• EDITORIAL –
ENIGMAS DE LA PERMANENCIA
Isabel Ruiz |
Isabel Ruiz |
Nuestra edición avanza con la presencia de otros nombres igualmente
merecedores de destaques especiales, a comenzar por este inmenso poeta
argentino muy poco recordado, Juan José Ceselli (1909-1982), cuya poesía
completa estamos investigando las posibilidades de su edición. El novelista
brasileño Uilcon Pereira (1946-1995) es otro caso memorable, cuya obra hoy se
encuentra fuera de sus espacios vitales de lectura. Tres otros artistas son
aquí evocados, el venezolano Nicolás Ferdinandov
(1886-1925), el cubano Cundo Bermúdez
(1914-2008) y el dominicano Iván Tovar (1942). En las letras recordamos, desde Guadalupe, Daniel Maximin (1947), la colombiana Clara Schoenborn (1957) y una más de las
infinitas perspectivas que definen la escritura de Jorge Luis Borges (1899-1986). Por
último, como una especie de concentración de la vitalidad editorial de nuestra
revista, reproducimos en portugués el ensayo que fue escrito por Floriano
Martins como prólogo de la poesía reunida de uno de los más importantes poetas
brasileros, José Santiago Naud (1930-2020), quien murió hace poco. Así que nos
reunimos todos en vuelta de la mesa –Alberto
Claudio Blasetti, Berta Lucía Estrada, Carlos M. Luis, Harold
Alvarado Tenorio, Javier Payeras, Juan Calzadilla, Leonardo Froes Jr,
Lilian Pestre de Almeida y Plinio Chahín– para celebrar la permanencia enigmática de la creación
artística, más allá de todo el tiempo y sus obstáculos.
*****
José Santiago Naud |
Como ele próprio refere em um poema do livro Oficio humano (1966), Querer ter é
avareza. Trata-se de uma poesia que elude os vícios da posse. Sua excelência
está no convívio. Porém tal convivência se fortalece justamente ao mesclar
ciclos, ao povoar o poema de silêncio e vozerio, ascetismo e sensualidade,
suspeições e clarezas. Mesmo ao dizer de Jorge de Lima que provavelmente, com
Carlos Drummond de Andrade, é o poeta brasileiro mais presente em minhas
inquietações poéticas, mesmo aí, sabemos a força da abrangência, pela própria
profundidade do ato poético dado à luz de nossa lírica por ambos os poetas. E
tal menção cumpre ainda com o notável ofício de chamar a atenção para a
importância da obra de Jorge de Lima, dentre as vozes mais fundamentais da
poesia em língua portuguesa, porém não sem violenta injustiça quase de todo
esquecido das novas gerações brasileiras.
Esta carência de influência orquestrada por um
silêncio que une o relapso ao intencional é algo que também se verifica em
relação à própria circulação da obra de Santiago Naud. Deficitária em grande
parte pela ausência de distribuição fora de Brasília, cidade onde seus livros
vêm sendo editados nos últimos 30 anos. Aspecto agravado pela condição esgotada
da maior parte deles e pela ausência em meio editorial brasileiro de alguns de
seus principais títulos, publicados no exterior: Conhecimento a Oeste (Portugal, 1974), Dos nomes (Argentina, 1977), HB
Promontorio milenario (Panamá, 1983) e Piedra
Azteca (México, 1985). Este último, um desses exemplos engrandecedores de
qualquer tradição lírica e, no entanto, do total desconhecimento de leitores
brasileiros, sem esquecer que entre esses leitores se encontram também nossos
poetas, de toda estirpe e inquietude.
Piedra
Azteca – com seu trevo de cinco pétalas, sua arquitetura de cinco cantos ou
capítulos – abriga em suas nervuras um interessante diálogo com o Drummond já
aqui referido, sucedendo-o em sua evocação dos mitos urgentes. Diálogo
amplificado em surpreendente direção com outro poeta, o mexicano José
Gorostiza, portas abertas à altura e à síntese de duas poéticas entranháveis,
medulares e transcendentes, configurando particular rito de convivência entre
duas culturas, realçado pela própria residência de Santiago Naud em ambos os
países. O extenso poema que compõe o livro – cuja superfície aponta na direção
de uma visita ao mito ou celebração do milagre de Guadalupe – reflete um
domínio alquímico, onde a Pedra de Roseta transfigura-se na forma de uma
obsidiana, por sua vez transmudando-se, a cada canto, em faca, punhal, fio,
língua, borboleta, sem perder o espírito mineral, mas adentrando círculos e
profundidades em busca de novos contrários que possa remir unificando. Viagem
plena das formas que se descobrem e restaram no convívio. Viagem insolente da
ressurreição após cada sítio extraviado, assim
como alguém passa / depois de tudo perdido / e leva o nome trocado. A
própria construção do poema, ao recorrer a uma prática de espirais no entalhe
de palavras e sentidos, modula um instigante desafio entre o repetir e o
refletir, desdobrando-se em múltiplos sentidos alcançados a partir da ação de
um verbo no outro.
Piedra
Azteca confirma a condição visionária da poética de Santiago Naud,
enlaçando-se no esplendor de suas imagens com um livro que lhe é vizinho no
tempo, HB Promontorio milenario,
luminoso colóquio com uma pintura homônima do panamenho Adriano Herrerabarría.
Acerta Mario Augusto Rodríguez, ao dizer que se trata de uma obra de alucinantes sensações interiores, que parece desafiar a
interpretação do espectador, com o denso conteúdo de um passado transido de
valores culturais, em permanente rumo até o futuro. [1] Também aqui o tema definido e evocado transfigura-se e gera
novos matizes. A densidade florestal da pintura de Herrerabarría frutifica nas
mãos do verbo de Santiago Naud, na forma de uma vegetação espiritual: este eterno segredo / das dobras do tempo, /
a madeira apodrecida gotejando em convulsão / o sêmen desprezado, os ódios
ressentidos // e o ritual iludindo / os livres, que não somos. Uma vez mais
se encontra plenamente postulada a vertigem criativa apontada em Piedra Azteca, o episódio barroco da
viagem de um olho dentro do olho / de
outro olho / no outro, original. Tive a oportunidade de conhecer parte da
obra do artista panamenho que, de alguma maneira, entranha e descortina
substanciosa fatia da poética de Santiago Naud. Ao destacar estes dois livros,
contudo, o fiz menos movido pela intenção de diferi-los dos demais do que pela
simples razão de se tratarem de livros até aqui não publicados no Brasil.
Isabel Ruiz |
A obra de José Santiago Naud foi tecida de forma
visionária, obsessiva e profética. Toda ela transcorre sempre em busca daquele
que até hoje se configura como seu livro essencial e misterioso, que jamais se
mostrou na íntegra, sabendo guardar-se parcialmente em mistério, idêntico
mistério que o poeta tornou componente queimante e inestimável de sua poética.
Refiro-me a Cara de cão, cujas
parcelas publicadas até então – Dos nomes
(1977), Vez de Eros (1987), Memórias de signos (1994) e Os avessos do espelho (1996) –
repercutem intensa relação entre memória e antevisão de mundo. Relação desfiada
como uma viagem incansável, onde o poeta se sente trespassado pelo Verbo / e salivado por seres estranhos. De uma
margem ou outra do tempo, há toda uma colheita de imagens que são resíduos que
foram se acumulando ao longo da vida do próprio poeta, o que naturalmente
inclui antecedentes e utopias, ancestralidade do ser humano e potencialidade de
sua errância sobre a terra.
Tais resíduos se multiplicam e repetem,
configurando o estilo, mas essencialmente anotando um fundamento que não se
limita ao jogo semântico, cuja advertência caprichosa encontramos em um verso
que diz: toquei de novo o nome / em que
tudo outra vez se pode repetir, sendo esta a autêntica vibração alquímica
da poesia de Santiago Naud. Não à toa, o poeta aclara:
Para
mim a poesia corporiza um ato supremo de ociosidade e trabalho. É como
deixar-se levar na correnteza da vida, com todo o seu mistério de maravilhas e
horror, ou lavrar como o ouro nas profundezas da terra, precipitação mineral de
pureza máxima e infensa ao tempo, às traças ou à ferrugem. [3]
As associações apanhadas nessa profusão mineral de
sons, imagens, sentidos, entretecendo-se sem rejeitar contradições,
dissonâncias, desvarios, encontram neste poeta uma rara expressão de grandeza
que é, ao mesmo tempo, o retrato mais terrível da condição humana. O erótico
entrançado com o vozerio encoberto das ruas e becos, o coloquial exposto de
forma ostensiva, provocativo em sua luxúria, porém jamais percebido como uma
vulgaridade. Dispor-se ao perigo magnífico de lembrar ao angelical seu alcance
terreno. Interligar os contrários por analogias arriscadas. Não limitar-se ao
lírico, ao mesmo tempo sem deixar de ser profundamente lírico. Poesia complexa
na mecânica sinfônica em que está tecida, porém fluente na opção de sua
entrega. Seus códigos não são fechados, indecifráveis. A sucessão de mistérios
que destaca não a torna incomunicável, ao contrário: alimenta a fome do leitor
por impulsos de participação, convívio, aprendizagem, com este campo insondável
que é tão tangível e intangível quanto a vida de cada um de nós.
Ao mesclar mundo prosaico e atmosfera fantástica (o
mundo prodigioso da imaginação), Drummond alcançou mais do que ninguém na
poesia brasileira um grau de sensibilidade que nos permitiu rever nossas ideias
acerca do real e seu suspeitoso estado contrário. Santiago Naud recolheu bem a
lição e deu-lhe, entremeando sequência e consequência, um sabor singular, ao
dissipar outra fronteira, a que separa o lírico do épico. Em Vez de Eros, livro que recorda a
tessitura de um labirinto, uma de suas passagens assim se inicia: Ponho um dragão no teu vestido! / Por baixo
do pano a tua pele eriça / e enrija, estremecida, / e vai um pouco abrindo / os
abismos da infância: Na forma de um dragão ali está posto o real, o
imaginário, o lírico e o épico. A infância provocada é a da própria espécie
humana. A subjetividade é uma fonte inestimável de acesso ao coletivo. Todo
este livro, por exemplo, nos ensina que é plenamente possível romper as barreiras
entre gêneros sem precisar contestar tradição alguma, e sem promover tal
atitude à condição de uma vanguarda, ocasional como qualquer uma.
O próprio poeta gosta sempre de recordar que a
improvisação dos repentistas foi o primeiro impulso a levar-lhe à escrita. Por
ali sentiu as primeiras essências dos pomares da língua, o português de uma
margem e outra do Atlântico. Raros poetas no Brasil entregam-se a este mergulho
em duas águas com a intensidade com que o faz Santiago Naud. Não há retórica em
seu diálogo com esta nossa contradição linguística. Assim a defino, porque na
língua é que se encontram as raízes de nossas ambiguidades. No fundo, talvez
não seja a cultura portuguesa que rejeitamos e sim a língua. A rejeição
isoladamente não constrói uma realidade. A improvisação em Santiago Naud
alcança um particular sentido de entrega ao mistério. Ela própria, com sua
organização nervosa ou sua energia organizada, reconhece as estações rítmicas,
semânticas, os planos de reconhecimento de leitos ou estratégias de
transposição de cursos, inquietudes, decepções. Trata-se de uma poética
caudalosa, porém consciente de sua volúpia, e com um inestimável aproveitamento
estético desse espírito irrefreável.
Recordo isto movido por uma carta que em 1963 lhe
enviou Drummond. Ali dizia: Sua poesia
tem esse dom de extensibilidade; ela prolonga os temas e as visões, não se
satisfaz com o mistério captado. A extensão do verso em Santiago Naud
reflete a intensidade com que incorpora domínios e demônios da linguagem. É um
refinamento, antes de ser um desmazelo. O verso longo, por alguma
inadvertência, foi excomungado no Brasil como uma heresia. Em parte, vem daí a
rejeição irreflexiva que nossos poetas cultuam em quase sigilo em relação à
poesia que se faz na América Hispânica. Não se pode opor Celan a Rilke tomando
por fórum a extensão do verso. A síntese, quando evocada com um metro nas mãos,
pode expressar simplesmente uma falta do que dizer. A linguagem, a forma de
expressão, legítima ou afetada, independente do metro.
É fato que a poesia de Santiago Naud prolonga os temas e as visões. De alguma
maneira recorre a uma fonte barroca que é a mesma que animava a poesia de
Drummond. Ou de Jorge de Lima. Ou de Murilo Mendes. Dá-lhe, no entanto,
tratamento distinto à nascente. Já não lhe cabe ser deliberado ou irrevogável
em uma instância mítica ou social, lúcida ou delirante. Não se sente incomodado
com uma estrutura vigente em isolado. Quer romper com a própria natureza humana
e não apenas com uma parcela de seus caprichos. Eis a franca ousadia desta
poesia. Por isto que não importa – sinceramente não importa – opor seus méritos
ou equívocos aos rumos traçados por seus pares geracionais. Poetas brasileiros
nascidos na década de 1930 constituem – segundo meu entendimento – o mais alto
grau de nossa perspectiva de entrada em um ambiente internacional insultado
pelo conhecido ciclo das vanguardas. Alguns desses poetas corrigem com
naturalidade os equívocos de nosso Modernismo, e o fazem com uma propriedade
ainda hoje não considerada, cuja raiz é a mesma de todas as nossas
volubilidades.
A poesia de José Santiago Naud nos diz que somos
parte de alguma coisa. Que não avançamos enquanto não identificamos a origem.
Que as mil cabeças do mito, qualquer que seja ele, não podem refletir pura e
simplesmente uma sujeição à história. Que temos que percebê-la, recebê-la da
maneira como se apresenta, porém com o espírito preparado para que salte dentro
de nós, que se descubra em nós, que faça parte de nós, as mil cabeças sendo
nossas, as nossas. O verbo se lança nu no espaço, exposto às variações e
dissidências. Estamos todos em um grande salão. Até mesmo as ilusões semânticas
confidenciam sua fragilidade e seguem na festa. Estamos sem disfarce. Todos
somos filhos da mesma urgência. Os símbolos ganham um novo diapasão. Mas que
ninguém se iluda. O mistério tem outro nome. Sempre.
NOTAS
1. Un cuadro y un
poema, de Mario Augusto Rodríguez. Artigo publicado no
jornal La República. Panamá,
25/11/1983.
2.
A organicidade da poesia brasileira não
encontra correspondência na crítica literária, entrevista concedida a
Danilo Gomes. Suplemento Literário Minas
Gerais. Belo Horizonte, 10/06/1978.
3.
Preâmbulo, Antologia pessoal. Brasília: Thesaurus Editora, 2001.
Los editores
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• ÍNDICE
ALBERTO CLAUDIO BLASETTI | Juan José Ceselli, la rebelión contra la
estupidez y la maldad
BERTA LUCÍA ESTRADA | La shoah en clave de
atenea de Clara Schoenborn
CARLOS M. LUIS
| La pintura de Cundo Bermúdez
FLORIANO
MARTINS | Hipopocalipsis, Ruidurbano & Uílcon Pereira
HAROLD ALVARADO TENORIO |
Jorge Luis Borges
JAVIER PAYERAS | El
sueño y la resistencia: Isabel Ruiz
JUAN CALZADILLA | La travesía caribeña de Nicolás
Ferdinandov
LEONARDO FROES JR | Uílcon
Pereira e a nova inquisição outra
LILIAN PESTRE DE ALMEIDA | Daniel Maximin: uma voz original do Caribe francês
PLINIO CHAHÍN | El voluptuoso Iván Tovar
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Agulha Revista
de Cultura
UMA AGULHA NO
MUNDO INTEIRO
Número 155 |
Julho de 2020
Artista convidado:
Isabel Ruiz (Guatemala, 1945-2019)
editor geral
| FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente
| MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design
| FLORIANO MARTINS
revisão de textos
& difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições ©
2020
Dear Floriano,
ResponderExcluirThank you very much for your shipments. I receive a new testimony with them that they are the most diligent, educated, humane editor south of the equator in South America.
I embrace and wish health in unhealthy times,
Jan Docekal
Buenos días Floriano:
ResponderExcluirRecibe mis agradecimientos por acogerme de nuevo en Agulha, un privilegio formar parte de esta maravillosa revista. No conocía a la artista guatemalteca. Leeré atentamente cada uno de los artículos publicados. Recibe mi afecto y un cálido abrazo,
Berta Lucía Estrada
Gracias, Floriano, excelente revista. Me ha venido muy bien leerla.
ResponderExcluirVoy a pasarla a mis contactos y colegas vía email y por facebook.
Buen día
Antoni Rams
Floriano, belíssima edi§âo da ARC, imperturbável na sua coragem de ir sempre contra
ResponderExcluiros colossais Moinhos da Obviedade Clássica que monopolizam a política editorial brasileira,
e esmagam tudo o que nâo for do catecismo acadêmico.
Abrzzz
Zuca Sardan