• A COSMOVISÃO POÉTICA DE JORGE DE LIMA
Há pouco mais de uma década, Antonio Carlos Secchin publicou
no Jornal do Brasil (03/08/2005) um artigo
sobre o poeta Jorge de Lima (1893-1953), uma das máximas expressões poéticas da
língua portuguesa. Considerando a atualidade do artigo, aqui o reproduzimos a título
de editorial. Esta edição tem por artista convidada Juliana Hoffmann (Brasil, 1965),
cuja poética se encontra marcada pela reambientação de fragmentos, resíduos, impurezas.
O modo como lida com a vertigem natural do achado, da descoberta inusitada, tem
algo de objetos encontrados do Surrealismo. O enigma remontado da imagem plástica,
por sua vez, possui uma voltagem barroca e dionisíaca, provocando o nosso olhar
a mergulhar em uma espécie de mecânica de dobras da memória. [FM]
ANTONIO CARLOS SECCHIN
| A ainda pouco lida poesia de
Jorge de Lima
Quando duas pessoas
falam do escritor Jorge de Lima, é certo que estejam se referindo à mesma pessoa,
mas dificilmente estarão falando do mesmo poeta. Com efeito, o artista alagoano,
cujo centenário de nascimento passou quase despercebido em 1995, representa, na
literatura brasileira, a imagem do poeta em contínua mutação. Parnasiano medíocre
e bem-comportado nos XIV alexandrinos
(1914), regionalista na primeira onda do modernismo com Poemas (1927), Novos poemas
(1929) e Poemas escolhidos (1932), místico-universal
a partir de Tempo e eternidade (1935,
co-autoria de Murilo Mendes), cosmogônico e barroco em Invenção de Orfeu (1952), Jorge de Lima – falecido em novembro de 1953
– sobreviveu a todas as transformações a que submeteu a própria obra e permanece
hoje como um dos poucos poetas fundamentais da literatura brasileira do século 20.
Seu valor, no entanto,
esteve longe de constituir consenso. Quatro vezes bateu à porta da Academia Brasileira
de Letras e quatro vezes saiu de lá como simples mortal. Só no ano de 1937 tentou
duas vezes: na primeira, perdeu de Barbosa Lima Sobrinho. Na segunda, por acabrunhantes
18 x 5, o vencedor foi outro poeta de constantes metamorfoses, o paulista Cassiano
Ricardo. Àquela altura, Jorge de Lima há muito (desde 1930) deixara Alagoas, de
onde viera ungido pelo epíteto de “príncipe dos poetas”, e se estabelecera no Rio
com fama de bom médico e de bom escritor. Já contabilizava dez títulos publicados,
de poemas, ensaios e romances – dentre esses a tentativa surrealista de O anjo (1934) e a incursão engajada de Calunga (1935), texto que Otto Maria Carpeaux
definiu como “neonaturalista”' e que representou o namoro de Jorge de Lima com os
princípios estéticos e ideológicos do “romance de 30”, merecendo o livro, et por cause, intensos elogios de Jorge Amado.
Academia à parte,
não foram poucos os louvores ao vate alagoano, provindos de nomes da expressão de
um Mário de Andrade, de um Gilberto Freyre, de um Roger Bastide. Em 1939 veio a
lume A poesia de Jorge de Lima, do crítico português Manuel Anselmo, entusiasmada
leitura de Jorge com ênfase no arcabouço cristão que atravessava sua obra desde
Tempo e eternidade. A partir daí, sucedeu um fenômeno curioso: avolumou-se a fortuna
crítica do poeta, mas continuou rarefeita a circulação de sua poesia, confinada
em edições quase clandestinas (algo análogo ocorreria com o grande “amigo em Cristo”
Murilo Mendes).
Somente em 1949
foi publicada sua Obra poética (editora
Getúlio Costa), organizada por Otto Maria Carpeaux e englobando dez livros em alentadas
659 páginas. Outra compilação de tal porte surgiria apenas em 1958, através da Obra completa (editora Aguilar), anunciada
em dois volumes, dos quais apenas o primeiro, contendo a poesia e alguns ensaios,
foi efetivamente impresso. Contos, teatro e romance continuam à espera de quem os
reúna.
Aquilo que, para
alguns, poderia soar como oportunismo – as metamorfoses do poeta, de acordo com
o ar dos tempos – parece corresponder, em Jorge, a efetivas mutações de foro existencial,
a partir de contínuas reflexões acerca do papel da arte e do artista. Isso, evidentemente,
não isenta o poeta de certos equívocos, como bem assinalou Antônio Rangel Bandeira
no arguto Jorge de Lima – o roteiro de uma
contradição (São José, 1959). O ensaio, fugindo do tom laudatório, assinala
como determinadas ambiguidades surgem não pelo confronto das fases do poeta, mas
no interior de cada uma das etapas. Assim a representação do negro: intensíssima
no período regionalista, oscilaria, no entanto, entre polos de atração e repulsa,
entre o endosso da miscigenação e o registro de certas reservas mais ou menos veladas
a esse mesmo processo.
Num outro plano,
também poderíamos apontar a discrepância entre o hermetismo de seu testamento poético,
a Invenção de Orfeu, e o juízo condenatório
da incomunicabilidade artística proferido por Jorge meses antes de publicar o poema.
Mas, para além dessas incoerências (e será a coerência o melhor critério para avaliar
a poesia?), importa ressaltar a contribuição radical de Jorge de Lima para a formação
e a consolidação da linguagem poética de nossa modernidade. Minimizemos a fase parnasiana,
cuja luz só nos chega, esmaecida, através dos versos do famoso soneto O acendedor de lampiões; detenhamo-nos na
deliciosa exuberância rítmica de Essa negra
Fulô; apreciemos, na guinada do plano telúrico para o místico, a inventividade
lírica de peças como Distribuição da poesia
e Amada, vem, de Tempo e eternidade; admiremos o exemplar domínio e a revitalização da
forma fixa no Livro de sonetos (1949),
antes de nos abeirarmos desse turbilhão de altíssimos e baixíssimos que é Invenção de Orfeu – texto de mais de 11 mil
versos com enorme dispêndio verbal para, às vezes, alcançar culminâncias de expressão
poética, a exemplo de navios que, como disse em outro contexto o próprio Jorge de
Lima, gastam uma tonelada de carvão para recolher dois ramos de orquídeas.
Deve o leitor,
portanto, preparar-se para uma árdua travessia, caso se disponha a percorrer toda
Invenção de Orfeu, obra recém-reeditada
com excelente prefácio do escritor Cláudio Murilo. Mas, se de um lado, o poeta adverte
''Não procureis qualquer nexo naquilo/ que os poetas pronunciam acordados'', de
outro – o lado de quem embarca na aventura da poesia – sua voz ressoa em suave comunhão:
“'Irmão que vindes, se sois também poeta/ eu tenho para vós inda uma rosa”.
Os Editores
• ÍNDICE
ADRIENNE KÁTIA SAVAZONI MORELATO |
A Modernidade em Jorge de Lima
ALFREDO BOSI | Jorge de Lima poeta em movimento
CÉSAR LEAL | Universalidade de Jorge de Lima
CLAUDIO WILLER | Aproximações a Jorge
de Lima: o surrealismo
HOMERO SENNA | Entrevista com Jorge de Lima
MARCO LUCCHESI | O sistema Jorge de Lima
RODRIGO PETRONIO | Jorge de Lima: transfigurado
RUBENS FERNANDES JUNIOR | As fotomontagens de Jorge de
Lima
TEODORO RENNÓ
ASSUNÇÃO | Fotomontagem e colagem poética em Jorge de Lima
VAGNER CAMILO | Jorge de Lima no contexto da poesia negra americana
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Edição preparada
por Floriano Martins. Agradecimentos a todos os colaboradores, assim como a Juliana
Hoffmann, artista convidada desta edição.
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Agulha Revista de Cultura
Número 119 | Setembro de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
Muito honrada por estar participando desta edição. Obrigada Floriano pelo convite. Abraço juliana hoffmann
ResponderExcluirBela edição
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