● DEZ POETAS
BRASILEIROS EM CEM POEMAS [2]
Na edição ARC # 113, maio de 2018, publicamos dez poetas brasileiros,
na ocasião considerando aqueles que ainda estão entre os vivos. Avançamos em nosso
dever cósmico de recuperar as evidências estéticas de nossa tradição lírica, reunindo
dez outros poetas, agora buscados entre os mortos, indevidamente esquecidos, alguns
dos quais já considerados desconhecidos. Agulha Revista de Cultura publicará,
em próximas edições, uma série de trinta jovens poetas brasileiros, cujas pontes
com esses aqui apresentados é um imperativo natural que vem sistemática e criminosamente
desconsiderado entre nós. A cultura no Brasil tem por péssimo hábito limitar-se
à produção artística, e esta, por sua vez, sucumbe atrofiada nas mãos do entretenimento,
ou seja, deformada pelas leis de mercado. Jamais sistematizamos um reconhecimento
e defesa de nosso patrimônio cultural e em tal gesto autofágico se irmanam produtores
e artistas, Estado e público. Imenso desafio para aqueles que ainda acreditam no
impossível.
Os três primeiros poetas de nossa mostra nasceram
ao final do século XIX. Yde Schloenbach
Blumenschein (1882-1963) e Gilka Machado (1893-1980) se destacaram pela tensão erótica
de sua poética. A primeira, também conhecida como Colombina, com que assinava suas
colaborações para importantes periódicos da época – Fon-Fon, Jornal das Moças
e Careta –, em 1906 funda a própria revista,
O Sorriso, posteriormente tendo sido diretora,
em 1948, de O Fanal, vinculado à Casa
do Poeta Lampião de Gás, em São Paulo, por ela criada. Com 15 livros publicados,
cabe menção a Vislumbres (1980), Distância: poemas de amor e de renúncia (1947)
e Manto de Arlequim (1956). Por sua vez,
Gilka Machado cultuou um simbolismo com intensa voltagem erótica, que, no dizer
de Maria Lúcia Dal Farra, se manifesta na
tênue linha entre o espiritual e o sensual, onde mesmo o panteísmo e os elementos
telúricos (como em uma de suas tópicas, a da comunhão cósmica) ficam erotizados.
Quer fosse chamada, por seus críticos, de mulher
proibida ou de matrona imoral, sua
poesia provocou inúmeros escândalos. Entre seus livros, destaquemos: Cristais partidos (1915), Mulher nua (1922) e Meu glorioso pecado (1928). O terceiro poeta é Vicente do Rego Monteiro
(1899-1970), artista múltiplo, que mesclou, em sua voracidade criativa, a poesia,
a pintura, a escultura e as artes gráficas. Identificado como modernista, em 1930
trouxe da Europa uma precursora mostra internacional de arte moderna, incluindo
artistas ligados ao Cubismo e ao Surrealismo, dentre eles George Braque, Pablo Picasso
e Joan Miró. Assim como em sua pintura, também na poesia de Rego Monteiro é possível
observar um acento sinuoso e sensual. Tipógrafo e editor, em 1946 funda a editora
La Presse à Bras, onde publicou poetas tanto brasileiros quanto franceses.
Na sequência de
nossa edição, selecionamos poemas de duas mulheres fascinantes e renovadoras, Adalgisa
Nery (1905-1980) e Mariajosé de Carvalho (1919-1995). Ambas com atividades múltiplas,
envolvendo a literatura, a política, o jornalismo e o teatro. A primeira delas foi
poeta, romancista e jornalista. Seu livro de estreia, Poemas (1937), foi publicado por uma das mais prestigiadas casas editoriais
brasileiras, Editora Irmãos Pongetti. A sugestão editorial foi de seu amigo Murilo Mendes.
Adalgisa teve uma vida agitada, levando-a a publicar em destacados periódicos no
Brasil, Chile, Peru e Uruguai. Residiu no Canadá, nos Estados Unidos e México. Ao
regressar ao Brasil, trazendo na bagagem a publicação francesa de uma antologia
poética, Au-delà de toi (1953), passou
a dedicar-se ao jornalismo e à política. Quase paralelamente a ela, outra imensa
poeta, Mariajosé de Carvalho, avança em uma atividade igualmente múltipla, como
atriz, diretora de cena, poeta, cantora, música e professora de dicção. Ao lado
do intérprete e maestro Diogo Pacheco, criou o grupo Ars Nova, movimento da vanguarda
musical brasileira, nos anos 1950, com uma agenda de mais de 50 concertos em todo
o país. Seu rigor experimental lhe levou a grandes ousadias na criação e na renovação
cultural. Neste último tópico, cabe lembrar a recuperação do Teatro São Pedro, em
São Paulo, e a fundação da Editora Papyrus. Sua poesia inclui títulos como Poemas da noite amarga (950), Lunalunarium (1976) e Os celebrantes (1988). Poeta culta, tradutora
de seis idiomas, em carta a Pedro Nava, dizia de si mesma ser uma monja laica com veleidades de vedete emplumada.
Em 1927 nascem dois
outros expressivos poetas brasileiros, H. Dobal (1927-2008) e Francisco Carvalho
(1927-2013). O primeiro deles integra o grupo Meridiano, movimento destacado nas
letras locais, no Piuaí. Dobal dirige a revista homônima do grupo. Seu nome tornou-se
conhecido nacionalmente graças a Manuel Bandeira, ao inclui-lo em sua Antologia dos poetas bissextos contemporâneos
(1964). Na apresentação, Bandeira o situa como poeta que fixou a sua província com expressão tão exata, a um
tempo tão fresca e tão seca, despojada de quaisquer sentimentalidades, mas rica
do sentimento profundo, visceral da terra. Alguns de seus livros: A viagem imperfeita (1973), A cidade substituída (1978) e Um homem particular (1987). Também nordestino,
o cearense Francisco Carvalho deixou uma poética renovadora, sobretudo em seus primeiros
títulos, cabendo incluir livros como Dimensão
das coisas (1967), Memorial de Orfeu
(1969) e Os mortos azuis (1971) entre
os mais expressivos na tradição lírica brasileira. Deste último selecionamos os
poemas aqui publicados. Uma anedota de minha relação com o poeta: nos anos 1990
traduzimos o livro Altazor, de Viccente
Huidobro, acertados de que jamais publicaríamos a tradução, realizada com o fito
de conhecer mais intimamente a poesia do chileno e ampliar nosso conhecimento do
espanhol.
Nas três décadas
seguintes se impuseram à nossa escolha os nomes de Lupe Cotrim Garaude (1933-1970),
Sérgio Campos (1941-1994) e Donizete Galvão (19555-2014), vozes distintas entre
si, configurando um cenário estético bastante abrangente de nossa lírica. A primeira,
talvez pela força de sua atuação acadêmica no ambiente político de final dos anos
1960 – segundo Ismael Xavier, Lupe foi uma
liderança decisiva naquela conjuntura, e seu curso representou a experiência mais
densa, do ponto de vista intelectual e político, daquele ano, referindo-se ao
maio de 1968 –, teve um pouco abafada sua poesia, cujo destaque encontramos em livros
tais como Monólogos do afeto (1956), Inventos (1968) e Poemas ao outro (1970). Sérgio Campos, por sua vez, teve uma aparição
quase relâmpago no cenário poético, com livros de rara circulação, pelo selo Mundo
Manual Edições, criado pelo próprio poeta. Acerca de sua poesia, diria Campos em
entrevista que lhe fez Leontino Filho, que ela reflete tanto sua paixão, como a
reflexão e o esmero criativo, acrescentando:
Essa lucidez (tenho-a como tal) repõe meu universo em estado de equilíbrio numa
época de concordatas, quando não de grandes falências. A tarefa que me imponho,
de recuperação dos elos perdidos (na expressão
de Ivan Junqueira, sempre precisa) demanda uma escrita tersa, concisa, ascética,
expressa numa sintaxe de rigor. Autor de livros como O lobo e o pastor (1990), Móbiles
de sal (1991) e Leitura de cinzas
(1993), todos fora de catálogo, ao leitor interessado sugerimos a edição crítica
Mar anterior (ARC Edições, 2015), preparada
por Floriano Martins e Leontino Filho. Concluímos a nossa mostra com Donizete Galvão,
uma das mais sólidas e expressivas poéticas de sua geração. Crítico
incondicional do mundo contemporâneo, em entrevista que deu a Jardel Dias Cavalcanti,
aclara: O conflito da poesia com o mundo em
que vivemos é radical. Não poderia ser de outro modo. Não há conciliação possível.
O que a poesia pode fazer é renegar permanentemente o utilitarismo do mundo moderno.
Pode ser que a gente não mude o mundo, mas pelo menos há uma recusa em ser moldado. Sua poesia,
estilisticamente depurada, com uma expressão sofisticada, ao mesmo tempo culta
e cúmplice do outro, exige a publicação completa em um volume único, algo que
seus filhos poderiam realizar. Entre os livros individuais, considero As faces do rio (1991), A carne e o tempo (1997) e O homem inacabado (2010).
Fica a nossa
expectativa de que a menção a estes dez poetas, com uma pequena mostra de sua
poesia, possa despertar atenção e revelar o quanto é imperativo publicar,
divulgar, referir e abordar criticamente cada experiência, cada uma de suas
vozes singulares, que certamente enriqueceriam o cenário atual da poesia no
Brasil.
Os
Editores
*****
● ÍNDICE
YDE SCHLOENBACH
BLUMENSCHEIN, COLOMBINA
GILKA MACHADO
VICENTE DO REGO MONTEIRO
ADALGISA NERY
H. DOBAL
FRANCISCO CARVALHO
LUPE COTRIM GARAUDE
SÉRGIO CAMPOS
DONIZETE GALVÃO
*****
Edição preparada
por Floriano Martins. Página ilustrada com obras de Arthur Boyd (Austrália, 1920-1999), artista convidado
da presente edição.
*****
Agulha Revista de Cultura
Número 122 | Novembro de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
Nenhum comentário:
Postar um comentário