sábado, 1 de junho de 2019

Agulha Revista de Cultura # 135 | Junho de 2019


• ANDRÉ BRETON, 1

Ao dizer que a criação deve brotar alheia a toda preocupação estética ou moral, André Breton (1896-1966) deixou ao sol a má interpretação que seus acólitos acabaram por ver no Surrealismo uma ausência de moral e estética. Os fundamentos do Surrealismo dizem respeito ao imperativo de uma liberdade total na criação, o que inclui a não filiação alguma a quaisquer ordens. No entanto havia uma ordem por trás dessa cortina, cuja raiz era a própria razão de ser do movimento. Daí que o desafio maior de Breton tenha sido o de encontrar um equilíbrio entre essa aparente dicotomia.
Em minhas conversas com a brasileira Leila Ferraz (1944), que esteve em Paris ao final dos anos 1960, convivendo com alguns integrantes do grupo surrealista, embora sem ter conhecido pessoalmente Breton, ela me disse que não se pode esquecer que Breton continha um conhecimento extraordinário. Introduziu no pensamento moderno, na arte e na poesia não apenas o seu genial trabalho, mas uma condição capaz de abrir para o universo artístico e pensante do início do século passado em diante uma ampla gama de mentes afins. Recolheu as preciosidades de todos os tempos e de centenas de culturas trançando uma forma e uma lógica, um mais além do real. E felizes os que perceberam a trajetória vinda à luz através de suas mãos. Se ele tinha um gênio forte e dominador? Não poderia sê-lo de outra forma. Caso contrário, a arte jamais teria tido a presença e o espaço que ganhou. Breton tinha um faro absoluto para as sutilezas humanas.
A rigor, foi uma figura admiravelmente controversa. Audacioso em todos os seus momentos, de aceitação ou rejeição, André Breton foi exímio experimentador, sendo vultosos seus exercícios em áreas como a colagem, o desenho, a fotografia, os objetos encontrados, a escrita automática etc. Sua conhecida resistência ao romance tem um argumento relevante: há certo estado do verdadeiro em que este é levado a tomar um valor inapreciável, único, e para tanto exige a total depuração do supérfluo. Essa depuração o levou a criar uma prosa poética que renovou o ambiente narrativo, de que são exemplos livros como Nadja (1928), Les vases communicants (1932) e O amor louco (1937). Breton pôs em estado de moto-perpétuo a mais expressiva e contundente revolução alcançada pela criação artística no século XX, incessante mesmo diante de sua morte.
Ao lado Breton, como artista convidada, temos Dorothea Tanning (Estados Unidos, 1910-2012), pintora, escultora, gravadora, autora e poeta, cuja obra sempre foi um perene diálogo com o surrealismo. Ela se tornou um membro do grupo em Nova York na década de 1940, e foi casada com o surrealista Max Ernst por 30 anos. Tendo vivido 101 anos, o reconhecimento de sua obra só o encontrou após a morte e os próprios surrealistas ficaram lhe devendo a percepção confessa de sua grandeza. Como bem recorda Daisy Woodward, Dorothea Tanning recusou ser confinada pelos rótulos. “Mulheres artistas. Não existe tal coisa – ou pessoa”, ela declarou abertamente. Da mesma forma, sendo mais frequentemente categorizada sob o título de “surrealista”, graças às imagens oníricas, paisagens fantásticas e acontecimentos inexplicáveis que pontuam sua obra, mais tarde ela diria: “Eu ainda acredito no esforço surrealista de sondar nosso subconsciente mais profundo. Para descobrir sobre nós mesmos. Mas, por favor, não digam que estou carregando o banner surrealista.”
Desde já anunciamos, para a edição seguinte, um conjunto de 100 poemas de André Breton, selecionado de 10 livros seus, em tradução de Davi Araújo, primeira mostra tão ampla de sua poesia em língua portuguesa.

Os Editores

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• ÍNDICE

ANDRÉ BRETON | El amor loco

ANDRÉS MORA | André Breton: las defecciones surrealistas

BEGOÑA CAPLLONCH BUJOSA | La noción de realidad como fundamento de la imagen poética analógica: un análisis comparativo entre las poéticas de Ponge, Reverdy y Breton

CLAUDIO WILLER O Surrealismo – uma introdução

EMILIO BARÓN | André Breton y Vicente Huidobro: Las poéticas surrealista y creacionista

JAIME MORENO VILLARREAL | André Breton: el lugar y la fórmula

JAVIER CUEVAS DEL BARRIO | El posicionamiento de Sigmund Freud ante el Surrealismo  a través de su correspondencia con André Breton

MARÍA DOLORES ADSUAR FERNÁNDEZ | Nadja encendía las lámparas

MARIAN PANCHÓN HIDALGO | André Breton bajo la dictadura franquista: censura institucional y traducción de Entretiens

NOELIA DENISE DUNAN, JOSÉ TAUREL XIFRA | Bajo materialismo y surrealismo El debate Bataille-Breton





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EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidada: Dorothea Tanning (Estados Unidos, 1910-2012)


Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 135 | Junho de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019



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