● ALGUMAS
MULHERES SURREALISTAS
No entendimento filosófico
do Surrealismo, de acordo com o primeiro manifesto, André Breton defende que o mesmo baseia-se na crença na realidade superior de
certas formas de associação até aqui negligenciadas, na onipotência do sonho, no
jogo desinteressado do pensamento. Em seguida faz uma dupla referência, primeiramente
àqueles criadores que, segundo ele, fizeram
ato de surrealismo absoluto, que são os signatários do manifesto, vindo então
a tão conhecida lista de poetas que, ao dizer de Breton, poderiam passar por surrealistas. Dois aspectos sempre me chamaram a
atenção: com exceção do irlandês Jonathan Swift e do estadunidense Edgar Allan Poe,
todos os demais citados são autores de língua francesa; das duas listas não consta
o nome de uma só mulher.
Em dossiê que preparei para a revista Triplov
(Portugal), intitulado “21 mulheres surrealistas”, assinalei o que segue:
Ao escrever o primeiro manifesto
– por ele considerado um estudo consagrado ao surrealismo poético –, André Breton
não inclui senão homens entre seus amigos ali mencionados, e mais, suas referências
se limitam unicamente à lírica de língua francesa. Seis anos após, em 1930, surge
o segundo manifesto – palco em que Breton condena a todos que discordem de suas
ideias –, e ali vemos uma vez mais a ausência das mulheres. Por último, em 1942,
é a vez do terceiro manifesto, em que igual cenário se repete, com uma única exceção
e apenas de ordem nominal: Leonora Carrington. Evidente que os três manifestos merecem
uma leitura à parte, consagrada a seus inúmeros acertos e umas tantas falhas. O
presente estudo, no entanto, se limita a investigar a presença feminina no Surrealismo.
Em 1947, Meret Oppenheim sublinha
que após o estabelecimento do patriarcado
que institui a desvalorização de tudo aquilo que é de natureza feminina, os homens
projetam sobre as mulheres a feminidade que levam consigo porque a creem de essência
inferior à sua. O resultado é que as mulheres devem viver ao mesmo tempo sua própria
feminidade e suportar a que os homens projetam sobre elas. E logo conclui que
querer que a mulher se torne mulher multiplicada
por dois, é querer desnaturalizá-la. E é, sobretudo, lhe impedir de criar e incorporar
a si mesma o elemento espiritual masculino que forma parte de sua própria natureza.
Nora Mitrani, por sua vez, em 1957, que assinou praticamente todas as declarações
públicas surrealistas e seus folhetos coletivos, refere-se à mulher convertida em objeto, anuente até esse
extremo porque é seu prazer, açoitada, porque isto representa uma forma de agressão
com respeito aos homens que já não se reconhecem. E arremata: Que nesse estado a mulher não se esqueça de permanecer
completamente insubmissa; ciente do que ainda não lhe foi dado: a liberdade do espírito.
A condição de um surrealismo absoluto
obteve interpretações curiosas, escoradas em um sentido ortodoxo que não resistiu
ao tempo, criando certa confusão entre argumentos incondicionais e impossíveis.
Tanto de relatividade encontramos em surrealistas declarados que até hoje têm presença
temporária em formações grupais, quanto naqueles que sempre optaram por uma aventura
independente, aos quais devemos ainda incluir diversos outros cujos desdobramentos
estéticos de suas obras foram agregando novos horizontes na percepção do Surrealismo.
De fundamental contribuição fomos descobrindo criadores de incontáveis idiomas,
assim como foi sendo dissipada a névoa que ocultava a presença feminina.
Da referida edição portuguesa aparecem aqui uma vez mais os nomes de Alejandra
Pizarnik, Francesca Woodman Nahui Olin e Susana Wald.
A elas se juntam agora Edith Rimmington, Grete Stern, Karen Knorr, Lee Miller, Leonor
Fini, Marosa di Giorgio, Niki
de Saint Phalle, Remedios Varo e Valentine Penrose. Todas elas observadas pela ótica
reveladora de valiosas críticas – a que naturalmente agradecemos a colaboração –,
estudos que dão um entendimento mais amplo da aventura criativa, com especial atenção
para o ambiente do erotismo.
O leitor poderia evocar uma paródia do primeiro manifesto do Surrealismo,
dizendo que Nahui Olin é surrealista em seus disfarces ambivalentes; Niki de Saint
Phalle é surrealista no mundo projetado por sua nudez; Marosa di Giorgio é surrealista
na manifestação anômala de suas metamorfoses; Lee Miller é surrealista na ramificação
elétrica da beleza; Remedios Varo é surrealista nas texturas enrugadas do mistério;
Susana Wald é surrealista na arqueologia intuitiva de seu próprio ser; etc. Mas
não se trata disto. Importa
recuperar zonas que foram aviltadas no Surrealismo por seus excessos ortodoxos e a misoginia que imperava em seu ambiente de nascimento. Importa desfazer-se de equívocos que impediram no Surrealismo os efeitos de uma luz ainda mais intensa do que a obtida sob o manto de confusas arbitrariedades. Cabe recordar que o mesmo Breton, no manifesto Do Surrealismo em suas obras vivas (1953), destaca que o essencial, para o surrealismo, foi convencer-se de que havia tocada com as mãos a matéria prima (no sentido alquímico) da linguagem.
recuperar zonas que foram aviltadas no Surrealismo por seus excessos ortodoxos e a misoginia que imperava em seu ambiente de nascimento. Importa desfazer-se de equívocos que impediram no Surrealismo os efeitos de uma luz ainda mais intensa do que a obtida sob o manto de confusas arbitrariedades. Cabe recordar que o mesmo Breton, no manifesto Do Surrealismo em suas obras vivas (1953), destaca que o essencial, para o surrealismo, foi convencer-se de que havia tocada com as mãos a matéria prima (no sentido alquímico) da linguagem.
A perspectiva da linguagem, desnecessário dizer, inclui tanto a reflexão manifesta
em quaisquer idiomas, quanto a compreensão de que a criação não se limita a gêneros.
Neste mesmo e último manifesto, Breton recorda que no surrealismo a mulher terá sido amada e celebrada como a grande promessa,
a que subsiste após cumprir-se, deixando de dizer que a mulher em sua concepção
sempre foi evocada e idealizada como personagem e não como a figura real que, sabemos
hoje, tem sido sempre uma das alavancas inestimáveis na construção da linguagem
surrealista.
Ao lado dessas mulheres, é igualmente um imperativo contar com a presença
de Toyen (Marie
Čermínová) (República Checa, 1902-1980), imensa artista plástica, uma das fundadoras
do Grupo Surrealista na Checoslováquia em 1934. A ambiguidade erótica por ela buscada
talvez tenha despertado maior interesse de público e crítica do que a relevância
singular de sua criação. Agradecemos a Jan Dočekal por sua generosidade e cumplicidade
no envio da obra de Toyen.
Os
Editores
CODA | Em uma dessas conversas de esquina em seu
passeio matutino por entre galáxias desparafusadas, Zuca Sardan recordou a sombra
do renomado prof. Zofo Satako, da Uni Tatuapé, justamente quando concedeu
entrevista a Doc Fumex para o tabroide Braz
Ximbum. Disse lá o aclamado folgadão, em cinco linhas zombeteiras:
1)
Andreko Beretone é o Xefe do Krube do Porrinha:
Muyé nun entra.
2)
Só kem jassinô Manak do Fessô Bereton faz
parte bissoruta do Krube.
3)
Todo atreta do Krube tem ke zkevê francez.
Otras lingua nun presta.
4) Muyé reberde nun
entra. Muyé sensata fica em
casa.
5)
Única muyé kentra é só Dona Leonora Carrington,
porque o Max Ernst fica insistindo, num deixa o venerave Mestre Beretone sossegar.
Dizem
que faltou pouco para o Krube do Porrinha fechar.
ÍNDICE
ADRIANA MALVIDO | Nahui Olin: El deseo infinito de ser
AMELIA JONES | Doncella salvaje,
alma salvaje, un hierbajo salvaje, salvaje: las feminidades feroces de Niki de Saint
Phalle, 1960-1966
ANA LLURBA | El erotismo en la
narrativa de Marosa di Giorgio
ANA PUYOL LOSCERTALES | Lee Miller (1907-1977) –
el tránsito entre las dos caras del espejo
CARMEN V. VIDAURRE ARENAS | La
exploración de las fuentes de la luz: Remedios Varo
JOSÉ AMÍCOLA | La Condesa Sangrienta, de Alejandra Pizarnik
y Valentine Penrose
KATHY KUBICKI | The
Photographic Practice of Karen Knorr
MACARENA BRAVO COX | Susana Wald,
la mujer de sí misma
MARÍA LAURA ROSA | Una
mirada decisiva. Tensiones entre libertad y emancipación femenina en la serie Idilio de Grete Stern
VICTORIA SCOTT | Fragmentos biográficos: Edith Rimmington,
Francesca Woodman & Leonor Fini
EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO
DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidada: Toyen (República
Checa, 1902-1980)
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 141 | Setembro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
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