terça-feira, 3 de setembro de 2019

Agulha Revista de Cultura # 143 | Outubro de 2019


• CAMPOS VICEJANTES DO SURREALISMO, 4

Concluímos agora a série Campos vicejantes do surrealismo, apresentada em quatro edições. As partes anteriores foram publicadas nos números 129, 134 e 138. Na primeira parte, publicada em março, comentamos logo no início do editorial que se tratava de uma dupla edição dedicada a traçar um panorama sobre memória e atualidade do Surrealismo em vários países. Logo compreendemos que o tema é inesgotável, de modo que impossível resumi-lo em duas edições. Mesmo assim, expandindo-o para quatro números tocamos apenas em questões mais altas, como as polêmicas surgidas em torno da matriz do movimento, o esquecimento a que foram relegadas as mulheres e as retrospectivas do que ocorreu em alguns países. Até aqui publicamos textos sobre a atuação do Surrealismo nos Estados Unidos, Romênia, Austrália, Brasil, República Checa, País de Gales, Portugal, Alemanha, Grécia, Inglaterra, Egito, República Dominicana, Chile, México, Canadá, Peru, assim como estudos críticos acerca de Gisèle Prassinos, André Breton, Salvador Dalí, Georges Bataille, Antonin Artaud, Octavio Paz, António Maria Lisboa, Pietro Ferrua, Aimé Césaire.
Na presente edição, um ensaio de Luis Fernando Cuartas, balanço que trata da presença do Surrealismo na Colômbia, surge menção à condição inclassificável do Surrealismo, e, assim como na entrevista ao venezuelano Juan Calzadilla, se fala na existência de múltiplos surrealismos, alguns bem distintos entre si. Não estou bem certo quanto a isto. Que houve expansiva multiplicidade de desdobramentos, isto sim, porém cada novo foco surgido ou cada nova dissidência aportava uma leitura singular de uma mesma matriz, ora ampliando-a, ora atualizando-a, porém sempre considerando os princípios vitais que nortearam a criação do movimento. Mesmo nos casos de negações ou das absurdas expulsões do grupo parisiense, é impossível cortar os laços. Não foi menos surrealista o grupo belga, por exemplo, ao enfatizar sua rejeição a Freud, Comunismo e escritura automática. Na Bélgica os surrealistas não redigiram manifesto algum e para eles a união entre artistas deveria se dar através das afinidades e não pela submissão a regras.
Tampouco se pode dizer que Magritte, Dalí, Artaud e todos os demais expulsos do grupo foram menos surrealistas do que aqueles que permaneceram integrados. Quando o argentino Francisco Madariaga diz que para os criadores hispano-americanos o Surrealismo tinha o caráter de uma boda, ao contrário da ruptura que pautou o Surrealismo na Europa, não se estabelece uma segregação, mas antes um acréscimo de perspectivas. A despeito da confusão em torno da revista Qué, dirigida por Aldo Pellegrini, na Buenos Aires do final dos anos 1920, vale lembrar que na primeira metade do século XX não houve grupo surrealista, assim formalizado, na Argentina. Mesmo a revista A partir de cero, surgida nos anos 1950 – dois números em 1952 e um último em 1956 –, dirigida por Enrique Molina, no que pese a publicação de vários surrealistas, hispano-americanos e europeus, não levava a assinatura de um grupo. Aqui incluiríamos também os surrealistas que atuaram sozinhos, não pertencendo a grupos ou assinando manifestos, além daqueles Surrealistas que, por motivos diferentes de cegueira, não foram, em seu tempo, percebidos como tal.
Todos estes aspectos me parecem bastante positivos de uma vitalidade que transcende as limitações ortodoxas de um grupo. Para esta edição deixamos talvez os textos mais polêmicos, a exemplo de um ensaio sobre as relações do mexicano Octavio Paz com o Surrealismo – Paz chegaria a afirmar que o estado a que aspira a escritura automática
exclui toda escritura –, a querela acerca da paternidade do Surrealismo disputada quase a tapas por André Breton e Yvan Goll – a partir daí, em uma absurda lista de excomungados do Surrealismo se encontra o nome de Goll, cuja única menção acende uma luz vermelha que recusa qualquer argumento –, e um caso de surrealista não percebida como tal, o da mexicana Nahui Olin.
Em seu ensaio aqui presente, o colombiano Luis Fernando Cuartas menciona uma plêiade de mulheres surrealistas que foram muito pouco mencionadas como tais. Entre elas encontramos o nome da pintora belga Rachel Baes (1912-1983). Quando Cuartas nos enviou o ensaio nos deparamos com uma das pérolas do acaso objetivo, pois antes havíamos decidido que Rachel Baes seria a artista convidada desta edição. Considerada por René Magritte como uma encarnação de Shéhérazade, a influência do Surrealismo em sua obra se dá no início dos anos 1940, após a turbulência gerada pela execução de seu amor, Joris Van Severen, principal articulador de um movimento belga chamado Nova Ordem. Em suas reiteradas estadias em Paris conhece Paul Eluard, André Breton e Max Ernst, e logo trata de aproximar-se do grupo surrealista belga, em especial Magritte e ELT Mesens. A atmosfera sombria dos cenários onde insere os personagens de sua pintura lhe dá uma peculiaridade que a leva a ser considerada uma prenunciadora da arte pop, em parte pelos cenários retorcidos e as alegorias oníricas e sarcásticas. Sua última década de vida a encontrou bastante isolada de tudo, em uma cidade do interior da Bélgica, sem que até então fosse compreendida a íntima relação de sua obra com o Surrealismo.
Nossos agradecimentos a todos os colaboradores, destacando o checo Jan Dočekal, pelo envio do ensaio sobre Toyen. Por último queremos dedicar este número, em especial, ao imenso criador que foi o chileno Ludwig Zeller (1927-2019).

Os Editores


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• ÍNDICE
FLORIANO MARTINS | Ludwig Zeller y el misterio de la amistad


KAREL SRP | Toyen’s Jednadvacet: a primer for newlyweds

KLAUS MEYER-MINNEMANN  Octavio Paz y el Surrealismo

LARRY MEJÍA | Juan Calzadilla, a propósito de El techo de la ballena

LUIS FERNANDO CUARTAS | Surrealismos y el acto de no dejarse acomodar en algún “ismo”

MARIA APARECIDA BARBOSA | Teatro Surrealista – anotações sobre Yvan Goll

MARTA MENSA | El surrealismo contado desde la perspectiva de René Magritte

MATHILDE HAMEL | Salvador Dalí y lo grotesco: un escritor disidente

RENATA RUIZ FIGUEROA | Nahui Olin

S. DRUET | Les ciseaux sanglants: Interview avec Conroy Maddox




Rachel Baes

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EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidada: Rachel Baes (Bélgica, 1912-1983)


Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 143 | Outubro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019



Um comentário:

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