• EDITORIAL – AOS 21 ANOS, DOBREM AS APOSTAS
Nossa artista convidada é inestimável
Ithel Colquhoun (Índia, 1906-1988), surrealista genial, sobre quem, em meu
livro 120 noites de Eros – Mulheres
surrealistas, escrevi este retrato relâmpago:
A obra variada de Ithell
Colquhoun inclui pintura, colagem, narrativa, ensaio, diário e poesia. Em um de
seus livros, The mantic stain, ela
aborda algumas técnicas que desenvolveu, a exemplo da grafomania entópica, que
ela entendia como o tipo mais austero de
abstração geométrica, espécie de radicalização do automatismo por ela
levado ao extremo. Ithell inventou algumas técnicas surrealistas, sendo uma
delas a parsemage, em que se espalha
numa superfície de água o pó de carvão ou giz colorido, para que seja desnatado
e então se passa levemente um papel, preferencialmente cartão duro, sobre a
mesma superfície, revelando imagens fortuitas. The mantic stain é um dos raros livros teóricos sobre o Surrealismo
escrito por mulheres. Embora tenha participado do grupo surrealista britânico –
do qual acabou sendo expulsa por recusar afastar-se de outro grupo ao qual
pertencia, de estudos do ocultismo –, Ithell sempre se considerou uma artista
independente, tendo sido também uma das surrealistas que mais extensivamente
experimentou diversas técnicas. Seus conhecimentos de ocultismo e prática mágica,
cujo interesse havia sido despertado desde a adolescência a partir da leitura
de um livro de Aleister Crowley, deram à sua obra um caráter alquímico, onde os
processos automáticos, explorando sempre uma coincidência dos opostos, revelam
uma sexualidade oculta que une mulher e natureza.
Os
Editores
MARIA ESTELA GUEDES | Aos 21 anos da Agulha Revista de Cultura
21 anos perfaz a Agulha Revista de Cultura, sinal de maturidade. E também de
resistência, portanto de sucesso. Ora vejamos: o que o tempo nos tem ensinado é
que as revistas em papel, salvo exceções institucionais, em geral têm vida
curta. Fácil é entender: as institucionais são financiadas pela instituição,
donde a estabilidade, ao passo que as de curta vida, publicadas a expensas dos
interessados (ou pais deles), devem a instabilidade e curta vida justamente à
precariedade do financiamento. E, no entanto, a duração de vida pode ser
entendida de outro ponto de vista: revistas que se limitaram a 1, 2 ou 3
números, constituem às vezes referências históricas e culturais, porque
estabeleceram marcos para mudança, dando a conhecer novas ideias, novos estilos
e novos autores. As revistas institucionais apresentam limitações na ordem do
novo, apesar da sua longa vida. O exemplo da Orpheu é canónico, na
escassez dos seus dois números e, não obstante isso, ponto de partida para o
modernismo português, o que a tem feito durar mais de cem anos.
Com a Agulha Revista de
Cultura entramos no espaço
virtual, quase em absoluto ignoto há 21 anos, pelo menos na abertura
proporcionada pela nova tecnologia às publicações culturais. Há 21 anos, mal
começava ainda a Internet a ser balbuciada pela cultura – Floriano Martins, à
testa da Agulha, é um pioneiro, cujo segundo mérito, neste
âmbito, é o de ter puxado outros para perto de si e empurrado muitos para a
edição virtual. O seu exemplo despoletou interesses, especializados ou não.
Hoje, a Agulha Revista de Cultura
é um veículo de difusão
mundial de cultura que ninguém pode ignorar.
Neste ponto, cabe mencionar a ilusória especialização da Agulha enquanto veículo do Surrealismo, porque de um lado a visão que os
criadores sul-americanos têm do surrealismo equivale à nossa de modernidade; em
sequência, os limites para admissão de trabalhos na Agulha nunca foram
rígidos, se porventura existiram: a revista sempre se quis de cultura, o que
lança a rede a peixes que inclusivamente navegam em mares mais vastos que os da
Literatura ou das Artes Plásticas. De resto, falando dos seus projetos
editoriais, Floriano Martins revela o seu desejo de difundir a tradição lírica dos países da América Hispânica.
Cabe refletir um pouco mais sobre o assunto, mas agora precisamos de apressar o
passo.
Floriano é o homem da Agulha, e por isso da costura, da colagem de uns a
outros espaços. Ao longo da sua caminhada pela Internet ele soube coligar-se,
ora com meios idênticos de edição, ora com a tradicional papelaria. Uma das
primeiras coligações estabeleceu-as com Soares Feitosa, diretor e proprietário
do Jornal de Poesia, website que alojou a Agulha em seus primeiros anos. Outras parcerias foram estabelecidas com o Triplov, no qual foi co-fundador da Revista Triplov; com a revista Acrobata, a Agulha edificou o Atlas Lírico da América Hispânica,
obra que publica poetas de dezanove países. Paralelamente, o projeto Conexão Hispânica publica ensaios
sobre as obras, permitindo uma mais completa visão daquilo a que Floriano
Martins chama a tradição lírica dos países hispano-americanos. Destes projetos
têm resultado outros, em diferente suporte, caso da coletânea de entrevistas
publicada em papel, Escritura
Conquistada.
A publicação tradicional, como forma de a Agulha se fixar
mais no tempo, e dar a centenas de autores a satisfação de acariciar nas mãos
um livro, tem vindo a expandir-se. Muito importante foi a Coleção Ponte Velha,
na Editora Escrituras, sediada em São Paulo, onde se publicaram dezenas de
escritores portugueses, que assim viram transportada a sua audiência, não só
para o estrangeiro, mas, além do Atlântico, para um Novo Mundo. E talvez aqui
eu confunda a Agulha com Floriano Martins, mas na verdade é
difícil dissociar as duas identidades.
Mais recente experiência da edição em papel foi a aliança de duas
editoras, ARC e Cintra. ARC – Agulha Revista de Cultura. Uma bela coleção, O Amor pelas Palavras, deu luz a umas dezenas de
títulos e autores, como sempre oriundos de diversos quadrantes, incluído o
indígena, como se tornou marca da revista e do seu mentor, larga nas conexões
de arte, literatura e origem dos participantes.
Pessoalmente, tenho beneficiado muito do convívio com a Agulha e com o seu diretor, por isso é com toda a veemência que desejo a sua
sustentação durante mais vinte e um anos – pelo menos. E não cause estranheza
que exprima nesta linha final o meu apreço e a minha grande amizade, com um
abraço de parabéns à Agulha
Revista de Cultura na pessoa de
Floriano Martins.
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• ÍNDICE
AGATHI DIMITROUKA | Bolívar, eres bello como un griego [Parte final]
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/agathi-dimitrouka-bolivar-eres-bello_30.html
BERTA
LUCÍA ESTRADA | Los apuntes de Humboldt, de Daniel Montoya
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/berta-lucia-estrada-los-apuntes-de.html
FLORIANO MARTINS | Más allá
del Modernismo y la Antropofagia: los otros surrealismos del Brasil
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/floriano-martins-mas-alla-del.html
JEAN PUYADE | Benjamin Péret: um surrealista no Brasil (1929-1931)
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/jean-puyade-benjamin-peret-um.html
LUIS EDUARDO CORTEZ
RIERA | Sor Juana y Goethe: del Barroco
al Romanticismo
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/luis-eduardo-cortez-riera-sor-juana-y.html
MANUEL IRIS | Vela de armas, de Juan Calzadilla
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/manuel-iris-vela-de-armas-de-juan.html
MIGUEL PEREIRA | Entrevista: Glauber Rocha
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/miguel-pereira-entrevista-glauber-rocha.html
ROSA SAMPAIO TORRES | O Capítulo X da Divina Comédia
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/rosa-sampaio-torres-o-capitulo-x-da.html
TERRY GILLIAM | O sentido da vida em Fernando Freitas Fuão
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/terry-gilliam-entrevista-fernando.html
VÁRIOS AUTORES | A festa dos 21 anos da Agulha Revista de Cultura (depoimentos)
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/12/varios-autores-festa-dos-21-anos-da.html
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Agulha Revista de Cultura
UMA AGULHA NA MESA O MUNDO NO PRATO
Número 199 | dezembro de 2021
Artista convidada: Ithell Colquhoun (Índia, 1906-1988)
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2021
Visitem também:
Atlas Lírico da América Hispânica
A Agulha é um caso extremo de altíssimo talento beirando o génio de uma incursão pelo que de melhor e mais significativo se faz num mundo de sensibilidade, conhecimento e imaginação realmente criadora no Novo Mundo e em todos os outros universais.
ResponderExcluirVai o abraço firme e de muita amizade do teu, de sempre,
Nicolau Saião