A seu respeito, comentou John Richardson:
Firstly, it is for me impossible to begin
to make sense of John’s worldview, his weltanschauung (amongst other languages he
is fluent in German, you know!) without taking full account of his Welsh, Radnorshire
or, better still, Celtic, roots. You cannot
be brought up in the Radnorshire hills of Wales as John was, and not see – and here
I mean really see – the figures from the Arthurian myths and legends and hear the
echoes through the ages and mists of druidic bards… (see John’s good friend Patrick Lepetit’s ‘The
Esoteric Secrets of Surrealism’ for more on Surrealism’s Celtic connection). But
before moving on we also need to acknowledge the organic nature of his work, surely
influenced by his life working and walking in the hills of his beloved Radnorshire.
No mesmo depoimento que meu deu, em dezembro
de 2017, o musicólogo Richardson refere a intensidade de diálogo da obra de Welson
com Benjamin Péret, que vai além do terreno da simples influência. Reuni-los agora
– Joyce Mansour e John Weilson – possui um caráter revelador da excelência e da
diversidade do Surrealismo. Meus agradecimentos especiais à poeta Anna
Apolinário, pela sugestão da edição e pela ajuda na formatação de alguns
ensaios.
Os Editores
• ÍNDICE
CLAUDIO WILLER | A lírica
selvagem de Joyce Mansour
JEANNE BACHARACH | Joyce Mansour, contre les cadres
JEANNE BACHARACH | Celui qui voit éclaire: du Bleu des
Fonds de Joyce Mansour, aux Émergences-Résurgences d’Henri Michaux
KATHARINE GINGRASS
| The voice in the bottle: the love poetry of Joyce Mansour and Robert Desnos
MAITE NOENO CARBALLO
| Joyce Mansour y Gisèle Prassinos – estética de lo feo en el surrealismo
Mª TERESA NOENO
CARABALLO | Joyce Mansour, la
mujer maldita
MARIE-FRANCINE DESVAUX-MANSOUR
| André Breton et le groupe à la veille de la rencontre avec Joyce Mansour
MARIE-FRANCINE DESVAUX-MANSOUR
| Le corps traumatisé: un pont entre Joyce Mansour et Henri Michaux
SHANNA COMPTON | How strange familiar things can be: celebrating Joyce Mansour
VICTORIA CARRUTHERS
| Excessive bodies, shifting subjects and voice in the poetry of Joyce Mansour
*****
EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO
DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidada: John Welson
(País de Gales, 1953)
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 133 | Maio de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
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