domingo, 14 de julho de 2019

Agulha Revista de Cultura # 138 | Julho de 2019


• CAMPOS VICEJANTES DO SURREALISMO, 3

O Surrealismo resistiu ao tempo de muitos modos. Em um sutil movimento espiralado avançou em relevante leitura autocrítica, assim como desbravou mapas (temas, lugares, percepções) não previstos inicialmente e alguns até mesmo rejeitados, a exemplo da música. Algumas de suas crenças foram revistas e desacreditas. Uma delas diz respeito ao entendimento firmado por Breton e Éluard de que o pensamento não tem sexo, não se reproduz. Frase de efeito, datada de 1928, beliscando o pulso do nonsense. A este respeito, melhor diria René Magritte, em 1954: É o pensamento que dá um valor à vida. Os demais valores são presentes do pensamento. O que entrega é livre. O pensamento é essencialmente livre. É a luz.
A presente edição de Agulha Revista de Cultura reúne alguns estudos críticos dedicados a criadores que contribuíram imensamente para a revelação de um pensamento surrealista, graças a uma multiplicidade de reflexões que abrangem a criação poética e plástica, assim como filosofia, anarquismo, viagens, erotismo…
Duas entrevistas dão conta das relações entre surrealismo e anarquismo (Pietro Ferrua, por António Cándido Franco) e a reconquista do espírito da infância (Gisèle Prassinos, Por S. Druet). Recordadas a bom tempo são a presença do Surrealismo no Peru, um manifesto do português António Maria Lisboa e as reflexões do argentino Enrique Molina, além de uma honrosa homenagem prestada a Aimé Césaire e sua Ilha das Belas Flores, Martinica, bem como um estudo sobre as delicadas aproximações ao Surrealismo do mexicano Octavio Paz. Estes dois últimos assinados, respectivamente, por Ernest Pepin e Ludwig Schrader.
Três outros autores aqui estudados configuram nossa ideia de uma das mais importantes contribuições do Surrealismo ao pensamento em nossa época: o enriquecimento de valores voltados aos campos da filosofia, do teatro e da poética. Três imensos criadores: Georges Bataille, Antonin Artaud e Salvador Dalí, elucidados em primorosos estudos respectivamente firmados por Marrio Perniola, Mario Ortiz Roble e Guillermo Carnero.
O primeiro deles está dedicado ao estudo do erotismo em Bataille, refletindo sobre as origens do tema e suas múltiplas vertentes, observa que a essência do erotismo de Bataille está na ruptura da representação. O segundo aclara sobre a construção das formas no teatro de Artaud, anotando que elas se transformam de modo hipostático em chaves que se transformam em símbolos que se tornam palavras: uma proliferação de figuras verbais que se confundem com as coisas em uma série potencialmente infinita. Por último, a riqueza simbólica impressa ao tema da criação graças ao estabelecimento do método paranoico-crítico de Salvador Dalí. Erotismo, Representação, Ilusionismo, três máscaras essenciais para a abertura do pensamento, máxima contribuição – longe de serem as únicas – de um movimento que foi a maior aventura espiritual do século XX.
Uma edição especial da Agulha Revista de Cultura reúne dois deles: Artaud e Dalí, este último como artista convidado. Logo teremos duas próximas edições, dedicadas ao pensamento de Dalí e Bataille. A presente edição conta ainda com a enriquecedora contribuição artística de Leonor Fini (Argentina, 1907-1966), personagem intrigante na cena surrealista das primeiras décadas do movimento, pela altíssima voltagem erótica que imprimia à sua arte, e ao próprio comportamento liberal. Sua defesa incondicional da mulher a levou a uma vida de obstáculos, no que pese a voragem de resistência, o que acabou resultando no injusto esquecimento em que caiu a sua obra. Dados biográficos não assinados, publicados na página web Guia das Artes, destacam:

Um tema predominante da arte de Fini é a relação complexa entre os sexos, principalmente a interação entre a mulher dominante e o macho passivo e andrógino. Em muitas de suas obras mais poderosas, a fêmea assume a forma de uma esfinge, muitas vezes com a cara da artista. Fini também foi uma retratista bem sucedida.  […] O amor de Fini pelo design para o palco e a tela pode ter derivado de sua paixão por máscaras extravagantes, trajes elaborados e drama fantástico. Ela criou projetos, figurinos e posters premiados para a Ópera de Paris e a Associação Metropolitana de Ópera, Le Palais de cristal de George Balanchine (agora chamado Sinfonia em C), Les Demoiselles de la nuit de Anouilh, Romeu e Julieta de Renato Castellani, Wagner's Tannhäuser, Bérénice de Racine, The Maids e The Balcony de Jean Genet, o 8 1/2 de Federico Fellini e A Walk With Love de John Huston, o primeiro filme de Anjelica Huston.

• Os Editores


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• ÍNDICE

ANTÓNIO CÁNDIDO FRANCO | Pietro Ferrua: anarquismo e surrealismo

ENRIQUE MOLINA | Sobre Surrealismo

ERNEST PEPIN | Hommage à Aimé Césaire

GUILLERMO CARNERO | El juego lúgubre: la aportación de Salvador Dalí al pensamiento superrealista

LUDWIG SCHRADER | Octavio Paz y el surrealismo francés (Sobre Noche en claro)

MANUELA PARREIRA DA SILVA | O Aviso a tempo por causa do tempo de António Maria Lisboa

MARIO ORTIZ ROBLE | Artaud y México

MARIO PERNIOLA | El iconoclasma erótico de George Bataille

RICARDO SILVA-SANTISTEBAN | André Breton en el Perú

S. DRUET | Gisèle Prassinos: d’Alice II à la reconquête de l’esprit d’enfance






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EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidada: Leonor Fini (Argentina, 1907-1966)


Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 138 | Julho de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019




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