terça-feira, 16 de setembro de 2025

Agulha Revista de Cultura # 262 | setembro de 2025

 


∞ editorial | As luzes da criação, os traços da eternidade

 

01 | As luzes que estamos buscando estão além de toda a física, de toda a paisagem, de todos os sonhos. As luzes que nos encontram quando menos esperamos. Quando ouvimos tocar sua flauta Hermeto Pascoal em um improviso que está acima das forças da natureza. Esta imensa criança que trazemos dentro de nós. Não importa que tenha nascido em junho de 1936, canceriano, e que tenha morrido há poucos dias, em um 13 de setembro de 2025. Levou uma eternidade inteira nos dizendo que nunca deixaria de nascer. E assim será: sua música nascerá eternamente a cada audição. Um dia dois poetas escreveram um poema a quatro mãos que finaliza assim:

 

a música que tenho é uma terra de reconhecimentos

sempre regresso a tudo o que desconheço

sempre uma cadeira com asas     e este piano     suas teclas como portas que não param de abrir-se

e a linha de mil olhos que vê o horizonte como se fosse seu mais incrível truque

e a sombra da árvore que dança cada vez que escuto seu  nome

vindo de regresso     carregado do som que deixou para trás

a árvore-pássaro que viaja e que dá frutos

e árvore-vento que é o pássaro e o ninho

a folha e a pluma

a solidão e tu     gritando aparições

deixando surdamente

o grito em que terminas

 

Um dia esses dois poetas – Floriano Martins e Manuel Iris – dedicaram todo um livro à criação automática de uma música infinita que eles tinham em seu íntimo, e naturalmente Hermeto este presente em todas os sons dessas páginas. Hermeto, o bruxo que jamais deixará de nascer. A seu lado outra presença entranhável, Ruben Grilo, gravador de imensidões, de quem já tisse George Kornis, palavras essenciais: A xilogravura contemporânea brasileira recupera, através de Grilo, sua dimensão maior na tradição instaurada pela obra de Oswaldo Goeldi. Essa dimensão – a da obra magistral – tornada hoje uma crescente evidência quando da apreciação do trabalho de Rubem Grilo, resulta de um processo de criação no qual a intensidade produtiva logrou estabelecer o difícil mas possível equilíbrio entre invenção e inteligibilidade. A criação, na gravura de Rubem Grilo, é um tempo de construção/desconstrução imagística na qual o contínuo compor/descompor/recompor do trabalho estabelece a premissa básica da maestria: o eterno aprendizado. Fazer o trabalho para aprender com o trabalho, diz Grilo, situando-se na perplexidade do eterno aprendiz diante do mistério da criação. Essa perplexidade, longe de atenuar-se, só tende a intensificar-se, na crescente complexidade de um trabalho que tem logrado, em sua tensão específica, preservar o compromisso com a invenção sem cair no hermetismo. Palavras verdadeiras, claras, que pedem companhia ao que já disse o próprio artista acerca da criação:  A grande conquista da arte foi tomar consciência de suas questões intrínsecas, de coisas que só dizem respeito a ela. Mas, por outro lado, é complicado reduzir toda a arte a formas, cores, linhas. Porque, ao se expressar, certas pessoas transmitem sua experiência de vida. Acho que passa por uma questão de autenticidade, de ser verdadeiro consigo mesmo e se realizar de acordo com suas necessidades particulares. Estou condicionado a um tipo de cultura e, ao mesmo tempo, tento crescer dentro disso. O que tenho feito até hoje é responder a esta questão. Ter um olhar altamente crítico sobre meu processo, mas, ao mesmo tempo, saber que o caminho tem de ser por onde sinto meu chão. Rubem Grilo (Brasil, 1946). Criador incansável dedicado à xilogravura, através de um expressionismo singular, ele confere ao desenho a base de seu trabalho, e graças a seu traço peculiar procura sempre ir além do plano visual da imagem, buscando a perspectiva humana ou, como ele próprio afirma, espelhando a ideia de que a obra se qualifica pelo grau de impregnação subjetiva que se introduz na matéria. Nossos agradecimentos a Jacob Klintowitz pela presença de Rubem Grilo como artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura.

 

02 | Las luces que buscamos están más allá de toda física, de todo paisaje, de todos los sueños. Las luces que nos encuentran cuando menos lo esperamos. Cuando escuchamos a Hermeto Pascoal tocar su flauta en una improvisación que trasciende las fuerzas de la naturaleza. Este niño inmenso que llevamos dentro. No importa que naciera en junio de 1936, de Cáncer, y que muriera hace apenas unos días, el 13 de septiembre de 2025. Pasó una eternidad entera diciéndonos que nunca dejaría de nacer. Y así será: su música nacerá eternamente con cada escucha. Un día, dos poetas escribieron un poema a cuatro manos que termina así:

 

la música que tengo es una tierra de reconocimientos

siempre regreso a todo lo que desconozco

siempre una silla con alas     y este piano     sus teclas como puertas que no cesan de abrirse

y la línea de mil ojos que mira al horizonte como si fuera su más increíble truco

y la sombra del árbol que baila cada vez que escucho su nombre

viniendo de regreso     cargado del sonido que ha dejado atrás

el árbol-pájaro que viaja y que da frutos

el árbol-viento que es el pájaro y el nido

la hoja y la pluma

la  soledad y tú     gritando apariciones

dejando sordamente

el grito en que terminas

 


Un día, estos dos poetas –Floriano Martins y Manuel Iris– dedicaron un libro entero a la creación automática de una música infinita que llevaban dentro, y, naturalmente, Hermeto está presente en cada sonido de estas páginas. Hermeto, el mago que nunca dejará de nacer. A su lado se encuentra otra presencia entrañable, Rubén Grilo, un grabador de inmensidad, de quien George Kornis ya citó palabras esenciales: La xilografía brasileña contemporánea recupera, a través de Grilo, su mayor dimensión en la tradición establecida por la obra de Oswaldo Goeldi. Esta dimensión –la de la obra magistral–, que se hace cada vez más evidente hoy al apreciar la obra de Rubem Grilo, resulta de un proceso creativo en el que la intensidad productiva ha logrado establecer el difícil pero posible equilibrio entre invención e inteligibilidad. La creación, en el grabado de Rubem Grilo, es un tiempo de construcción/deconstrucción imagística en el que la continua composición/descomposición/recomposición de la obra establece la premisa básica de la maestría: el aprendizaje eterno. Hacer el trabajo para aprender del trabajo, dice Grilo, situándose en la perplejidad del eterno aprendiz ante el misterio de la creación. Esta perplejidad, lejos de disminuir, solo tiende a intensificarse, en la creciente complejidad de una obra que ha logrado, en su específico tensión, para preservar un compromiso con la invención sin caer en el hermetismo. Palabras ciertas y claras, que piden ser acompañadas por lo que el propio artista dijo sobre la creación: El gran logro del arte fue tomar conciencia de sus preguntas intrínsecas, de las cosas que solo le conciernen a él. Pero, por otro lado, es complicado reducir todo el arte a formas, colores, líneas. Porque, al expresarse, ciertas personas transmiten su experiencia de vida. Creo que implica una cuestión de autenticidad, de ser fiel a uno mismo y realizarse según las necesidades particulares de cada uno. Estoy condicionado por un tipo de cultura y, al mismo tiempo, trato de crecer dentro de ella. Lo que he hecho hasta la fecha es responder a esta pregunta. Tengo una mirada muy crítica en mi proceso, pero al mismo tiempo, sé que el camino debe ser donde me sienta arraigado. Rubem Grilo (Brasil, 1946). Creador incansable dedicado a las xilografías, utiliza el dibujo como base de su obra a través de un expresionismo singular. Gracias a su estilo distintivo, siempre busca trascender el plano visual de la imagen, buscando la perspectiva humana o, como él mismo afirma, reflejando la idea de que la obra se cualifica por el grado de impregnación subjetiva que se infunde en el material. Agradecemos a Jacob Klintowitz la presencia de Rubem Grilo como artista invitado en este número de Agulha Revista de Cultura.

 

03 | The lights we seek are beyond all physics, all landscapes, all dreams. The lights that find us when we least expect it. When we hear Hermeto Pascoal play his flute in an improvisation that transcends the forces of nature. This immense child we carry within. It doesn’t matter that he was born in June 1936, of Cancer, and that he died just a few days ago, on September 13, 2025. He spent an eternity telling us he would never stop being born. And so it will be: his music will be eternally born with each listen. One day, two poets wrote a poem together that ends like this:

 

my music is a land of recognitions

I always come back to what I know not

forever a winged chair     and this piano     its keys like doors that keep stretching ajar

and the thousand-eye line that looks at the horizon as if it were its most amazing trick

and the shadow of the tree dancing whenever I hear its name

back once again     loaded with the sound it left behind

the bird-tree that travels and brings forth fruit

the wind-tree is both bird and nest at once

the leaf and the feather

solitude and you     screaming out hauntings

soundlessly leaving

the scream where you come to an end

 


One day, these two poets – Floriano Martins and Manuel Iris – dedicated an entire book to the automatic creation of an infinite music they carried within, and, naturally, Hermeto is present in every sound of these pages. Hermeto, the magician who will never cease to be born. At his side is another endearing presence, Rubén Grilo, an engraver of immensity, of whom George Kornis already quoted essential words: Contemporary Brazilian woodcut recovers, through Grilo, its greatest dimension in the tradition established by the work of Oswaldo Goeldi. This dimension – that of the masterful work – which becomes increasingly evident today when appreciating the work of Rubem Grilo, results from a creative process in which productive intensity has managed to establish the difficult but possible balance between invention and intelligibility. Creation, in Rubem Grilo's engraving, is a time of imagistic construction/deconstruction in which the continuous composition/decomposition/recomposition of the work establishes the basic premise of mastery: eternal learning. Doing the work in order to learn from the work, says Grilo, placing himself in the perplexity of the eternal apprentice before the mystery of creation. This perplexity, far from diminishing, only tends to intensify, in the growing complexity of a work that has achieved, in its specific tension, to preserve a commitment to invention without falling into hermeticism. True and clear words, which demand to be accompanied by what the artist himself said about creation: The great achievement of art was to become aware of its intrinsic questions, of the things that concern only it. But, on the other hand, it is complicated to reduce all art to shapes, colors, lines. Because, in expressing themselves, certain people transmit their life experience. I believe it implies a question of authenticity, of being true to oneself and fulfilling oneself according to one's particular needs. I am conditioned by a type of culture and, at the same time, I try to grow within it. What I have done to date is answer this question. I have a very critical eye on my process, but at the same time, I know that the path must be where I feel rooted. Rubem Grilo (Brazil, 1946). A tireless creator dedicated to woodcuts, he uses drawing as the basis of his work through a singular expressionism. Thanks to his distinctive style, he always seeks to transcend the visual plane of the image, seeking a human perspective or, as he himself states, reflecting the idea that the work is qualified by the degree of subjective impregnation infused into the material. We would like to thank Jacob Klintowitz for the presence of Rubem Grilo as a guest artist in this issue of Agulha Revista de Cultura. 

Los Editores 

 

 

∞ índice

 

ANA CAROLINA MEIRELES | Isabel Meyrelles: visitando o bestiário poético no surrealismo português

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/ana-carolina-meireles-isabel-meyrelles.html

 

FLORIANO MARTINS | A poesia de Thomaz Albornoz Neves + APAGANDO AS PISTAS | Diálogo entre Floriano Martins & Thomaz Albornoz Neves sobre criação

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/floriano-martins-poesia-de-thomaz.html

 

FLORIANO MARTINS | Pequenas luzes sobre a obra de Hilda Mundy | Diálogo con Carmen Bedregal Villanueva y Juan Francisco Bedregal Villanueva

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/floriano-martins-pequenas-luzes-sobre.html

 

FLORIANO MARTINS | Las reflexiones de un artista

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/floriano-martins-las-reflexiones-de-un.html

 

GRACCHO BRAZ PEIXOTO | A vertigem inesperada – A música de Floriano Martins

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/graccho-braz-peixoto-vertigem.html

 

HAROLD ALVARADO TENORIO | El rosario de oro de la poesía de Jorge de Lima

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/harold-alvarado-tenorio-el-rosario-de.html

 

JOSÉ ANTEQUERA ORTIZ | Luis García Morales y el río de siempre que lo acompaña

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/jose-antequera-ortiz-luis-garcia.html

 

MARGARITA DRAGO | La escritura: punto de fuga

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/margarita-drago-la-escritura-punto-de.html

 

PAULA WINKLER | Tres versiones de Franz Kafka

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/paula-winkler-tres-versiones-de-franz.html

 

STYLIANÓS KARAGIÁNNIS | Elogio griego a Juan Ramón Jiménez

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/stylianos-karagiannis-elogio-griego.html



Libreto # 12


ADELTO GONÇALVES | Na Casa de Maria Azenha, de Maria Estela Guedes

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/adelto-goncalves-maria-alzenha-uma.html

 

ANA ARZOUMANIAN | Una ética de lo sensible. Sobre Frikinosis, de Martín Palacio Gamboa

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/ana-arzoumanian-una-etica-de-lo.html

 

BERTA LUCÍA ESTRADA | Sunny intenta amansar una herida, de Juana M. Ramos

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/berta-lucia-estrada-sunny-intenta.html

 

DAVID CORTÉS CABÁN | Paisaje e interioridad en la poesía de Alessio Brandolini

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/david-cortes-caban-paisaje-e.html

 

FLORIANO MARTINS | César Bisso y los pequeños puñales del miedo

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/floriano-martins-cesar-bisso-y-los.html

 

GLADYS MENDÍA | Cecília Meireles y Vaga música (1942): entre la fugacidad y el absoluto

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/gladys-mendia-cecilia-meireles-y-vaga.html

 

LUIS BENITEZ | Eva en barricada, de Sandra Flores Ruminot

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/luis-benitez-eva-en-barricada-de-sandra.html 


DOCUMENTA Poesia brasileira


ADÉLIA PRADO (1935) | https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/adelia-prado-1935.html

ALICE SANT’ANNA (1988) | https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/alice-santanna-1988.html

MARCELO ARIEL (1968) | https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/marcelo-ariel-1968.html

MARIO QUINTANA (1906-1994) | https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/mario-quintana-1906-1994.html

NÍSIA FLORESTA (1810-1885) | https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2025/09/nisia-floresta-1810-1885.html 


Rubem Grilo


Agulha Revista de Cultura

Número 262 | setembro de 2025

Artista convidado: Rubem Grilo (Brasil, 1946)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/

http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/

FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 




 

Nenhum comentário:

Postar um comentário