terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Agulha Revista de Cultura # 125 | Janeiro de 2019



QUARTETO KOLAX

No palco do Katalox Kolax, antes que se inicie a coletiva sob a direção de Anita Borgia, Zuca Sardan, Pedro Kz e Dr. Flor aproveitam a deixa pra luzirem sob os holofotes solferinos do Theatro Galhoffa, e trocarão ideias brilhantes pros primeiros chegados torcedores de nossa Galera Kolax. Então… Mas que reboliço é esse?

TORCIDA: BRAVOOO!!! ZUCA!!! PETROK!!!

FOGUETÓRIO: PAFF!!! POFF!!! PACA-POOONGA!!!

FUMEX: Cuidado com os foguetes!!! Olha o incêndio!! As cortinas já estão fumegando… Pois então, diga lá, Zuca, presto!!!, o que é a Recensão???

ZUCA SARDAN: Na segunda metade do Século XIX, a fotografia foi inventada e iniciava seus primeiros ensaios… inicialmente puramente científicos… faziam sequências de um voluntário barbado andando nu num estrado… a seguir duma garbosa amazona galopando um alazão… uma cena de uma feira de legumes, o Rei da Noruega ao balcão, o Rei Zuku com suas sete Rainhas, e assim por diante. Eram estudos científicos do movimento, e cenas de praça e balcão…

FUMEX: Mas e a Arte? Pedro Kz, a Divina Arte?… Se a Fotografia nasce com a intenção de descrever cientificamente a Realidade, como a Realidade reage à fotografia? Pertence a beleza da Realidade à Fotografia? E a quem, afinal, pertence a Beleza? À Arte?… Ou à Realidade? Eis a questão.

PETRO KZ: Zuca, como  lucidamente expuseste,  a fotografia causou escândalo ao invadir um território em que a arte reinava sobre a natureza e podia mentir a vontade. Com o tempo, a fotografia transformou-se em mestra da contrafação e a arte, desocupada, desenvolveu uma atração irresistível pela verdade absoluta… E onde situar a beleza? Será terrestre, atmosférica ou um je ne sais coá na lagoa? Poderíamos passar a bola a Platão…
Ou ao Dr. Flor…?

FOGUETÓRIO: SCATCHIMBO VUP-VUP!!! PLAKA TAPUMBA!!!

DR. FLOR: Dona Mentira sempre cavalgou com seu fino turbante multicor. Por vezes tão traquina colecionava juras de seus fãs que se empilhavam pelo caminho para vê-la trotando velhos vícios de linguagem. Ao adentrar a Taberna Luckacs, maldosamente pedia um Malbec, sabedora que era ali onde clandestina funcionava a gráfica dos evangelhos agnósticos. Todos a miravam e se entreolhavam. Dona Mentira adorava esses pileques da resistência. Mascou aqueles olhares todos e se pôs uma vez mais a cavalgar fazendo pose de quem sabia estar sendo fotografada.

ZUCA SARDAN: Eu bem acho que poderíamos começar a pingolejar anúncios premonitórios do Kolax, tal o Arcanjo dando umas buzinadas variadas, cá e acolá… de que se vai desarrolhando o Armagedom… um anúncio, com alguma amostrinha grátis, tal os antigos trilas, em cineminhas periféricos, aos poucos avançando pra Metrópolis… provocaríamos assim as primeiras inquietações nas caboclas brejeiras, nas japonesinhas ingênuas do Braz, nas fornarinas fornidas da Vila Madalena, nos professores da Sarbonna, no Macron, no Putin, no Napoleão em Santa Helena, no Louvre, na Torre Eiffel, e enfim nos altos jurados e juradas da Comissão de Seleção pro Prêmio Norbel. Começaríamos a campanha pela Agulha RC, pelo Lyceo Pytanga, pela Materika, pela Zuca Magazine (poderosa em Amsterdam), na TriploV (tirânica em Lisboa), e no Gran Hotel Insolación, em Tenerife, de que são hóspedes o nosso Príncipe Maurício de Nassau, e Maria Callas. E eu telefonaria pessoalmente para o Rei de Zanzibar.

DR. FLOR: Também poderíamos despertar as monjas estreitas de Gibraltar e os pinguins irados de Adelaide. Encheríamos a torcida como o bolo nupcial da Pastora Passaredo, que confunde caroços de goiaba com os doze apóstolos. Santo O’Dell preparou um modelito primaveril para que todos parecessem saídos de uma adaptação da fábula das Ardósias. As sementes da mesma Grande Goiaba, que não se converteram ao Vigarismo, bem poderia ser nossos diplomatas vigilantes documentando peripécias afins pelo mundo inteiro. A um preço camarada, contrataríamos o melhor fabricante de pandeiros para robustecer o baticum das sesmarias. E nuvens amigas ganhariam peso e bafejariam pequenos caprichos de nossa pauta, previamente desfiados para atender aos gostos que não se deixaram confiscar pela filosofia parda dos guetos. Aos bagaços as sarabandas mal costuradas. Se deixarmos simplesmente a noite passar, nada nos garante que amanhã faça sol.

ZUCA SARDAN: A grande questão será: qual a diferença entre um Kolador e um Plagiador? A “Fonte”, do Duchamp, por exp., será um Kolax, ou… um plágio dum objeto feito no próprio objeto?

Anita Borgia, já com os papelotes prontos para seu perguntório aos três viajantes do paradoxo, adentra os bastidores e mostra na ponta da língua uma pedra de toque para dar mais suculência à conversa:

ANITA BORGIA: Xiiiiiiiiiii… Num nível menos metafísico, um advogado poderá responder. Num nível mais metafísico, e dito assim muito grosseiramente, o Kolador cria na cola e o Plagiador, não. O Kolador cria no objeto mesmo, ou nas circunstâncias de produção/consumo do objeto. Talvez a “Fonte” seja este caso, assim, simplesmente. Mas no nível talvez mais interessante, que para mim é o de que as ideias andam rolando por aí e em certo sentido (não em todos) não são de ninguém… aí não sei.

PEDRO KZ: O plagiador também pode vir a ter seu mérito. Acho que a diferença do colador é que o plagiador é considerado em um contexto em que se destaca seu interesse em enganar os outros em relação aos “direitos autorais”. Entraria aí uma análise específica do contexto para saber em que medida esses outros (incluindo em alguns casos, o verdadeiro autor da obra) merecem ser enganados ou não, e se essa enganação pode contribuir para instalar uma situação mais ou menos profícua… Quanto ao enigma do plágio na fonte de Duchamp, proposto pelo Zuca, proponho a elaboração de uma solução coletiva colada com remendos pós-estruturalistas...

ANITA BORGIA: Parece que em sentido estrito não existem propriamente plagiadores. Nem quando copiam tudo, vide Borges (Jorge Luis) e seu “Pierre Menard, autor do Quixote”.

ZUCA SARDAN: Somos, todos os artistas, koladores, mas só os koladores kolax assumem sua kola como o faziam os antropófagos modernistas.

DR. FLOR: A figura do Kolador me atrai somente quando ele se afirma mais como um delirante do que simplesmente um criador de imagens a partir de outras. A rigor, por mais que em certos casos a memória evite tocar no assunto, somos todos koladores, em essência, considerando que a criação não existe sem o fenômeno da transmutação dos corpos. A literatura aboliu um dos mais altos truques dos ambientes plásticos e sonoros: a cópia. Poetas e prosadores, em geral, creem – até honestamente – em um método fundacional de identidade que descarta o passado. Esquecem que a singularidade da escrita, como em qualquer outra área da criação, só vem à tona após um carteado inesgotável de mutações. O conceito de direitos autorais pertence ao mundo jurídico. Ninguém pensaria em apor a sua assinatura em uma obra de Gaudí, por exemplo, porque ela se defende sozinha, ela já reuniu em si o número suficiente de mutações para se tornar inconfundível. Se a arte, ao longo do século XX, foi perdendo singularidade, é outra a questão, não acham?

PEDRO KZ: Sim, é preciso uma urgente avaliação da crise atual, do contra-ataque enfurecido dos devotos de São Tomás de Aquino, que querem regulamentar a cola a partir da mimese de Aristóteles… É preciso conclamar a sanha libertária das futuras edições do Katalok! Para tanto precisamos de um manifesto, e para assinar o manifesto, um nome para o nosso Kollektiff…

ANITA BORGIA: Proponho, como no quadro do Magritte, Les chasseurs au bord de la nuit. Alguém faz uma tradução bacana disso? O título em espanhol aí no arquivo da imagem é mentira, é só para eu me guiar nas aulas.

ZUCA SARDAN: Que tal, Anita, Os caçadores à beira da noite…? Hm Hm (pigarrito)… Não sei se o Magritte ia aprovar… Enfim, segue a lista:
1) XafarizTropical
2) Foguete Voador

PEDRO KZ:
1) Ciganos da Meia-Noite
2) Quarteto Prateado

ANITA BORGIA:
1) Caçadores à beira da noite. Sem o artigo. E o Magritte não liga, ele também era um kolador.

DR. FLOR: Os Beatles têm o famoso caso da banda do Sargento Pimenta. Frank Zappa tem um disco intitulado The Best Band You Never Heard in Your Life. Eu havia pensado em algo assim, que pudesse render boas explanações sobre o enterrado plano de uma mente coletiva que agora tratamos de desencavar. Qual foi o Zuca que eu brequei? Isoladamente gosto de XAFARIZ TROPICAL, mas ainda acho que deveria ser algo mais fisgante, do tipo AS NOITES MIGRATÓRIAS DE UM XAFARIZ TROPICAL.  Vamos tentando.

ZUCA SARDAN: Muito bem, Floriano, bisogna a gente ir tentando. Como dizia o Nelson Rodrigues, só o gênio absoluto descobre o Óbvio!… Inspirado no saudoso Mestre, peço vênia pra colocar na lista: Quarteto Kolax. Ou, talvez melhor… Mvseo Kolax.

DR. FLOR: Gostei muito de QUARTETO KOLAX, vai direto ao ponto daquela sutil simplicidade que abrange o mundo inteiro. É cativante e ambíguo, pode ser um bando de malucos das tintas, grupo musical ou quatro bandidos preparados para uma nova onda de assaltos. Se a tchurma toda topar, pode ser este.

PEDRO KZ: Ótimo, pois evoca T. S. Eliot, Beethoven e Kali, a deusa hindu… tal como citada no canto quarto do quarto canto do quarto em que o Ezra Pound cumpriu prisão domiciliar!

ZUCA SARDAN: Bravooooooooooooooooooo.

ANITA BORGIA: Não entendi, não estávamos ainda em processo de escolha do nome? Me parece que a  decisão não foi definitivamente fechada… Ainda cabem recursos… instâncias… Existem propostas que mereciam ser preservadas ao menos em nota, como “Caçadores beirando a noite”…

PEDRO KZ: Esta talvez seja a última oportunidade de externarmos uma opinião a propósito  do gênero da recensão. Gostaria de fazer uma singela referência à relação, pra lá de múltipla, de pictura e poiesis… Reforçarmos uma proposta edificante para despertar nos leitores mais discursivos uma demanda por imagens, e nos mais expectativos uma demanda pelo verbo…

ANITA BORGIA: Vocês estão mudando de assunto…

ZUCA SARDAN: Uma balança justa entre texto e ilustração… É justamente a proposta do komix, arte que surge em tiras nas edições dominicais dos jornais usamericanos cuja importância vai aceleradamente crescendo…

ATÉ A CATARSE DESPUDORADA DO PÚBLICO


*****

• ÍNDICE

AS CORES PREFERIDAS DE ANITA BORGIA

AS TÁBUAS RELAXADAS DA FOLIA

ELECTRA VAMP STAR

ENIGMAS DA PEDRA LASKADA

ENTREVISTA CREPUSCULAR DO CIRCO CYCLAME

KATALOK KOLAX TRIO

MESA QUADRADA NO SALON KOLAX

TABULA RASA DAS RECENSÕES

TREM CARTHAGO: O FUTURO A TODA PROVA

DIÁLOGO MULTICOR COM ANITA BORGIA



EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019

QUARTETO KOLAX é uma carroça de atores percorrendo os escombros da arte contemporânea com seu teatro automático. Seus integrantes são Anita Borgia, Dr. Flor, Pedro Kz e Zuca Sardan. As imagens que acompanham a edição, reconhecidas ou não, por efeito cênico, são estrategicamente anônimas.


Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 125 | Janeiro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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