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SETE VISÕES SUBMERSAS – ENQUETE SOBRE SURREALISMO
Corta a água
O quanto queiras
Não encontrarás
Jamais
O esqueleto
O esqueleto do vento
É a vida toda.
Malcolm de Chazal
O conjunto das indagações que constituem a
enquete de que se ocupa a presente edição buscou sugerir uma leitura múltipla de
aspectos polêmicos, tais como estética, ortodoxia, as relações entre movimento e
civilização, a possível avaliação da qualidade das obras surrealistas etc. Até mesmo
para sondar novas balizas, novas linhas que venham a provocar as imagens ocultas
do horizonte em nosso tempo.
Como destaco em capítulo de meu livro Um novo continente – Poesia e Surrealismo na América (Fortaleza: ARC Edições, 2016),
a enquete sempre foi um instrumento eficaz
nas mãos do Surrealismo, pela própria dinâmica do desafio, o estímulo à polêmica,
à confraternização de ideias. A revista La
Révolution Surréaliste foi palco de algumas das mais relevantes. Vale recordar
a instigante “Enquete sobre a sexualidade”, onde o grupo praticamente inteiro se
manifesta aclarando assim sua estrutura moral, com toda a carga de aventura e liberdade,
sem deixar de transparecer alguns reveladores preconceitos. Nessa enquete, que tem
a particularidade de ser ao vivo, exemplo notável de declaração automática, encontramos
uma curiosa fala de André Breton. Ao ser indagado se lhe resultaria agradável ou
desagradável “fazer amor com uma mulher que não falasse francês”, o poeta responde
que seria insuportável, uma vez que sente “horror pelas línguas estrangeiras”.
Tratamos então de enumerar sete tópicos que
permitam revitalizar as forças constitutivas desta que foi a mais relevante revolução
cultural do Século XX.
A existência de inúmeros grupos redimensiona
o entendimento de uma formação grupal oficial, de modo que o Surrealismo está orientado
melhor pela denominação de um movimento múltiplo que se ramifica pelos cinco continentes,
ampliando e atualizando sua abrangência inaugural. Um rio naturalmente acidentado
e com inúmeros afluentes.
Não esquecer que um dos pontos básicos de
uma estética surrealistas radica justamente na defesa incondicional de uma linguagem
pessoal, de modo que a formação grupal não condiciona seus integrantes à dominação
de um estilo comum. Este aspecto inclusive tornou possível a existência de inúmeros
surrealistas que jamais fizeram parte de um grupo, sem que se perdesse, aparente
contradição, o espectro de movimento coletivo.
A opção por afastar do Surrealismo todo âmbito
estético conduz a uma soma de perigos em que tudo é aceito como um tecido amplo
do desejo e uma escadaria sem fim, para cima ou para baixo, de veleidades da imaginação.
Quando distinguimos criação e diluição a baliza correta se chama estética, não como
uma afirmação reducionista do belo ou o estabelecimento de um padrão – a arte rejeita
o padrão, bem o sabemos –, mas antes como a identificação de uma singularidade.
Segundo o poeta e ensaísta Armando Romero,
o ideal estético do surrealismo não se centra
exclusivamente na obra artística, ele se estende à vida cotidiana, a nosso fazer
de todos os dias. Não é ir ao despropósito, mas sim à integração das forças vitais
que vivem dessa tríade do maravilhoso, para que este seja agora o lugar comum e
não um disparate.
Por sua vez, observa a artista plástica e
ensaísta Susana Wald: Entendo que o surrealismo
busca uma estética aberta, concentrada na ideia do maravilhoso, do que através da
criação visual ou por outro meio produz uma sensação de frisson, uma vibração interior na pessoa. Ideia
complementada pela opinião da poeta e ensaísta Maria Lúcia Dal Farra: O ideal estético do Surrealismo é, creio firmemente,
um humanismo: ele nos incita a reatarmos, à nossa existência, as nossas forças vitais,
tornando o universo habitável – muito diverso daquele que hoje é o nosso. Isto
nos recorda a afirmação do poeta Enrique Molina, de que o Surrealismo é um humanismo poético.
Outro tema polêmico, o dos vícios acríticos
de uma confraria, em que teria incorrido o Surrealismo, é abordado pelo poeta e
ensaísta Carlos Fernández, que o amplia destacando a condição misógina do Surrealismo
em seu primeiro momento. Diz ele: Os círculos
surrealistas foram claramente classistas e não apenas isto, eles tiveram um comportamento
claramente machista. As poucas mulheres que frequentavam os dadaístas do café Voltaire
em Zurique não tinham um papel relevante no movimento emergente. Pelo contrário,
na maioria dos casos eram meras acompanhantes de suas sisudas parelhas. Em face
dessa incoerência misógina dedicamos um número especial da revista Triplov (Portugal) – “21 mulheres surrealistas”
(a sair) – bem como temos em preparo uma próxima edição da Agulha Revista de Cultura (“Algumas mulheres surrealistas”).
De algum modo o Surrealismo já se acostumou
com seus erros, em especial consideração a seus acertos, que o são em maior vulto.
Vez que outra, em um que outro lugar, voltam a friccionar os moinhos algumas águas
passadas. Exemplos mais recentes são os temas da homofobia e – já referido – da
misoginia. Sim, o Surrealismo, com ênfase dada a seu cenário inicial, na Europa
da primeira metade do século passado, os incluiu em seu catálogo de afrontas à mesma
liberdade que preconizava. Também entre seus equívocos se enquadra a filiação do
movimento a um partido político (mais do que simpatia por uma ideologia). A este
respeito observa Armando Romero ter sido uma lástima que Breton necessitasse esse apoio do político circunstancial, quando já
desde o princípio havia conseguido assentar as bases para uma revolução transformadora.
Também houve, em especial da parte de André Breton, a imposição caprichosa de uma
língua sobre as demais.
Um dos aspectos que julgamos pertinentes evocar
diz respeito à distinção de classificações como movimento surrealista e civilização
surrealista – este último evocado por Vincent Bounoure em livro homônimo de 1976.
O poeta e artista plástico Zuca Sardan, a este respeito, observa que a palavra Civilização está associada a uma separação
dos civilizados de um lado, e os selvagens, do outro, logo concluindo: Ora, o Surrealismo é essencialmente selvagem,
dadas suas raízes fincadas no inconsciente (não pode ser analisado cientificamente,
mas, sim, vivido diretamente), e nos mitos, na magia, arte primitiva e totemismo.
Naturalmente inesgotáveis, os temas aqui sugeridos
foram frutos de uma relevante e múltipla reflexão, e aos 35 convidados de diversos
países, soma-se a presença plástica da canadense Marcelle Ferron (1924-2001), como
artista convidada da presente edição. Marcelle foi uma das signatárias do manifesto
Refus Global e integrante do grupo Automatistes, nos anos 1940, movimento de
destaque no Surrealismo e nas artes no Canadá.
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Os Editores
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ÍNDICE
Allan Graubard | David Nadeau | Gregg Simpson | Stuart Inman
Alfonso Peña | Luis Fernando Cuartas | Ricardo
Echavarri | Verónica Cabanillas
Nelson de Paula | Nicolau Saião | Zuca Sardan
Armando Romero | Carlos Barbarito | Graciela
Maturo
Bob Danco | Franklin Fernández | Susana Wald
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2019/07/bob-danco-franklin-fernandez-susana-wald.html
Jan Dočekal | Lubomír Kerndl | Merl Fluin
& Paul Cowdell | Paul MCrandle
Gérard Calandre | Joaquim Simões | Maria Estela
Guedes | Maria Lúcia Dal Farra
Jason Abdelhadi | Mattias Forshage | Michel
Remy
Amirah Gazel | Carlos Fernández | Fabio Rincones
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Gaetano Andreoni | Miguel Lohlé | Sergio Bonzón
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PARTICIPAM
DESTA EDIÇÃO
ALFONSO
PEÑA. Narrador, poeta, editor
e artista visual. Dirige a revista Matérika.
Ao lado de Amirah Gazel foram idealizadores e curadores da exposição internacional
surrealista Las llaves del deseo (Costa
Rica, 2016).
ALLAN GRAUBARD. Poeta
e dramaturgo.
AMIRAH GAZEL. Artista plástica e ativista cultural.
Ao lado de Alfonso Peña foram
idealizadores e curadores da exposição internacional surrealista Las llaves del deseo (Costa Rica, 2016).
ARMANDO ROMERO.
Poeta, narrador e crítico literário, integrou grupo inicial do Nadaísmo, movimento
vanguardista literário da década de ‘60 na Colômbia.
CARLOS BARBARITO. Poeta e
crítico de arte, com uma extensa blibliografia poética, tem se destacado também
como intenso divulgador do Surrealismo.
CARLOS FERNÁNDEZ. Artista visual e jornalista. Um dos fundadores
do grupo surrealista Arin Dodo (Espanha).
DAVID NADEAU. Poeta,
artista e historiador de arte, é também diretor do selo La vertèbre et le rossignol, além
de sua revista homônima, e participa regularmente das atividades do Movimento Surrealista
e do Instituto de Pesquisa Alienígena.
DENIS MAGERMAN (BOB DANCO) (1962). Fotógrafo,
cineasta, aquarelista, pintor e collagista.
Membro do grupo Agorart (Bélgica).
FABIO RINCONES. Artista plástico.
FRANKLIN FERNÁNDEZ.
Escritor e artista plástico,
com uma obra singular de poemas objetos e a realização de libros de aforismos e
entrevistas.
GAETANO ANDREONI. Fotógrafo e designer.
GÉRARD CALANDRE. Poeta.
GRACIELA
MATURO. Ensaísta, estudiosa do Surrealismo na Argentina.
GREGG SIMPSON. Tem atuado em artes visuais, música,
vídeo e performances multimídia desde meados dos anos 1960. Foi nome de destaque
nos primeiros desenvolvimentos da “era de ouro” de multimídia de Vancouver nos anos
1960, como a Sound Gallery e a Intermedia.
JAN DOČEKAL. Historiador de arte e artista plástico
com inúmeras exposições, destaca-se ainda a intensa difusão do Surrealismo que tem
feito através da imprensa.
JASON
ABDELHADI. Artista plástico
e historiador. Integra o Grupo Surrealista de Ottawa. Colaborador da revista Chimaera. Editor do jornal Peculiar Mormyrid. Ambas publicações canadenses.
JOAQUIM SIMÕES. Poeta
e músico.
LUBOMÍR KERNDL. Escultor,
fotógrafo e artista gráfico. Um dos integrantes do grupo surrealista Stir Up (República Checa).
LUIS FERNANDO CUARTAS. Poeta e editor.
Um dos diretores da revista Punto Seguido
(Colômbia)
MARIA
ESTELA GUEDES. Poeta, dramaturga, ensaísta e editora,
criadora e diretora da revista Triplov (Portugal).
MARIA LÚCIA DAL FARRA. Poeta e ensaísta.
MATTIAS FORSHAGE. Poeta.
MERL FLUIN. Poeta e ocultista, um dos fundadores do grupo SLAG
(Surrealist London Action Group), que atuou de 2006 a 2016.
MICHEL REMY. Poeta e ensaísta. Fundador do Marges Group em
1978 e sua revista: Flagrant Délit.
MIGUEL
LOHLÉ. Poeta, pintor, escultor.
Um dos fundadores do grupo surrealista Agorart (Bélgica).
NELSON DE PAULA. Poeta
e artista plástico.
NICOLAU SAIÃO. Poeta, ensaísta e artista
plástico.
OSCAR JAIRO GONZÁLEZ HERNÁNDEZ. Poeta e ensaísta.
Tem dirigido revistas e programas
de rádio, sempre com destaque para a atuação do Surrealismo internacional.
PAUL COWDELL. Escritor e historiador, integrante
do grupo SLAG.
PAUL MCRANDLE. Poeta. Um dos fundadores do selo
editorial Phasm Press.
RICARDO ECHÁVARRI. Poeta e ensaísta. Colaborador na difusão do Surrealismo
junto à editora Pleno Margen, é também diretor do Centro de Estudios Surrealistas
no México.
SERGIO BONZÓN. Artista plástico. Coordenador do grupo Itinerancia (Argentina).
STUART INMAN. Escritor, poeta, pintor
e fotógrafo. Participante de atividades surrealistas desde 1988. Membro fundador
do London Surrealist Group, em 2003. Autor do primeiro estudo completo em inglês
do surrealismo nas terras tchecas.
SUSANA WALD. Artista
plástica e ensaísta.
VERÓNICA CABANILLAS. Poeta e artista
plástica.
ZUCA SARDAN. Poeta, dramaturgo e artista
plástico. Integra o Quarteto Kolax.
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EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO
DO SURREALISMO 1919-2019
Artista
convidada: Marcelle Ferron (Canadá, 1924- 2001)
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 139 | Agosto de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
Dear friend Floriano,
ResponderExcluirI send you heartfelt thanks. I am very pleased
that I came among so many important names. Also my friend Lubomír Kerndl, whom I often see, is certainly equally pleased. I admire, dear friend, the scope and quality of your editorial and authorial work. In our conditions I do not know anyone who is able and willing to do so much work for art lovers.
I will also try to write and send You a few sentences for the 20th anniversary of Agulha Revista de Cultura.
With a surreal hug,
from now hot Central Europe,
Jan Docekal
Que bom ver a Agulha no horizonte...
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