quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Agulha Revista de Cultura # 259 | janeiro de 2025

 

∞ editorial | O caminho de um futuro a outro

 



01 |
Entramos no 25º ano de existência da Agulha Revista de Cultura. O surpreendente volume de matérias que chegam à nossa redação virtual permanece como uma declaração de confiança inesgotável. Claudio Willer, durante os 10 anos em que esteve conosco como editor assistente, dizia que sempre que viajava para o exterior seu nome era precedido da informação de que integrava a direção da revista. Floriano Martins sempre mencionou o quanto a sua vida se confunde com a da revista, em especial no sentido das inúmeras portas que lhe seguem sendo abertas. Este ano de 2025 nos leva, no entanto, a um espaço maior entre cada número, por uma razão especial: os dois editores atuais, Floriano Martins e Elys Regina Zils, encontram-se com um excedente de tarefas em instâncias paralelas que lhes forçam a alterar a periodicidade da revista. Este primeiro semestre teremos 3 números e no semestre seguinte apenas 2 números. No entanto, agregaremos à nossa pauta uma nova sessão, “Documenta”, em parte dedicada a uma parcela de nossos leitores que estranhavam que a Agulha Revista de Cultura não publicasse poesia. “Documenta” – inteiramente voltada para a tradição poética no Brasil – se espalha por duas outras publicações de imenso valor, as revistas Ruído Manifesto (Brasil) e Altazor (Chile), A primeira publicará uma série de dossiês sobre nossos mais destacados poetas, enquanto que a segunda reunirá textos-chaves (ensaios, entrevistas, memórias, manifestos etc.) que ajudarão o leitor de língua espanhola a compreender melhor os bastidores da poesia brasileira. | Tarō Okamoto (Japão, 1911-1996). Filho do cartunista Ippei Okamoto e da escritora Kanoko Okamoto. Estudou na Sorbonne nos anos 1930 e criou muitas obras de arte, após a II Guerra Mundial. Foi um artista e escritor prolífico até sua morte. Entre os artistas com os quais Okamoto se associou durante a sua estadia em Paris estiveram André Breton e Kurt Seligmann, este último uma autoridade surrealista em magia e que conheceu os pais de Okamoto durante uma viagem ao Japão, em 1936. Okamoto também se associou com Pablo Picasso, Man Ray, Robert Capa e sua parceira, Gerda Tarō, que adotou o primeiro nome de Okamoto como seu próprio sobrenome. Em 1964, Tarō Okamoto publicou um livro intitulado Shinpi Nihon (Mistérios no Japão). Seu interesse em mistérios japoneses foi provocado por uma visita feita ao Museu Nacional de Tóquio. Depois de ficar intrigado com a cerâmica Jōmon que encontrou lá, ele viajou por todo o Japão para investigar o que entendia como o mistério que se encontra sob a cultura japonesa e, em seguida, publicou Nihon Sai hakkenGeijutsu Fudoki (Redescoberta do JapãoTopografia de Arte). Tarō Okamoto é o artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura, e sua presença entre nós se deu graças à generosidade do bailarino e tradutor Daniel Aleixo. Sugerimos visitar o Museu de Arte Tarō Okamoto: https://taro-okamoto.or.jp.

 


02 | Estamos entrando en el 25º año de existencia de Agulha Revista de Cultura. El sorprendente volumen de material que llega a nuestra redacción virtual sigue siendo una declaración de confianza inagotable. Claudio Willer, durante los 10 años que estuvo con nosotros como editor asistente, contaba que siempre que viajaba al exterior su nombre era precedido por la información de que formaba parte de la dirección de la revista. Floriano Martins siempre ha mencionado cuánto su vida está entrelazada con la de la revista, especialmente en el sentido de las innumerables puertas que se le siguen abriendo. Este año 2025, sin embargo, nos lleva a un mayor espacio entre cada número, por una razón especial: los dos editores actuales, Floriano Martins y Elys Regina Zils, se encuentran con un excedente de tareas en instancias paralelas que los obligan a cambiar la frecuencia de la revista. Este primer semestre tendremos 3 números y en el siguiente semestre solo 2 números. Sin embargo, la revista añadirá una nueva sección a su agenda, “Documenta”, dedicada a una parte de nuestros lectores que se sorprenden de que Agulha Revista de Cultura no publique poesía. “Documenta”, dedicada íntegramente a la tradición poética brasileña, se distribuye en otras dos publicaciones de inmenso valor, las revistas Ruído Manifesto (Brasil) y Altazor (Chile). La primera publicará una serie de dossiers sobre nuestros poetas más destacados, mientras que la segunda reunirá textos clave (ensayos, entrevistas, memorias, manifiestos etc.) que ayudarán al lector hispanohablante a comprender mejor los entresijos de la poesía brasileña. | Tarō Okamoto (Japón, 1911-1996). Hijo del dibujante Ippei Okamoto y la escritora Kanoko Okamoto. Estudió en la Sorbona en la década de 1930 y creó numerosas obras de arte después de la Segunda Guerra Mundial. Fue un prolífico artista y escritor hasta su muerte. Entre los artistas con los que Okamoto se relacionó durante su estancia en París se encontraban André Breton y Kurt Seligmann, este último una autoridad surrealista en magia que había conocido a los padres de Okamoto durante un viaje a Japón en 1936. Okamoto también se relacionó con Pablo Picasso, Man Ray, Robert Capa y su compañera, Gerda Tarō, quien adoptó el nombre de Okamoto como su propio apellido. En 1964, Tarō Okamoto publicó un libro titulado Shinpi Nihon (Misterios en Japón). Su interés por los misterios japoneses se despertó tras una visita al Museo Nacional de Tokio. Tras quedar intrigado por la cerámica Jōmon que encontró allí, viajó por todo Japón para investigar lo que él consideraba el misterio que subyacía a la cultura japonesa y posteriormente publicó Nihon Sai hakken Geijutsu Fudoki (Redescubrimiento de Japón Topografía del arte). Tarō Okamoto es el artista invitado de esta edición de Agulha Revista de Cultura, y su presencia entre nosotros fue gracias a la generosidad del bailarín y traductor Daniel Aleixo. Le sugerimos visitar el Museo de Arte Tarō Okamoto: https://taro-okamoto.or.jp.

 


03 | We are entering the 25th year of existence of Agulha Revista de Cultura. The surprising volume of articles that reach our virtual editorial office remains as a declaration of inexhaustible trust. Claudio Willer, during the 10 years he was with us as assistant editor, used to say that whenever he traveled abroad his name was preceded by the information that he was part of the magazine’s board of directors. Floriano Martins has always mentioned how much his life is intertwined with that of the magazine, especially in the sense of the countless doors that continue to open for him. This year, 2025, however, leads us to a longer space between each issue, for a special reason: the two current editors, Floriano Martins and Elys Regina Zils, find themselves with an excess of tasks in parallel instances that force them to change the magazine’s frequency. This first semester we will have 3 issues and in the following semester only 2 issues. However, the magazine will add a new section to its agenda, “Documenta”, partly dedicated to a portion of our readers who were surprised that Agulha Revista de Cultura did not publish poetry. “Documenta” – entirely focused on the poetic tradition in Brazil – is spread across two other publications of immense value, the magazines Ruído Manifesto (Brazil) and Altazor (Chile). The first will publish a series of dossiers on our most prominent poets, while the second will bring together key texts (essays, interviews, memoirs, manifestos etc.) that will help Spanish-speaking readers better understand the behind-the-scenes of Brazilian poetry. | Tarō Okamoto (Japan, 1911-1996). Son of cartoonist Ippei Okamoto and writer Kanoko Okamoto. He studied at the Sorbonne in the 1930s and created many works of art after World War II. He was a prolific artist and writer until his death. Among the artists with whom Okamoto associated during his time in Paris were André Breton and Kurt Seligmann, the latter a Surrealist authority on magic who had met Okamoto’s parents during a trip to Japan in 1936. Okamoto also associated with Pablo Picasso, Man Ray, Robert Capa, and his partner, Gerda Tarō, who adopted Okamoto's first name as her own surname. In 1964, Tarō Okamoto published a book entitled Shinpi Nihon (Mysteries in Japan). His interest in Japanese mysteries was sparked by a visit to the Tokyo National Museum. After being intrigued by the Jōmon pottery he found there, he traveled throughout Japan to investigate what he perceived as the mystery that lay beneath Japanese culture, and subsequently published Nihon Sai hakken – Geijutsu Fudoki (Rediscovery of Japan – Topography of Art). Tarō Okamoto is the guest artist of this edition of Agulha Revista de Cultura, and his presence among us was made possible thanks to the generosity of dancer and translator Daniel Aleixo. We suggest visiting the Tarō Okamoto Art Museum: https://taro-okamoto.or.jp.

Os Editores 

 

 

∞ índice

 

ANNE NILSSON BRÜGGE | Eu sou a árvore de Apolo – poetas femininas do Século XX

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/anne-nilsson-brugge-eu-sou-arvore-de.html

 

CARLOS BEDOYA | Alejandra Pizarnik  y sus figuras del silencio

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/carlos-bedoya-alejandra-pizarnik-y-sus.html

 

FLORIANO MARTINS Antes de entrar no palco – Uma conversa com Amália Pereira

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/floriano-martins-antes-de-entrar-no.html

 

FLORIANO MARTINS La luz por detrás de la cortina y la poesía de Mario Meléndez

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/floriano-martins-la-luz-por-detras-de.html

 

FLORIANO MARTINS Les mots d’Alice Massénat

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/floriano-martins-les-mots-dalice.html

 

FRANCESCA RANDAZZO | Clementina Suárez – A nação que falta e a pátria encontrada

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/francesca-randazzo-clementina-suarez.html

 

FREDY YEZZED Agathi Dimitrouka, eres bella como una latinoamericana

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/fredy-yezzed-agathi-dimitrouka-eres.html v

 

MARK STATMAN Jayne Cortez and Lucille Clifton

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/mark-statman-hidden-beauty-willful.html

 

PAULO ANTONIO PARANAGUÁ | Monstruo de ojos verdes, de Paz Alicia Garciadiego e Arturo Ripstein

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/paulo-antonio-paranagua-monstruo-de.html

 

TARŌ OKAMOTO | Sobre a cerâmica jōmon: um diálogo com a quarta dimensão

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/taro-okamoto-sobre-ceramica-jomon-um.html

 

 

LIBRETO # 10 – As resenhas da Agulha

 

ALEJANDRO MÉNDEZ | Como la cierva sedienta, de Graciela Perosio

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/alejandro-mendez-como-la-cierva.html

 

JORGE PALMA | Gary Daher, Ezra Pound y el mejor herrero

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/jorge-palma-gary-daher-ezra-pound-y-el.html

 

LUIS PEREIRA SEVERO | Gabriel Di Leone – Poéticas de serranías y marítima

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/luis-pereira-severo-gabriel-di-leone.html

 

PEDRO ARTURO ESTRADA | Estética de la melancolía en Óscar González

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/pedro-arturo-estrada-estetica-de-la.html

 

XAVIER CARBONELL | “Respiro por la memoria”, las cartas de Gastón Baquero a Lydia Cabrera

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/xavier-carbonell-respiro-por-la-memoria.html

 

 

DOCUMENTA – A poesia brasileira (Agulha Revista de Cultura)

 

NARCISA AMÁLIA (1852-1924)

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/narcisa-amalia-1852-1924.html

 

LILA RIPOLL (1905-1967)

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/lila-ripoll-1905-1967.html

 

JOSÉ SANTIAGO NAUD (1930-2020)

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/jose-santiago-naud-1930-2020.html

 

MARCO LUCCHESI (1963)

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/marco-lucchesi-1963.html

 

LUIZA MUSSNICH (1991)

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/01/luiza-mussnich-1991.html 

 





Agulha Revista de Cultura

Número 259 | janeiro de 2025

Artista convidado: Tarō Okamoto  (Japão, 1911-1996)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/

http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 





 

LUIZA MUSSNICH (1991)

DOCUMENTA – A POESIA BRASILEIRA Agulha Revista de Cultura

 


Luiza Mussnich nasceu no Rio de Janeiro, em 1991. Poeta, autora dos livros: Lágrimas não caem no espaço (2018), Tudo coisa da nossa cabeça (2021) e Todo o resto é muito cedo (2024). Luiza flerta com os gêneros literários, transita entre linguagens híbridas, como o ensaio, a prosa poética e as artes visuais, e expande o diálogo entre gerações. Em sua poética é possível encontrar referências que expandem o território literário, em conversas com Duchamp, Alberto Giacometti, Maria Martins e Agnès Varda, entre outros. Alguns poemas do livro fornecem informações que se complementam, se reescrevem e se contradizem, tremem entre as fronteiras dos gêneros, sem que se possa saber se leu poesia ou um ensaio.

 

 

casa

 

mal dormi nas últimas noites

andei tendo pesadelos

minha mãe me diz ao telefone

sonhei que você tinha morrido

sonhei duas noites seguidas

que você tinha morrido

ela diz depois da minha insistência

 

é estranho estar na mesma cidade

no mesmo bairro que ela

mas tão longe

a saudade essa métrica

imprecisa para distâncias

 

minha mãe está do outro lado

da linha telefônica

quase outro continente

embora estejamos no mesmo lugar

casa

e eu me sinta cada vez mais estrangeira

em qualquer canto do mundo

 

 

ORQUESTRA

 

Toda noite me debruço sobre a janela que dá para uma cidade desabitada.

Penso que não cheguei a conhecer nada sobre os moradores dos prédios que margeiam minha rua.

A história não tem importância nenhuma, você diz

as coisas que mais amei na vida são imagens esparsas, perdidas.

A dor se expande no tempo, não no espaço.

Presto atenção no som das estrelas se movendo.

Parece que alteraram a trajetória do planeta.

Abril dura um ano inteiro. Talvez junho se transforme em dezembro. Fevereiro tem a distância de um sonho.

Enxergo Saturno pela aba do chapéu que não enfrenta mais o sol.

Desfaço o coque para recuperar o lápis amarelo.

É possível reger uma orquestra inteira

com um lápis amarelo.

Improviso passos ao som de uma sonata de Mozart

o trajeto da sala percorrido com a vassoura em gala.

Não posso mais me perder por essa cidade

então procuro esconderijos pelos corredores, atrás das portas, dos vestidos compridos

meus ouvidos se esquecem aos poucos dos sons produzidos por uma rua.

Talvez eu esteja ficando surda.

O barulho da máquina de lavar também pode ser uma música

assim como os alarmes que disparam

o cachorro pedindo alguma coisa a um fantasma.

Uma vela está acesa no sétimo andar do prédio da frente.

Os pavios queimam mais devagar do que eu gostaria.

Um enterro. Um réquiem.

Enquanto isso lá fora rostos se cobrem

buracos se abrem.

O céu azul é quase uma ofensa.

Minha avó não foi feliz

enquanto cruzava a Europa tremendo, temendo

e procurando uma bomba invisível

que também não consigo enxergar

daqui da janela

mas está caindo

em silêncio

em algum lugar tão longe

em algum lugar não longe daqui.


 

CARTOMANTE

 

tomar decisões

é a melhor forma

de prever o futuro



PLUMA

 

escrevo esse poema no centésimo sexto dia sem te ver

começo a esquecer sua voz

a memória precisaria de fotografias

para recriar sua imagem

você já prestou atenção

que lembrar é de certa forma aproximar

do esquecimento?

lembrar é tornar algo cada vez mais

distante do real

 

depois de vividas

as lembranças vão para o lóbulo pré-frontal

depois para o hipocampo

uma área mais profunda do cérebro

mais longe de todos aqueles agoras

 

volto aos acontecimentos

como regatasse um náufrago

como se eu pudesse te salvar

estico os braços

quase te encosto apesar da distância

o desejo nos faria levitar

se essas coisas existissem

 

você me acorda de madrugada

não porque dorme ao lado

não sei sequer se dorme

se pensa em mim ao menos

ao mesmo tempo em que penso em você

isso poderia ser o diálogo de um filme

assim poderíamos desinventar esse pensamento

que não ocupa espaço algum

esse pensamento pluma

com força para erguer um monumento

um móbile do Calder orbitando sobre nossas cabeças

 

 

ROSTO

 

se você fechar os olhos agora

talvez não se lembre da mulher

“bonita”

com quem cruzou na esquina

suas feições desapareceriam

no sono perdido da madrugada

por mais pesados que fossem os cabelos

por mais ritmado o balanço do corpo desafiando

a gravidade nos passos firmes

 

se você fechar os olhos agora

é mais provável que consiga lembrar

do motivo da risada, do arrepio, do toque, do entusiasmo das palavras, da conexão cerebral

esses atravessamentos

provocados por outra pessoa

a sensação é invisível e talvez por isso se fixe

para além

a imagem escapa como o cão amedrontado

a ideia não anotada

sobreposta por outra

o batom que extrapola os contornos da boca

quando se deveria prestar mais atenção

às palavras que profere

 

você não gostaria de colecionar álbuns

de sensações?

um arquivo de como determinadas pessoas te fizeram sentir

e voltar a elas de tempos em tempos

por mais que não possa

lembrar das listras na íris, da amplitude dos braços quando dançam, do abaulado na base do

pescoço por mais

que a memória não tenha rosto




TARŌ OKAMOTO (Japão, 1911-1996). Filho do cartunista Ippei Okamoto e da escritora Kanoko Okamoto. Estudou na Sorbonne nos anos 1930 e criou muitas obras de arte, após a II Guerra Mundial. Foi um artista e escritor prolífico até sua morte. Entre os artistas com os quais Okamoto se associou durante a sua estadia em Paris estiveram André Breton e Kurt Seligmann, este último uma autoridade surrealista em magia e que conheceu os pais de Okamoto durante uma viagem ao Japão, em 1936. Okamoto também se associou com Pablo Picasso, Man Ray, Robert Capa e sua parceira, Gerda Tarō, que adotou o primeiro nome de Okamoto como seu próprio sobrenome. Em 1964, Tarō Okamoto publicou um livro intitulado Shinpi Nihon (Mistérios no Japão). Seu interesse em mistérios japoneses foi provocado por uma visita feita ao Museu Nacional de Tóquio. Depois de ficar intrigado com a cerâmica Jōmon que encontrou lá, ele viajou por todo o Japão para investigar o que entendia como o mistério que se encontra sob a cultura japonesa e, em seguida, publicou Nihon Sai hakkenGeijutsu Fudoki (Redescoberta do JapãoTopografia de Arte). Tarō Okamoto é o artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura, e sua presença entre nós se deu graças à generosidade do bailarino e tradutor Daniel Aleixo. Sugerimos visitar o Museu de Arte Tarō Okamoto: https://taro-okamoto.or.jp.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 259 | janeiro de 2025

Artista convidado: Tarō Okamoto  (Japão, 1911-1996)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/

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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 





  

 

 

MARCO LUCCHESI (1963)

DOCUMENTA – A POESIA BRASILEIRA Agulha Revista de Cultura

 


Marco Lucchesi nasceu em 9 de dezembro de 1963, no Rio de Janeiro. Os versos da Divina Commedia e de Orlando Furioso fazem parte da memória de sua infância. De sua ampla produção bibliográfica, destacam-se as obras Adeus, Pirandello (2021, romance), O Dom do Crime (2010; 2022, romance), Domínios da Insônia: novos poemas reunidos (2019, poesia), Clio (2014, poesia); Os Olhos do Deserto (2000, memória), Saudades do Paraíso (1997, memória); Nove Cartas Para a Divina Comédia (2021, ensaio), Carteiro Imaterial (2016, ensaio), Ficções de um Gabinete Ocidental (2008, ensaio). Como tradutor, verteu para o português autores como Umberto Eco, Giambattista Vico, Georg Trakl, Hölderlin, Rûmî, Primo Levi, Ion Barbu, Angelus Silesius, Mohammed Iqbãl, Juan de la Cruz, dentre outros. Seus livros foram traduzidos para o árabe, romeno, italiano, inglês, francês, alemão, espanhol, persa, russo, turco, polonês, hindi, sueco, húngaro, urdu, bangla e latim. É professor titular de Literatura Comparada na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Formou-se em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Mestre e Doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ, com pós-doutoramento em Filosofia da Renascença pela Universidade de Colônia, na Alemanha. Em 2016, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Tibiscus, de Timisoara, e, em 2020, o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Aurel Vlaicu, de Arad. Presidiu a Academia Brasileira de Letras (ABL) de 2018 a 2021. Ex-presidente da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente. Atual presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), desde 2023.

 

 

SANTA CRUZ

 

Constança foi ao céu me visitar

                seu vestido era verde

como as pedras

                de Itacoatiara

trazia nos olhos

                um canarinho

um buquê de flores

                e os seios de minha mãe

soprou em meus pulmões

                como quem salva um

 

                afogado

 

nas terras ínvias do coração

 

inundadas

de pranto e algaravia

deitou ali todas as flores

                como se fosse o Éden

num céu terrivelmente

                azul

(havemos

                todos de ressuscitar

um dia sob esse mesmo

 

                azul )

o vento de meus pulmões

 

canta e silencia

recua e avança

 

não escondo minhas lágrimas

Jesus também chorou

no Jardim das Oliveiras

a vida é um arquipélago

                de amor atormentado

uma Roma

 

que se debate em delírios

enquanto espera

 

a chegada dos bárbaros

ou a vinda

 

fulminante do Messias

 

 

VESTÍGIOS DE MAR

 

Vestígios de mar

na cerração do hospital

vejo as costas de Benin e

                Moçambique

 

sou um navio

 

desapossado

 

preso a liames

 

e cordoalhas

 

içam

da garganta

a âncora

que baixaram de madrugada

 

a voz

do médico

                               ao longe

 

você sabe

                               onde está?

 

claro que sim

                estou

em mar português

 

e o Patriarca de Lisboa

manda lembranças

                ao Samorim

 

para Marcos Mendonça

 

 

AS PLÊIADES

 

São mais de mil

demônios

que povoam,

estrelas

solitárias!,

 

o vórtice

da noite…

 

Órion

volta

para as Plêiades

 

seu arco

luminoso

 

e a flecha

pontiaguda

 

torna

mais fria

nossa dor

 

e mais

espessa…

 

Súbita

flecha

 

fere

e arrebata

 

os mais de mil

demônios

que povoam,

 

no vórtice

do tempo,

 

a noite

fria

 

 

MODO INAUGURAL

 

Na luz deserta

do primeiro dia

 

está quebrada

a supersimetria

 

e assim despontam

múltiplos destinos

 

no mar onipresente

de neutrinos…

 

e vagam quase-seres

pelo mundo

 

lançados num abismo

alto e profundo

 

na luta intempestiva

onde se plasma

 

o modo inaugural

do protoplasma…

 

a sombra luminosa

de um quasar

 

e as formas múltiplas

de ser e estar

 

as quase borboletas

e sabores

 

de quarks, e de sombras,

e motores…

 

na antemanhã de rosas

o arrebol

 

e o quase amor que rege

o pôr-do-sol

 

resíduos de giocondas

beatrizes

 

sonhando com poetas

infelizes…

 

assim agia Deus

sive natura

 

na zona fria

da matéria escura

 

e o rígido

combate prosseguia

 

do ser e do não ser,

e ainda prossegue,

 

que o nada

se insinua noite e dia

 

 

[A NATUREZA, EM SEU AMOR ARDENTE]

 

A natureza, em seu amor ardente,

no círculo da própria negação,

em ouro, pedra e sal ambivalente,

trabalha na perene transição.

Dissolve e coagula eternamente

a vida, que renasce, em floração,

da morte, como a lua refulgente,

surgindo na profunda escuridão.

Na síntese do velho Magofonte,

a vívida matéria se desfaz

em águas claras, na secreta fonte:

até que inesperada se refaz,

envolta, como a Uroburos insonte,

num círculo sutil que não se esfaz. 




TARŌ OKAMOTO (Japão, 1911-1996). Filho do cartunista Ippei Okamoto e da escritora Kanoko Okamoto. Estudou na Sorbonne nos anos 1930 e criou muitas obras de arte, após a II Guerra Mundial. Foi um artista e escritor prolífico até sua morte. Entre os artistas com os quais Okamoto se associou durante a sua estadia em Paris estiveram André Breton e Kurt Seligmann, este último uma autoridade surrealista em magia e que conheceu os pais de Okamoto durante uma viagem ao Japão, em 1936. Okamoto também se associou com Pablo Picasso, Man Ray, Robert Capa e sua parceira, Gerda Tarō, que adotou o primeiro nome de Okamoto como seu próprio sobrenome. Em 1964, Tarō Okamoto publicou um livro intitulado Shinpi Nihon (Mistérios no Japão). Seu interesse em mistérios japoneses foi provocado por uma visita feita ao Museu Nacional de Tóquio. Depois de ficar intrigado com a cerâmica Jōmon que encontrou lá, ele viajou por todo o Japão para investigar o que entendia como o mistério que se encontra sob a cultura japonesa e, em seguida, publicou Nihon Sai hakkenGeijutsu Fudoki (Redescoberta do JapãoTopografia de Arte). Tarō Okamoto é o artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura, e sua presença entre nós se deu graças à generosidade do bailarino e tradutor Daniel Aleixo. Sugerimos visitar o Museu de Arte Tarō Okamoto: https://taro-okamoto.or.jp.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 259 | janeiro de 2025

Artista convidado: Tarō Okamoto  (Japão, 1911-1996)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/

http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com