• SURREALISMO ATRAVÉS DE ENTREVISTAS
Indagado acerca da existência ou não de um surrealismo espanhol, Roland
Penrose (Inglaterra, 1900-1984) prefere referir as contribuições essenciais ao esplendor do Surrealismo,
independentes de qualquer limitação nacionalista. Ao mencionar o artista Antoni
Tàpies afirma que lhe outorgaria um lugar
especial [no Surrealismo], inclusive
apesar dele. A entrevista que lhe fez José Miguel Ullan – reproduzida na
presente edição –, realizada na oportunidade do lançamento de seu livro Picasso: su vida y su obra (1981), ainda
que brevemente, elucida que a relação de Picasso com o Surrealismo se deu mais
no ambiente das amizades do que propriamente na criação. Ali estão algumas centelhas
que bem poderiam ser esmiuçadas.
De qualquer
modo, dedicamos nossa edição a algumas inestimáveis entrevistas com
surrealistas justamente pensando no carisma dessas centelhas. As entrevistas
são tanto esclarecedoras quanto atiçam a nossa curiosidade, impelindo-nos à
descoberta de outras conexões ali apenas sugeridas. Alberto Giacometti falava
de certa mágica determinante dos encontros, que eles se davam no momento certo
de sua necessidade. As entrevistas permitem a realização dessa necessidade dos encontros.
No encontro
de Marie-Luise Scherer com Philippe Soupault há um vultoso ninho dessas
centelhas, em especial no que diz respeito às origens desse trio que logo
despertaria o destino do Surrealismo: Aragon, Breton, Soupault. Louis Aragon um
dia foi secretário de Henri Matisse; André Breton trabalhava como revisor
ortográfico de Marcel Prout; Philippe Soupault herdou uma pequena fortuna de
família. Ele foi apresentado a Breton por Apollinaire e, de imediato, a
afinidade entre eles encontra bases nas leituras de Lautréamont e Rimbaud, bem
como na descoberta da tese de doutorado do psiquiatra Pierre Janet, intitulada O automatismo psicológico.
A extensa
entrevista a Soupault resulta um balanço admirável e sincero dos primeiros anos
surrealistas, em torno da criação da revista Littérature, saltando aos olhos o incômodo que a alguns causava a
conduta impositiva de Breton. Soupault também recorda certo pedantismo de
Francis Picabia. Marie-Luise Scherer, em seu texto bastante revelador, anota:
Soupault tinha dificuldades de aceitar as
coincidências cultistas, os escândalos montados com precisão diária. Sente-se
deslocado a um papel no qual lhe é custoso reconhecer-se: poder tratar com
Breton significa ser um boneco que diz sim a tudo. Em 1922 André Breton assume
em solitário a direção de Littérature,
há uma briga entre Breton e Tzara, e isto significa o fim de Dadá.
Diversos
temas ganham seu papel de destaque em cada uma das entrevistas aqui reunidas.
No diálogo de Elena Poniatowska com Luis Buñuel, o poeta e cineasta menciona a
impossibilidade de convivência entre Surrealismo e Comunismo:
Os movimentos revolucionários no mundo enfrentaram
unicamente as realidades materiais, econômicas e políticas; a repartição das
riquezas entre grupos opostos. Nós, os surrealistas, quisemos uma revolução do
pensamento que condiciona a vida humana. Atacar o espírito e não a matéria!
Mudar as bases sociais! […] No
surrealismo só cabem duas palavras: liberdade e amor. Estes dois valores
humanos sempre virão à tona. […] Os
surrealistas compreenderam que não encaixavam com o comunismo. Nós nos
dirigíamos ao espírito, e uma de nossas armas principais era a poesia. Hegel
via na poesia “a verdadeira arte do espírito, a única arte universal…” […] Os surrealistas não podiam se dar bem com o
comunismo e este separou a todos os surrealistas do movimento proletário,
exceto quatro ou cinco, entre eles Aragon, Sadoul e Eluard…
Este
conjunto de entrevistas aqui publicado ilumina áreas pouco ventiladas, trazendo
à tona inquietudes, polêmicas, definições, o ouro mais intenso da aventura
surrealista desde 1919, incluindo referências à criação artística. Diálogos com
Hans Arp, Georges Bataille, Aimé Césaire e o próprio Breton acertam as contas
com as ideias preconcebidas acerca do movimento, em seus erros e acertos. E
jorram luz sobre abrangência e atualidade do mesmo os diálogos com Annie Le
Brun, Pedr Kràl e Jan Svankmajer.
Indagado
sobre o que o teria levado ao Surrealismo, Svankmajer responde: estrelas, morfologia mental, natureza
ateísta, rebelião e mentalidade mágica e irracional de um homem neolítico. Král
tece uma lúcida retrospectiva das polêmicas tão características do Surrealismo,
e observa: Eu não sou contra nenhuma
controvérsia. É natural que tomemos uma posição em relação ao que os outros
fazem e lamento que o juízo de valor seja agora proibido, em nome de um
consenso sorridente e tímido. A crítica é parte do pensamento e da troca entre
as pessoas, uma espécie é, por definição, um sinal de vida. E nós
inevitavelmente resolvemos assim que escolhemos beber vermelho ou branco; se
nos perguntamos, além disso, por que um ao invés do outro, também se avança no
conhecimento das coisas. Eu acho que não é saudável que a ideia de escolha seja
tão ruim hoje. Marie-Dominique
Lelièvre evoca a opinião de vários críticos sobre a sofisticação e delicadeza
de Annie Le Brum.
Os temas são vários, o que torna esta edição um atlas bastante
elucidativo dos sinais vitais do Surrealismo. Hans Arp, com seu humor sempre
impecável, recorda os dilemas de uma época: Os
novos tempos, com suas ciências e técnicas, estão dedicados à megalomania. A
confusão do nosso tempo é o resultado dessa superestimação da razão. Aimé
Césaire dá as pistas de sua afinidade com o movimento: Eu estava pronto para aceitar o surrealismo porque eu já havia avançado
por conta própria, usando como pontos de partida os mesmos autores que
influenciaram os poetas surrealistas. O pensamento deles e o meu tinham pontos
de referência comuns. O surrealismo me forneceu o que eu estava procurando
confusamente. Aceitei-o com alegria porque nele encontrei mais uma confirmação
do que uma revelação. Foi uma arma que explodiu a língua francesa. Isso abalou
absolutamente tudo. Isso era muito importante porque as formas tradicionais –
formas onerosas e sobrecarregadas – estavam me esmagando.
Completa
esse leque de relevantes diálogos uma homenagem a Winsor McCay (Estados Unidos,
1871-1934), cartunista e pioneiro na montagem de desenhos animados, que de
algum modo poderia ser considerado um precursor secreto do Surrealismo, em
especial pela trama de suas aventuras oníricas e imaginárias. Em 1905 McCay
começa a publicar uma série de tiras na imprensa, intitulada Little Nemo in Slumberland (O pequeno Ninguém na terra dos sonhos),
e em 1911 é lançado seu primeiro filme de animação. A maestria de suas perspectivas, os enredos
insólitos, a regência espirituosa do caos – eis aí alguns dos truques desse
criador fascinante e provocativo. Nesta edição reproduzimos 46 quadros da
série.
Nossos sinceros
agradecimentos a todos os colaboradores: Elena Poniatowska, Georges Henein, Jean-Luc Fournier, José
Miguel Ullan, Marie-Dominique Lelièvre, Marie-Luise Scherer, Pierre
Dumayet, Radim Kopáč, René Depestre e S. Druet, bem como a Jan
Dočekal, pelo envio da
entrevista com Jan Švankmajer.
Os Editores
• ÍNDICE
ELENA
PONIATOWSKA | Luis Buñuel, o olho do século
GEORGES HENEIN | Entrevista con André Breton
JEAN-LUC
FOURNIER | Entretien avec Jean Arp
JOSÉ MIGUEL ULLAN | Roland Penrose: “El surrealismo de Picasso fue más poético que
pictórico”
MARIE-DOMINIQUE LELIÈVRE | Annie Le Brun, grande dame, d’un bloc
MARIE-LUISE SCHERER | Philippe Soupault, el
último surrealista
PIERRE DUMAYET | Entrevista a
Georges Bataille: “la literatura debe cuestionar la angustia”
RADIM KOPÁČ | Yes, I am
also a misanthrope, says the artist Jan Švankmajer
RENÉ DEPESTRE | An interview with Aimé Césaire
S. DRUET | Petr Kràl,
dialogue au cœur du silence
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EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO
DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidado: Winsor
McCay (Estados Unidos, 1869-1934)
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 142 | Setembro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
This is amazing, a total revelation, you keep revealing pure gold dust from the pulse of the imagination.
ResponderExcluirWith friendship and hugs
John Welson
Mano, duas extraordinárias Agulhas mais: iluminando o mundo surreal das mulheres e, agora, este acervo de entrevistas!
ResponderExcluirMuito eu te felicito por este magnífico trabalho demopédico que tendes levado a efeito. Congratulations and celebrations!
Abraqson firmíssimo do teu hermano & confrade
Nicolau Saião
No conozco estos textos. Es un regalo este número! Gracias.
ResponderExcluirVa. mi abrazo y cariño,
Susana Wald