1990 A partitura extraviada |
1990 O lobo e o pastor (em memória de Sérgio Campos) |
1996 Um livro de Ângela |
1997 Noites indecisas |
1997 A dama violada pelo riso |
1998 Alma em chamas |
1998 Aula de pintura |
1998 Custódia de sentidos |
1998 Escritura conquistada |
1998 Extremos do verbo |
1998 O prodígio das tintas |
1998 Relojoaria fantasma |
1998 Sagração dos artifícios |
1998 À luz do esquecimento |
1999 Ambiguidades vorazes |
1999 Ex-Libris |
1999 Ilusões profanadas |
1999 Lições do fortuito |
1999 O pecado do efeito |
2003 Abuso metafísico |
2004 Entre idas e vindas |
2004 Rapto ancestral |
2004 A ninfomaníaca |
2004 Mesa branca |
2004 A ausência cumprida de promessas |
2005 As cinzas minuciosas |
2005 De volta à estrada |
2005 Lição de assombros |
2005 Escombros da memória |
2005 Indecisões do imaginário |
2005 Entre dois mundos |
2005 Sala de retratos |
2005 Truques do inevitável |
2005 À sombra da Grande Mãe (homenagem a Socorro Nunes) |
2005 O alfabeto desfeito |
2005 Plumas deslizantes |
2005 O meu coração é teu |
2005 Minúcias do invisível |
2005 A cidade extraviada |
2005 Adeus à sétima arte |
2005 A permanência do espírito |
2005 O acaso obsessivo |
2005 O catálogo secreto |
2006 A ressurreição perdurável |
2006 Engrenagens do adeus |
2006 Meu primeiro Arlequim |
2006 O espelho insensato |
2006 Sonho de um Arlequim |
2007 indisfarçável promessa |
2007 Visões do medo (homenagem a Beth Brait Alvim) |
2008 Santuário dos caprichos |
2008 Uma segunda versão (homenagem a Socorro Nunes) |
2008 Vítimas do espelho |
2009 O banho das modelos (homenagem a Socorro Nunes) |
2009 Outros silêncios (homenagem a José Geraldo Neres) |
2012 Renascimento da esfinge |
A IMAGEM E A SEMELHANÇA 1990-2012
Aqui estão
reunidas as colagens de uma época em que eu utilizava lupa, tesoura e cola.
Algumas se tornaram capas de livros, postais, ilustrações avulsas para revistas
e projetos abortados. De algum modo representam uma maneira de revirar as
dobras do acaso à procura de uma semelhança que certamente não coincidirá com a
fortuna da existência. Mas nem mesmo para as mais desabrigadas imagens há uma
certeza de que o infortúnio permanecerá.
VERTIGENS DO
OLHAR | AUTORRETRATOS
P – Por onde a colagem entra em teus
planos de criação?
FM | O encantamento plástico não se inicia
propriamente pela colagem. O mundo da imagem, a maneira como a vida
invade nosso olhar, o modo como a imagem nos encara, de alguma maneira nós
também somos vistos fragmentariamente por ela, pois devolvemos ao mundo toda a
sensação que temos diante dele. Há certa reciprocidade que naturalmente reflete
a percepção esfacelada da realidade. Somos devotos da interpretação, para o
homem nada no mundo existe sem motivo. Claro que há nuanças, que vão das
experiências capitais às notas de rodapé. Mas somos essencialmente tópicos.
Identificamo-nos tocados por lugares-comuns, pois sempre nos incomoda não saber
precisamente do que se trata esta ou aquela coisa. Evidente que tamanha
exigência delata um desconforto imenso, e não há criação artística que não o
acentue, espreitada de qualquer margem, pois o homem acaba sendo a medida de
seu desconsolo, de sua aflição. A colagem entra como recurso, o recurso
que naturalmente é: de enfrentamento com a imagem e nossa obsessão pelo
comentário.
P – Isto quer dizer que já escrevias antes
de começar a fazer colagem. Agora, a colagem está intrinsecamente
ligada ao Surrealismo. Até que ponto há coincidências nessas descobertas para
ti?
FM | Quando garoto, texto e imagem eram uma
grande mescla na biblioteca de meu pai, que tinha um pouco de tudo, uma espécie
de sublevação de qualquer método de leitura ou pesquisa. A desordem plena.
Então eu fui criado no leito dessa algazarra interpretativa. Sutilmente instado
a… interpretá-la (risos). Curiosamente, havia muito pouca poesia ali. Recordo o
Paraíso perdido de Milton ou o volume dos sonetos de Shakespeare. Fecho
os olhos e não me lembro de mais nada além. Mas havia um sem número de
histórias em quadrinhos, de adaptações de romances para fotonovelas, que na
ocasião era uma novidade imensa em termos de popularizar a literatura. Isto sem
falar no fato de que eu peguei os primórdios da televisão, onde o recorte
estático das revistas em quadrinhos era substituído por uma dinâmica frenética.
Como a fotografia em si nunca me atraiu – reafirmo o que disse certa vez de que
não a vejo senão como um recurso para a colagem –, a imagem em movimento
exerceu sobre mim um fascínio imenso, ou seja, foi graças ao gibi, à televisão
e ao cinema que cheguei à colagem, à ideia de fotograma que aquilo
representava, de desdobramento de um mesmo sentido, um saboroso caldo de
vertigens, digamos. A interpretação para mim tinha um ritmo próprio, era este o
acento que a distinguia entre si, as infinitas maneiras de comentar o mundo.
P – Especificamente como se relacionam
surrealismo e tuas colagens?
FM | Os mesmos sinais vitais que
encontramos em minha poesia, a busca por iluminar certas zonas obscuras do ser,
o choque entre realidades aparentemente distantes entre si, os entrelaçamentos
entre o onírico e a vigília, o recurso ao desconcertante como algo que pode nos
permitir uma visão menos preconcebida do mundo etc. Substituir o método da
interpretação pelo do conhecimento. Não aprendi isto exclusivamente com o
Surrealismo, mas é claro que esta preocupação se encontra em sua raiz, assim
como igualmente claro que a liberdade de espírito para deixar-se tocar por tudo
à volta foi a fonte maior desse conhecimento que, a rigor, não se dá sem
convívio. Este é exatamente o dilema da arte em nosso tempo, quando
lastimavelmente volta a desaparecer a ideia essencial de convívio entre vida e
obra.
P – Remetendo a esta desordem plena a que te referes, em entrevista com o Moacir Amâncio
mencionas que talvez tenhas sido menos influenciado pela leitura do que por qualquer
outra situação.
FM | Não é bem assim. Eu disse que os
estímulos à criação não vieram tanto da leitura do poema quanto de outras
instâncias, aí incluindo a leitura de romances, gibis, ensaios. Na ocasião
comentávamos sobre esse vício de limitar à leitura o mundo do escritor. A vida
me entra por todos os sentidos, assim como meu diálogo com ela se manifesta de
diversas maneiras e não apenas através do que escrevo, ou do poema que escrevo,
o que é ainda mais redutor.
P – E com as colagens?
FM | Exatamente a mesma coisa. Não se pode
restringir à audição a maneira como o mundo invade a vida de um músico. Isto me
lembra aquela defesa do argentino Aldo Pellegrini, de que em toda verdadeira poesia está latente ou manifesto um protesto do
homem contra sua condição, o que vale para toda a criação artística.
P – Mas de alguma maneira se pode localizar
alguma influência, em teu caso, oriunda da poesia ou da colagem?
FM | Claro. O que eu não saberia detectar é
uma presença marcante de um determinado autor, até mesmo pela maneira pouco
sistemática com que fui tendo contato com uma e outra obra. Todos aqueles
pintores do século XVII que lidavam com naturezas mortas sempre me
impressionaram muito, principalmente o velho Jan Brueghel – e também Rembrandt,
Velásquez, Pieter Aertsen. Mas quando comecei a fazer colagem não pensei
exatamente neles e de muitos ainda nem identificava o nome à obra. No final dos
anos 80, fiz algumas poucas colagens que estavam impregnadas de
entrelaçamentos com gibis e fotos de jornal. Tudo em preto e branco. Mas foi
quando o poeta Sérgio Campos (1941-1994) me convidou para fazer a capa de seu
livro O lobo e o pastor (1990), que me senti verdadeiramente desafiado a
uma aventura plástica mais contundente. E ali então se revela aquele apetite por
uma fuga constante que me parece ser um traço de minha colagem, uma
espécie de sensualidade incessante descoberta nas brechas, nos pontos de fuga,
no imprevisível latente. Também a minha poesia está repleta dessas zonas de
escape, onde tudo se dá de forma dissimulada.
P – É curioso que faças uma colagem que
remete à ideia clássica da pintura e que, ao mesmo tempo, tenha pouco a ver com
as colagens surrealistas assim identificadas.
FM Não estou bem certo disto. Há um
equívoco em pensar que a maneira de dialogar com o mundo que lhe é
contemporâneo implica em adaptação ou mesmo subordinação a determinada
linguagem. Assim aceita, o que temos é uma linearidade plena. A criação – e não
apenas a colagem – age por incisão, muito mais do que por ajuste ou
hábito. Veja bem no que foi dar a ideia de natureza morta do século XVII, num still
life completamente apreendido pelo design e que hoje causa mais
bocejo do que encantamento. Pela mesma razão, toda a arte contemporânea
desfigurou-se. Um notável artista que trabalha com colagem é o chileno
Ludwig Zeller, e nunca recorreu ao que se possa chamar de utilitário
contemporâneo, se me permites a ironia. Mesmo Max Ernst mantinha uma relação
intensamente abissal no que diz respeito à idade do material empregado em seus recortes.
P – Mas utilizas material ligado ao design
em algumas de tuas colagens…
FM | Até mesmo o presente está ao dispor do
artista, ao que parece. Em meio a tantos videntes e passadistas, é possível
somá-los sem criar ojeriza pelo instante em que vivemos, com suas aberrações
lapidares, sua hipocrisia manifesta, as alegorias da vaidade que acabam
mesclando os tempos. A arte é um detalhe da lâmina com que ponho em dúvida a
imortalidade da cena. Minha colagem é tão epigramática quanto minha poesia.
Divertem-se juntas em tornar mais picante o molho de cada imagem. Qual a idade
daquela caveira
P – E assim utilizas recursos técnicos
atuais para negar teu próprio tempo?
FM | Não, não. Dito assim parece que perco
meu tempo a me indispor com a volubilidade diária. Confesso que sinto mais
tesão em uma mescla de colagem e poema do que propriamente em um ou outro
P – Com isto propões uma nova modalidade de
colagem?
FM | A ideia é chamar atenção para o fato
de que os recursos – que são infinitos – estão ao nosso dispor e não o
contrário. A ficção científica tende a tornar o homem refém da máquina, mas em
grande parte, quando deve ser considerada séria, é um alerta para o fato de que
não podemos abrir mão do que somos, da paixão exaltada que nos leva ao sublime
e ao erótico, e que jamais faz de nós seres mordazes e vingativos. Não se trata
de recurso novo – sim, sim, claro, há essa mescla de recortes de fotografias
tratados em computador –, mas de chamar a atenção para o fato de que não
importa, se através de um romance, um crime, uma frustração, um acidente, a
vida nos escapa de todas as maneiras.
P – A arte não pode nada, então?
FM | Pode nos lembrar, a todo instante,
exatamente isto: que ela não pode nada e que essencialmente estamos por nossa
conta. Chega dessa ideia de salvação de algo, já de todo avacalhada por
Hollywood e deturpada pela violência inquestionável da Casa Branca. Ou a
salvação prometida por essas igrejas abjetas que infestam o país de uma ponta a
outra.
P – Vejo que misturas tudo em tua fala,
talvez por uma compulsão de montagem. Não fantasias demasiado o mundo?
FM | Não há arte sem imaginação, está
claro. Mas tampouco há imaginação sem realidade. Ou seja, uma coisa está
enfiada na outra. Até que ponto a realidade segue modelos fixos, que ela se
mantém fiel a determinados padrões? Somos sobreviventes da fantasia ou da
realidade? Que estranha mitologia vem inventariando nosso tempo? O fato de que
a grande indústria do entretenimento se confunda com outra não menos
totalitária, a da violência, da guerra, do terror, não nos preocupa em nada? A
rigor, a imaginação no artista não o devia confundir com um mitômano, mas
sabemos que não é bem assim, ou seja, com tantas luzes, cenas, atrações, egos
inflamados, não há como não perder a noção da realidade. No mais dos casos, a
noção de sua fantasia. Penso que a arte, e não somente a colagem,
deveria alertar para a necessidade desse paralelo, entre real e imaginário.
P – E até que ponto a colagem o faz?
FM | Toda a arte meteu-se em um beco sem
saída, aparentemente pelo volume estonteante de propostas estéticas surgidas
com as vanguardas, mas essencialmente pela usurpação de inúmeras técnicas pelo design,
a propaganda e alguns mercados novos que incluem tanto a cenografia teatral ou
cinematográfica quanto os gibis e as capas de disco, por exemplo. Neste
sentido, o artista plástico deve ter sido muito mais atordoado do que o músico
ou o escritor, embora não tenha se mostrado mais deslumbrado que os demais. Os
artistas que lidam com a colagem estão muito apensados ao Surrealismo,
ou seja, são observados criticamente como uma decorrência. Desnecessário
remontar à ideia de fusão de arte & vida que permeava o Surrealismo. O fato
é que a técnica acabou sendo caudatária do Surrealismo. Mesmo novos artistas
que a cultuam, o fazem à maneira surrealista, o que em geral dá aos trabalhos
certo ar déjà vu, um tipo de epilepsia artística, sem que desgrudem de
algumas matrizes hoje dadas como clássicas. A técnica, de certa maneira, ficou
a reboque de uma visão historicista do Surrealismo.
P – Todo este jogo de corta & cola não
foi se embrenhando em novas formas de criação, onde tanto se pode falar no
romance de um William Burroughs quanto nessas utilizações que mencionas?
FM | Sim, claro. Houve uma percepção
acentuada do recorte, do rasgo na pele do tempo como grande recurso narrativo,
que acabou dando no flashback abusivo do cinema e do romance. Mas estes
são elementos colados – ainda que recortados – à pele de uma narrativa,
digamos. Não são a subversão da própria. Sob este aspecto, penso que a colagem
está para as artes plásticas como o verso livre está para a poesia. Incluindo
todos os seus vícios, deturpações e acomodações estéticas.
P – Segundo Claudio Willer, é acadêmica a distinção entre collage e
colagem, além de lexicalmente insustentável (uma colagem, c'est une collage, c'est ça), não
cabendo argumentar que em Picasso e Braque, por exemplo, ela fosse ilustrativa.
Segundo ele, se o parâmetro fosse esse,
teriam que mudar o nome de todos os demais procedimentos: gravura, óleo,
desenho etc. Estás de acordo?
FM | Completamente de acordo, embora eu
próprio tenha usado o termo por diversas vezes, fazendo-o, sobretudo, para
situar a colagem como uma técnica, para que não fosse confundida com uma
simples operação de aderir objetos entre si. Mas evidente que atende a um
capricho acadêmico de lidar com estrangeirismos como se atestassem inteligência
superior, ou seja, estrangeirismos ajudam a detectar caipirismo do mundo
acadêmico.
P – Há um testemunho sobre teu trabalho dado
por Rosa Alice Branco que eu gostaria aqui de reproduzir. Diz a poeta
portuguesa: As colagens de Floriano Martins
articulam-se com a sua poética escrita
de uma forma inesperada, já que naquelas a dimensão estética se sobrepõe
aos seus demônios, oferecendo-nos um universo mais pacificado. À primeira vista
esta constatação surpreende-me, no sentido em que se trata de um
trabalho que compõe, desconstruindo, através de associações livres, mas não
podemos esquecer que se trata também de um trabalho de apuramento rigoroso. A
partir de um suporte literalmente imagético, Floriano Martins deixa-se cativar
pela singularidade do fragmento e pela harmonia sempre imprevisível da composição. Em
cada colagem há um universo em miniatura, delimitado pela moldura e infinito pela
fractalização das inserções figura/fundo. Desta forma, as texturas justapostas e
sobrepostas conjugam-se para o encantamento do olhar entre o todo e o pormenor,
sem lugar para a crueldade nua e para o profano desencarnado que habitam vários
dos seus textos poéticos. Aqui, o jogo entre o profano e o sagrado apaga-se na
redenção de tão humana beleza. Gostaria de um comentário teu a respeito.
FM | Uma delícia de leitura. É bom que o
acasalamento entre sagrado e profano não se converta em um desses processos de
reprodução
PROPRIEDADE IMAGINÁRIA
Galeria Virtual | FLORIANO MARTINS
SALAS DE VISITA
1990-2012 A IMAGEM E A SEMELHANÇA Entrevista com Floriano Martins
1998-2023 TRAJETÓRIA DE UM CAPISTA (seleção)
2010-2014 SÁTIRA DE ESPELHOS
2011 NA MÃO DE ADÃO CABEM TODOS OS SONHOS Texto de Jacob Klintowitz
2013 SOMBRAS RAPTADAS Texto de Berta Lucía Estrada
2014 BRONZE NO FUNDO DO RIO
2014 CINEMA IMAGINÁRIO Texto de Floriano Martins
2014 MÁSCARA IMAGINÁRIA Texto de Floriano Martins
2014 MÚSICA IMAGINÁRIA Texto de Floriano Martins
2015 A MOBÍLIA VIOLENTA DO FOGO
2016 CIRCO CYCLAME
2016 LÁBIOS PINTADOS DE AZUL Texto de Aglae Margalli
2017 OSSOS DO ESPÍRITO
2018 SELVA DE PELES
2023 O CEGO IDEALISTA Texto de Wasily Kaplowitz
2023 A ÚLTIMA LINHA CAPAZ DE DEVOÇÃO Texto de Maria Lúcia Dal Farra
Agulha Revista de Cultura
Criada por Floriano Martins
Dirigida por Elys Regina Zils
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1999-2023
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