• CAMPOS VICEJANTES DO SURREALISMO, 4
Concluímos agora a série Campos vicejantes do surrealismo,
apresentada em quatro edições. As partes anteriores foram publicadas nos
números 129,
134
e 138.
Na primeira parte, publicada em março, comentamos logo no início do editorial
que se tratava de uma dupla edição
dedicada a traçar um panorama sobre memória e atualidade do Surrealismo em
vários países. Logo compreendemos que o tema é inesgotável, de modo que
impossível resumi-lo em duas edições. Mesmo assim, expandindo-o para quatro
números tocamos apenas em questões mais altas, como as polêmicas surgidas em
torno da matriz do movimento, o esquecimento a que foram relegadas as mulheres
e as retrospectivas do que ocorreu em alguns países. Até aqui publicamos textos
sobre a atuação do Surrealismo nos Estados Unidos, Romênia, Austrália, Brasil,
República Checa, País de Gales, Portugal, Alemanha, Grécia, Inglaterra, Egito,
República Dominicana, Chile, México, Canadá, Peru, assim como estudos críticos
acerca de Gisèle Prassinos, André Breton, Salvador Dalí, Georges Bataille,
Antonin Artaud, Octavio Paz, António Maria Lisboa, Pietro Ferrua, Aimé Césaire.
Na presente edição, um ensaio de Luis
Fernando Cuartas, balanço que trata da presença do Surrealismo na Colômbia,
surge menção à condição inclassificável do Surrealismo, e, assim como na
entrevista ao venezuelano Juan Calzadilla, se fala na existência de múltiplos
surrealismos, alguns bem distintos entre si. Não estou bem certo quanto a isto.
Que houve expansiva multiplicidade de desdobramentos, isto sim, porém cada novo
foco surgido ou cada nova dissidência aportava uma leitura singular de uma
mesma matriz, ora ampliando-a, ora atualizando-a, porém sempre considerando os
princípios vitais que nortearam a criação do movimento. Mesmo nos casos de
negações ou das absurdas expulsões do grupo parisiense, é impossível cortar os
laços. Não foi menos surrealista o grupo belga, por exemplo, ao enfatizar sua
rejeição a Freud, Comunismo e escritura automática. Na Bélgica os surrealistas
não redigiram manifesto algum e para eles a união entre artistas deveria se dar
através das afinidades e não pela submissão a regras.
Tampouco se pode dizer que Magritte,
Dalí, Artaud e todos os demais expulsos do grupo foram menos surrealistas do
que aqueles que permaneceram integrados. Quando o argentino Francisco Madariaga
diz que para os criadores hispano-americanos o Surrealismo tinha o caráter de
uma boda, ao contrário da ruptura que pautou o Surrealismo na Europa, não se
estabelece uma segregação, mas antes um acréscimo de perspectivas. A despeito
da confusão em torno da revista Qué,
dirigida por Aldo Pellegrini, na Buenos Aires do final dos anos 1920, vale
lembrar que na primeira metade do século XX não houve grupo surrealista, assim
formalizado, na Argentina. Mesmo a revista A
partir de cero, surgida nos anos 1950 – dois números em 1952 e um último em
1956 –, dirigida por Enrique Molina, no que pese a publicação de vários
surrealistas, hispano-americanos e europeus, não levava a assinatura de um
grupo. Aqui incluiríamos também os surrealistas que atuaram sozinhos, não
pertencendo a grupos ou assinando manifestos, além daqueles Surrealistas que,
por motivos diferentes de cegueira, não foram, em seu tempo, percebidos como
tal.
Todos estes aspectos me parecem bastante
positivos de uma vitalidade que transcende as limitações ortodoxas de um grupo.
Para esta edição deixamos talvez os textos mais polêmicos, a exemplo de um
ensaio sobre as relações do mexicano Octavio Paz com o Surrealismo – Paz
chegaria a afirmar que o estado a que
aspira a escritura automática
exclui toda escritura –, a querela acerca da paternidade do Surrealismo disputada quase a tapas por André Breton e Yvan Goll – a partir daí, em uma absurda lista de excomungados do Surrealismo se encontra o nome de Goll, cuja única menção acende uma luz vermelha que recusa qualquer argumento –, e um caso de surrealista não percebida como tal, o da mexicana Nahui Olin.
exclui toda escritura –, a querela acerca da paternidade do Surrealismo disputada quase a tapas por André Breton e Yvan Goll – a partir daí, em uma absurda lista de excomungados do Surrealismo se encontra o nome de Goll, cuja única menção acende uma luz vermelha que recusa qualquer argumento –, e um caso de surrealista não percebida como tal, o da mexicana Nahui Olin.
Em seu ensaio aqui presente, o colombiano
Luis Fernando Cuartas menciona uma plêiade de mulheres surrealistas que foram
muito pouco mencionadas como tais. Entre elas encontramos o nome da pintora
belga Rachel Baes (1912-1983). Quando Cuartas nos enviou o ensaio nos deparamos
com uma das pérolas do acaso objetivo, pois antes havíamos decidido que Rachel
Baes seria a artista convidada desta edição. Considerada por René Magritte como
uma encarnação de Shéhérazade, a influência do Surrealismo em sua obra
se dá no início dos anos 1940, após a turbulência gerada pela execução de seu
amor, Joris Van Severen, principal articulador de
um movimento belga chamado Nova Ordem. Em suas reiteradas estadias em Paris
conhece Paul Eluard, André Breton e Max Ernst, e logo trata de aproximar-se do
grupo surrealista belga, em especial Magritte e ELT Mesens. A atmosfera sombria
dos cenários onde insere os personagens de sua pintura lhe dá uma peculiaridade
que a leva a ser considerada uma prenunciadora da arte pop, em parte pelos
cenários retorcidos e as alegorias oníricas e sarcásticas. Sua última década de
vida a encontrou bastante isolada de tudo, em uma cidade do interior da
Bélgica, sem que até então fosse compreendida a íntima relação de sua obra com
o Surrealismo.
Nossos agradecimentos a todos os colaboradores, destacando o
checo Jan Dočekal, pelo envio do ensaio sobre Toyen. Por último queremos
dedicar este número, em especial, ao imenso criador que foi o chileno Ludwig Zeller (1927-2019).
Os Editores
• ÍNDICE
FLORIANO MARTINS |
Ludwig Zeller y el misterio de la amistad
KAREL
SRP | Toyen’s Jednadvacet: a primer for newlyweds
KLAUS
MEYER-MINNEMANN Octavio Paz y el Surrealismo
LARRY MEJÍA | Juan Calzadilla,
a propósito de El techo de la ballena
LUIS FERNANDO CUARTAS | Surrealismos y el acto de no dejarse acomodar en
algún “ismo”
MARIA
APARECIDA BARBOSA | Teatro Surrealista – anotações sobre Yvan Goll
MARTA MENSA | El
surrealismo contado desde la perspectiva de René Magritte
MATHILDE HAMEL |
Salvador Dalí y lo grotesco: un escritor disidente
RENATA RUIZ FIGUEROA | Nahui Olin
S. DRUET | Les ciseaux sanglants: Interview avec
Conroy Maddox
*****
EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO
DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidada: Rachel
Baes (Bélgica, 1912-1983)
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 143 | Outubro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
Minha contribuição: https://indd.adobe.com/view/57509310-fbc9-4efd-a883-811fede2902a
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