• EDITORIAL – O ESPÍRITO NATURAL DA RESISTÊNCIA
Os Editores
RICARDO SOUZA DE CARVALHO | O cavalo de todas as cores. Uma revista
editada por João Cabral de Melo Neto
Desde o início de sua excursão pela tipografia com sua
minerva na Barcelona de 1947, o poeta diplomata João Cabral de Melo Neto
idealizava uma revista. O primeiro registro está em carta sem data a
Clarice Lispector, quando tentava suas primeiras impressões, com o seu Psicologia
da Composição:
Estou em entendimento com o Lauro Escorel - e este com o Antonio
Candido, de S. Paulo - para fazermos uma revista trimestral, chamada ANTOLOGIA
(dístico: PLUS ÉLIRE QUE LIRE, Paul Valéry). Será uma revista minoritária, de
200 exemplares, distribuída a pessoas escolhidas pelos diretores. Não terá
programa formulado, não dará bola à chamada vida literária, não terá seções,
nem de cinema, nem de livros, nem de nada. Qualquer coisa fora do tempo e do
espaço – um pouco como nós vivemos. O fim verdadeiro da revista será o de
começar a escolher o que presta de todos nós. Qualquer coisa como um
balanço de antes do fim de ano, um balanço dos fevereiros que nós todos somos.
Que acha Você? Um momento, pensei em fazer uma revista para os escritores
brasileiros de fora do Brasil. Mas um certo aspecto Itamaraty dessa ideia me
fez deixá-la
A revista será impressa por mim,
aproveitando minha máquina e as delícias do câmbio. Esperamos ter um número
pronto – no mais tardar – em março” (in Sousa, 2000, pp. 290-1).
Em carta de 17 de fevereiro de
1948, foi a vez de Manuel Bandeira ser comunicado da edição de Antologia.
Se por um lado Antonio Candido ainda não respondera se aceitava o convite de
dividir a direção com Cabral e Lauro Escorel, por outro já havia colaborações
para o primeiro número: “[…] a) um ensaio de Antonio Houaiss sobre o
vocabulário de Carlos Drummond de Andrade; b) 'El alejandrino en la poesía
castellana del presente', nota e antologia de um rapaz daqui; c) 25 tankas de
Carles Riba, o melhor poeta catalão vivo, traduzidas por mim […]” (in
Süssekind, 2001, pp. 60-1). Como Antologia não saiu logo, três
dessas tankas traduzidas ao português foram publicadas no número 16 da
revista Ariel, de Barcelona, em abril de 1948, com apresentação de
Joan Triadú intitulada “Brasil i Catalunia”.
O lançamento de Antologia não
se concretizava, fazendo com que Cabral pensasse em recuperar um projeto
anterior com os amigos no Rio de Janeiro, como propõe a Carlos Drummond de
Andrade em carta de 9 de outubro de 1948: “[…] Agora que posso imprimir de
graça, por que não fazemos aquela revista que planejamos – você, Vinicius e eu? – e para cuja discussão até nos reunimos uma tarde no M. da Educação?” (in
Süssekind, 2001, p. 228).
Diante de mais uma ideia que não
vingou, Cabral, em carta a Clarice de 15 de fevereiro de 1949, quando divulgava
suas traduções de “Quinze Poetas Catalães” na Revista Brasileira de
Poesia, comenta que deseja um veículo mais específico, um periódico para
divulgar a cultura catalã no Brasil: “[…] Tenho planejada agora, com alguns
amigos catalães, uma revista clandestina catalã brasileira. Não sei bem como
será. Mas desde que a polícia fechou a que eles publicavam aqui, quero fazer
alguma coisa de propaganda da cultura deles junto aos intelectuais brasileiros”
(in Sousa, 2000, p. 295). A revista proibida chamava-se Algol, que
conheceu um único número no final de 1946, dirigida por Joan Brossa, Arnau Puig
e Antonio Tapiès. Esses jovens, mais Modesto Cuixart, Joan Ponç, Joan-Jospe
Tharrats e Juan Eduardo Cirlot, criaram em
Em carta de 15 de setembro de
1949, Cabral anuncia a Bandeira o que poderia ser mais uma ideia de periódico
que não saía do âmbito das cartas: “Também tenho em projeto uma revista: 'O
cavalo de todas as cores', impressa por mim e dirigida pelo Alberto Serpa e por
mim” (in Süssekind, 2001, p. 104). Mas o poético título ganhou forma em seu
primeiro e único número de janeiro de 1950, ao que tudo indica, sugerido pelo
texto em prosa de José Régio, “Poesia”, estampado nesse número, que assim
termina:
[…] Mas à Poesia como Poesia, ao alado Cavalo furta-cores que, para se
atirar às estrelas, escava as raízes e faz espinchar tanto a água das fontes
como a dos charcos, – não lhe ponham antolhos que lhe não pertencem! não lhe deem
rédeas que não aceita. Porque o seu tempo próprio é a Eternidade, o seu espaço
a Imensidão, o seu fim o Absoluto.
Esse fragmento pode ter servido
de ponto de partida para a ilustração da capa, a cargo de Francisco García
Vilella, pintor em início de carreira em Barcelona apoiado por Cabral, que lhe
encomendara as 11 ilustrações que acompanham as traduções de poemas de
Baudelaire por Osório Dutra, Cores, Perfumes e Sons, editadas pelo
Livro Inconsútil em 1948.
Estou agora imprimindo a revista: um poema do português P. Homem de
Melo, sua 'Bomba atômica', umas coisas catalãs e uma de Alberti, não mandadas
por ele, mas escolhidas aqui. A coisa vai indo lenta: o meu ensaio sobre Miró
que estão editando aqui me esgota completamente – ao fazer a revisão de provas
(in Moraes, 2003, p. 163).
Vale lembrar que a colaboração de
Alberti não se confirma no número de janeiro de 1950. [1]
Por um lado, O Cavalo de
Todas as Cores segue a configuração dos demais “livros inconsúteis”:
pequena dimensão (22 x
Embora as propostas poéticas
fossem muito diferentes, Cabral e Vinicius não deixaram de ser amigos. [2] Além da primeira
publicação do poema “Bomba Atômica” em O Cavalo de Todas as Cores,
O Livro Inconsútil editara Pátria Minha e a tradução ao
espanhol por Alfonso Pintó de “Elegía al Primer Amigo” para a Antología
de Poetas Brasileños de Ahora, ambos do final dos anos 40.
Quanto aos espanhóis Rafael
Santos Torroella e Enric Tormo, estavam entre os grandes contatos de Cabral
durante sua estada em Barcelona como diplomata de
Também em Paisagens com
Figuras, aproximou-se de Enric Tormo no poema “Paisagem Tipográfica”.
Tipógrafo que colaborou com Joan Miró e o grupo Dau al Set, Tormo foi o braço
direito para que Cabral se tornasse o impressor da coleção O Livro Inconsútil.
O seu pequeno texto que encerra O Cavalo de Todas as Cores,
“Xilografía Popular en Cataluña”, é acompanhado pela reprodução de 15 gravuras
do século XVIII de sua coleção particular, das quais duas aparecem na portada
dos livros Acontecimento do Soneto, de Ledo Ivo, e Sonets
de Carnuixa, de Joan Brossa, impressos por Cabral.
Com a transferência para o
consulado geral de Londres, em 1950, Cabral interrompeu a impressão de O
Cavalo de Todas as Cores e dos exemplares de O Livro Inconsútil. No
entanto, a ideia de um periódico ainda não o abandonou. Ao ser nomeado
primeiro-secretário da embaixada brasileira em Madri, em 1961, estimulou a
criação de uma revista que divulgasse a literatura e cultura brasileiras na
Espanha. Surgia assim a Revista de Cultura Brasileña, dirigida pelo
poeta Ángel Crespo, de
Raridade bibliográfica como os
outros impressos de Cabral, O Cavalo de Todas as Cores deve
sair do limbo como testemunho de um período fértil em atuações no meio
intelectual espanhol por parte do poeta de O Cão Sem Plumas.
NOTAS
1. Sobre o poeta espanhol, Cabral publicou
o poema “Fábula de Rafael Alberti” em Museu de Tudo (1975).
2. Cabral, além de dedicar Uma Faca Só Lâmina (1955) a Vinicius, escreveu os poemas “Ilustração para a 'Carta aos Puros' de Vinicius de Moraes”, de A Educação pela Pedra (1966), e “Resposta a Vinicius de Moraes”, de Museu de Tudo (1975). As cartas de Cabral encontram-se no acervo de Vinicius no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa Rui Barbosa.
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• ÍNDICE
ADALBER SALAS HERNÁNDEZ |
Gladys Mendía y la poética del atisbo
ALCEBIADES DINIZ MIGUEL | Raimundo Lúlio e o Livro Móvel
(Questões em torno da desintegração, formal ou
conceitual, da narrativa)
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/07/alcebiades-diniz-miguel-raimundo-lulio.html
ALEXIS
ZALDUMBIDE |
Veintidós libros para aporrear a la peste
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/07/alexis-zaldumbide-veintidos-libros-para.html
ANTÓNIO CÁNDIDO FRANCO |
Três revistas ibéricas: A
Ideia, Salamandra e Flauta de Luz
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/07/antonio-candido-franco-tres-revistas.html
ANTÓNIO LAGINHA | Antidança
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/07/antonio-laginha-antidanca.html
BERTA LUCÍA
ESTRADA | Hasta ahora te creo, de
Maribel Abello Banfi
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/07/berta-lucia-estrada-hasta-ahora-te-creo.html
CARLOS GARAYAR | César Calvo
y la novela de Ino Moxo
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/07/carlos-garayar-cesar-calvo-y-la-novela.html
MADELINE CÁMARA | Henriqueta Lisboa: una poeta en el reino
de lo intemporal
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/07/madeline-camara-henriqueta-lisboa-una.html
AGATHI DIMITROUKA | Bolívar, eres bello como un
griego [Parte 4]
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/07/agathi-dimitrouka-bolivar-eres-bello.html
SUSANA WALD | Recuerdo de sus amigos: Arturo
Schwarz (1924-2021) y Cruzeiro Seixas (1920-2020)
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/07/susana-wald-recuerdo-de-sus-amigos.html
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SÉRIE PARTITURA DO MARAVILHOSO
ARGENTINA | BRASIL | ||
COLOMBIA | CUBA | ECUADOR | |
EL SALVADOR | GUATEMALA | HONDURAS | MÉXICO |
NICARAGUA | PANAMÁ | PERÚ | |
REP. DOMINICANA | URUGUAY | VENEZUELA |
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Agulha Revista de Cultura
UMA AGULHA NA MESA O MUNDO NO PRATO
Número 176 | julho de 2021
Artista convidada: Susana Wald (Hungria, 1937)
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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