Originalmente publicado na revista Acrobata, Piauí, junho de 2020
Aproveitando o clima de isolamento social e
a vontade de não se render à inércia, principalmente do ato criativo, nós (Anna
Apolinário & Demetrios Galvão) convidamos o nosso querido amigo Floriano
Martins para bater um papo sobre os diversos aspectos de sua vida/linguagem,
explorando nessa conversa de “mesa de bar” os muitos ofícios criativos de sua
carreira literária (poeta, ensaísta, tradutor, editor, artista plástico etc.).
A conversa aconteceu com os três em diferentes Estados do Nordeste, Floriano (Fortaleza/CE),
Anna (João Pessoa/PB) e Demetrios (Teresina/PI). Curiosamente, o clima estava
acolhedor nas três cidades, longe do calor habitual. O papo seguiu leve e numa
cumplicidade criativa, ao fundo tocava uma banda de blues “Too Mutz Blues”,
Anna tomava uma cerveja preta, Demetrios ficou no cafezinho e Floriano,
preferiu uma cerveja artesanal, clara. Mas antes de seguir a diante, precisamos
apresentar o nosso entrevistado.
Floriano Martins
(Fortaleza, 1957). Poeta, editor, ensaísta, artista plástico e tradutor. Criou
em 1999 a Agulha
Revista de Cultura, revista de circulação pela Internet. Coordenou
(2005-2010) a coleção “Ponte Velha” de autores portugueses da Escrituras
Editora (São Paulo). Atualmente dirige o selo ARC Edições, bem como a coleção
“O amor pelas palavras”, juntamente com Leda Rita Cintra, uma parceria, de
circulação exclusiva pela Amazon, entre ARC Edições e Editora Cintra. Organizou
algumas mostras especiais dedicadas à literatura brasileira para revistas em
países hispano-americanos. Trabalha ainda com fotografia, colagem e design,
tendo realizado exposições e capas de livros. Curador da Bienal Internacional
do Livro do Ceará (Brasil, 2008), e membro do júri do Prêmio Casa das Américas
(Cuba, 2009), Concurso Nacional de Poesia (Venezuela, 2010) e Prêmio Anual da
Fundação Biblioteca Nacional (Brasil, 2015). Professor convidado da
Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos, 2010). Tradutor de livros de
Federico García Lorca, Guillermo Cabrera Infante, Vicente Huidobro, Hans Arp,
Alfonso Peña, Juan Calzadilla, Enrique Molina, Jorge Luis Borges, Aldo
Pellegrini e Pablo Antonio Cuadra. Entre seus livros mais recentes se
destacam: Um novo
continente – Poesia e surrealismo na América (ensaio, Brasil,
2016), O iluminismo é
uma baleia (teatro, Brasil, em parceria com Zuca Sardan,
2016), A grande obra
da carne (poesia, Brasil, 2017) e Antes que a árvore se feche (poesia
completa, 2020).
1) Em sua obra,
de que maneira a criação poética dialoga com o tempo e espaço, como o mundo
visível se desloca (e se transforma) através de sua sensibilidade criadora?
FM | Acho que podemos começar pela música,
que se entranha em minha vida e desloca os sentidos usuais de tempo e espaço. O
mundo visível de algum modo é uma projeção do invisível, sendo fruto em
essência de nossa percepção. Somos aquilo que sentimos, ou melhor, o que
nomeamos, de diversas maneiras, com todos os seis sentidos. Criar é, portanto,
uma decorrência natural desse estar no mundo. O que chamas de minha obra é um
caudal de elementos que incluem o poema, a prosa, o ensaio, a tradução, a
fotografia, a letra de música, assim que o diálogo com as forças do visível e
do invisível constantemente se multiplica por essas regiões todas. Como o
próprio viver, é a soma de todas linhas do horizonte.
2) A partir de
que fagulhas o poeta demiurgo ergue os seus próprios universos e como se revela
para você o sentido de alteridade no fazer poético?
FM | Não há criação sem alteridade,
considerando que através da criação buscamos tocar o outro que levamos dentro
de nós. É algo tão lugar-comum que acabamos por perder a noção de seu
expressivo significado. O criador que não seja um demiurgo é um fazedor de arte,
naquela dimensão pueril de quem domina um instrumento e recorta no papel, na
tela, na partitura os possíveis truques da linguagem. Truques que, no entanto,
não vão além de uma retórica sem brilho. Quanto às minhas fagulhas, elas se
espalham pelos universos que me percorrem a existência, inicialmente em um
plano abstrato, centelhas da visão e da memória, mas logo um tear de
configurações que revelam o que está por trás da ideia errática de destino. O
que crio é tudo o que sou.
3) Você é
conhecido no Brasil por pertencer a tradição surrealista e ser bastante atuante
nesse campo. Mas, em que momento da sua caminhada literária houve o despertar
para a literatura surrealista produzida nas Américas? Comenta esse ponto que
também marca a sua atuação com traduções, pesquisas e ensaios?
FM | O vínculo com o Surrealismo possui
certa carga de imprecisão e em geral se casa com a minha dedicação ao tema,
como estudioso. Não resta dúvida de que o Surrealismo é a mais influente
corrente das vanguardas da primeira metade do século XX que percorreu o mundo
inteiro. Sua chegada na América se dá primeira trazida pelo exílio de muitos
artistas europeus em face da 2ª Guerra Mundial. De modo que talvez caiba evocar
o rio subterrâneo da história o Surrealismo já havia sido trazido por artistas
americanos (da América e não dos Estados Unidos, bem entendido) que tomaram
conhecimento com ele através de viagens e a compra de revistas e livros. A
distinção que se deu, em traços livres, tem a ver com um choque de sentidos, ou
seja, enquanto que na Europa se estava vivendo uma época de negação da
história, na América o que ganhava corpo e espírito era o inverso, a
necessidade de se criar uma história própria. Nos dois casos, ou duas direções,
as sementes eram as mesmas, a descoberta de um mundo maravilhoso na criação, a
fecunda correnteza do espectro humano, as mil vidas que o homem começa a tatear
em seu interior. É impressionante a força que vemos saltar da poesia de Aimé
Césaire, César Moro, Enrique Molina, Ludwig Zeller, talvez os maiores
surrealistas em nosso continente. Na medida em que fui compreendendo essa
distinção entre a atuação do Surrealismo nos dois continentes, me senti tomado
por dever cósmico de reunir o que até então estava posto em cena de modo
disperso, o que acabou resultando na edição do livro Um novo continente,
aventura que tem início na publicação de um pequeno ensaio intitulado O começo
da busca, que logo viria a batizar um livro, passando por edições de duas
antologias da poesia surrealista na América Latina, publicadas na Costa Rica e
na Venezuela, até que o território seja ampliado, incluindo finalmente a
criação poética no Caribe, Estados Unidos e Canadá. Quanto à indagação de seu
ponto de partida, embora eu já houvesse lido e traduzido poemas e ensaios de autores
surrealistas, um dia tive a ideia, por conta de meu fascínio pela tradição
lírica hispano-americana, de montar uma antologia de largo fôlego. Dedicado à
sua pesquisa foi se tornando para mim cada vez mais claras as relações entre
barroco e surrealismo, como essas duas correntes se fundiam e estabeleciam
nessa parte do continente um mundo bastante peculiar e relevante. A partir daí
é que comecei a me ocupar mais sistematicamente do Surrealismo.
4) O seu
trabalho é bastante complexo – poeta, ensaísta, tradutor, editor, design – uma
relação com vários campos que envolvem a palavra, a imagem, o livro e a
estética. Quando entendeu que iria trabalhar em todos esses campos? Como isso
foi se desenvolvendo na sua trajetória?
FM | Não sei se é possível determinar, como
uma decisão bem pesada, algo que por mais ambicioso que possa parecer é na
verdade a expressão do que chamo de volúpia existencial. Na infância eu
desenhava e fazia colagens, bem antes de escrever. Desconfio que haja uma
espécie de truque magnético que nos aproxima de circunstâncias que vão ajudar a
definir nosso caráter. Em casa meus pais ouviam muita música. Minha mãe tinha
uma coleção de fotonovelas baseadas em clássicos da literatura. Meu pai, por
sua vez, possuía uma vasta biblioteca, verdadeiramente caótica, expressão de um
curioso por uma infinidade de assuntos. Tudo isto me beneficiou muito. Na
adolescência o encontro com amigos ligados à música me deu mais uma janela, que
se ampliou pelos territórios do teatro. Três coleções fasciculadas enchiam meus
dias de uma aventura que parecia não ter fim: Povos & Países, Teatro Vivo e
Gênios da Pintura. Antes disto, a chegada da televisão, os gibis e as idas com
meu pai ao circo e ao cinema, foram peças valiosas. O mais curioso é que o
poema foi o penúltimo elemento a compor esse panorama fecundo de minha
formação. Digo penúltimo porque ali por volta de meus 30 anos o amigo Sérgio
Campos me apresenta a ópera, ocasião em que víamos e discutíamos diversas obras
de Verdi, Puccini e Wagner. Certamente essa mescla despudorada deu à minha
poesia sua característica sinfônica.
5) Há muito
tempo nós acompanhamos o seu trabalho à frente da importante Agulha Revista de Cultura, que
recentemente completou 20 anos e chegou ao número 151. Uma publicação que vem
desafiando o tempo e mostrando seu fôlego e persistência em continuar editando.
Como você vê essa trajetória da revista que é uma das revistas eletrônicas mais
longevas do cenário brasileiro e mundial.
FM | Como não tenho talento para a falsa
modéstia, posso dizer abertamente que criamos um veículo que pouco a pouco foi
se tornando um centro magnético e de afoiteza e reverberação das artes e
cultura em todo o mundo. Recentemente descobri que a revista circula em 294
países, o que reflete o que digo, pois de outro modo, sem a sua força
inovadora, sem o seu elenco de colaboradores e temas, jamais teríamos chegado
aqui. Sempre conversamos, Márcio Simões e eu, sobre essa condição mágica da
revista, que certamente vem de sua dedicação ao espectro mais amplo da criação,
bem como à defesa da livre manifestação do pensamento. Fomos também
precursores, bem sei, surgimos em um momento em que a Net não possuía ainda
credibilidade alguma. Recordo casos curiosos, naturalmente sem citar nomes, de escritores
brasileiros que não quiseram ter ali seus textos veiculados, tamanho a
dependência de uma era impressa. Dois obstáculos que acabamos por converter em
estímulos dizem respeito à forma de divulgação – ainda recordo o trabalho que
nos deu criar um primeiro mailing substancioso que permitisse a revista
circular – e à rejeição da parte da mídia impressa a esta nova forma de
comunicação. Por vezes nos sentíamos tentados a partir para a edição em papel,
o que não fazia sentido, porque rapidamente fomos ampliando o mailing, entrando
em contato com editores de revistas em outros países etc. No Brasil, no
entanto, sempre houve certa resistência, quase nunca tivemos uma nota sobre a
revista na mídia impressa, nem mesmo quando ganhamos um prêmio da ABCA como melhor
veículo difusor das artes no país.
6) Uma outra
frente de atuação sua são as publicações de livros pelos selos ACR/Cintra, com
autores importantes do Brasil, América Latina e Portugal, pouco conhecidos do
grande público. Ficamos sabendo que o catálogo editado por você está chegando
ao livro número 70. Como tens conseguido publicar tantos livros?
FM | O trabalho editorial é também parte
relevante e inseparável desse caráter de que falei anteriormente, ou seja, está
ao dia com o altruísmo por vocês mencionado. Já na adolescência editei com
amigos uma revista, depois vieram outros, assim como jornais, até chegar a hora
de ser possível editar livros. Primeira experiência de fôlego foram os 30
livros – entre obras completas, antologias e livros individuais – de autores de
língua portuguesa que integraram a coleção “Ponte Velha” da Escrituras Editora,
coleção sob minha coordenação. Em seguida criei a ARC Edições e comecei a
editar livros de autores como Cruzeiro Seixas, Sérgio Campos, Péricles Prade.
Quando conheci a Leda Cintra, da Editora Cintra, em uma primeira troca de
olhares surgiu a ideia de aventurarmo-nos por mais um território espinhoso, o
da criação de uma coleção de livros virtuais de circulação pela Amazon.
Começamos a coleção “O amor pelas palavras” com um volume que reúne algumas das
principais entrevistas de Jorge Luis Borges. Seguiram-se livros de Jacob
Klintowitz, Roberto Piva, Susana Wald, Alfonso Peña, Zuca Sardan, Menalton
Braff, Vicente Huidobro, Ludwig Zeller, Aldo Pellegrini, Eduardo Mosches,
Nicolau Saião, Allan Graubard, Geraldo Ferraz, H. P. Lovecraft, Maria Estela
Guedes, Monteiro Lobato, Ester Fridman, Claudio Willer, Leila Ferraz, Renée
Ferrer, dentre inúmeros outros, até que chegamos ao volume 70, com a poeta e
ensaísta colombiana Berta Lucía Estrada. Publicar verdadeiramente não é
problema. Qualquer autor, em qualquer parte do mundo, tem interesse na
publicação de seus livros. O que importa aqui é o garimpo, hora em que todo
editor deve partir de escolhas incondicionais. Leda e eu fazemos tudo, garimpo,
revisão, formatação, design, capa e difusão. Trabalho de doidos? Sim,
assumimos.
7) Entre as tuas
tantas facetas como artista aqui já citadas, há também o compositor, o
fotógrafo, e no campo literário, existe também o romancista?
FM | Voltamos àquelas fagulhas iniciais ou
ao que chamei de gula existencial. Detalhemos então. Não sou compositor e sim
letrista. Aquele convívio com gente da música na adolescência – ali surgiram e
mantêm até hoje algumas de minhas mais sólidas amizades – me enchia de vontade
de ter letras minhas musicadas, incluídas no repertório de shows e discos. No
entanto, era visível a minha falta de talento. Décadas depois é que fui
desafiado pelo compositor Mário Montaut a colocar letras em algumas de suas
melodias, o que acabou gerando um disco nosso, do qual também participou a
cantora Ana Lee. A partir dali eu comecei também a fazer músicas com ela. O
fotógrafo surge quando começou a me inquietar o fato de que eu usava material
plástico de terceiros para fazer as minhas colagens. Passei então a fotografar
todo um acervo de imagens, além de com isto descobrir que eu me identificava
mais com a técnica da sobreposição. Quase que simultaneamente aflora o jeito
para fazer maquetes, o que acaba tornando possível a criação de ensamblagens e
quadros vivos. A cenografia é arte que me desperta profundo interesse e
certamente um dia ainda farei algo nessa direção. Porém, tudo de modo atípico,
como a própria novela que escrevi há alguns anos, Sobras de Deus. Romance? Sim,
comecei a escrever um, mas é algo ainda preambular. Deixemos rolar.
8) Descobrimos
recentemente que já fez mais de 100 capas de livro, explica pra gente esse teu
trabalho como capista de livros, quais as técnicas que gostas de explorar na
criação das capas?
FM | A fotografia me permitiu expandir
experiências baseadas em cartazes, capas de disco e livro, grafites, de modo
que não há muito mistério aí, ou seja, eu mantenho abertas as minhas
perspectivas de sobreposição, os truques com ensamblagens, maquetes, colagens…
Este é um trabalho que foi visitando distintos traçados, alguns instigados pelo
poeta e dramaturgo Zuca Sardan, com quem escrevi uma série de peças de teatro a
quatro mãos, o que chamamos de teatro automático. Zuca é um exímio desenhista,
com seu pastiche descarado, sua turbulência patafísica, que me proporcionou uma
das mais vertiginosas aventuras criativas, e comecei a criar e fotografar cenas
de teatro para acompanhar as nossas peças. Tenho em planos montar um grande
museu virtual tridimensional, mas esta é outra conversa.
9) No livro Overnight Medley, escrito com o Manuel
Iris, os poemas têm uma relação direta com a música, principalmente com o jazz.
Que influência a música tem no seu trabalho?
FM | Já no princípio de nossa conversa
toquei neste assunto. Poderia evocar aqui três particularidades. A primeira
delas é que sempre escrevi ouvindo música, anteriormente criando uma espécie de
ambiente ritualístico, hoje manifesto de modo espontâneo – identifico livros
meus que foram escritos sob efeito desta ou daquela música. Ao ler um ensaio de
Milan Kundera sobre Beethoven, percebi a minha afinidade com estruturas
sinfônicas, o que me deu uma leitura mais intensa de minha própria poética;
elementos como intervalos, polifonia, contrastes passaram a interagir de modo
consciente na criação. Por último a intensificação rítmica trouxe consigo uma
clareza na expressão das imagens que me foram afastando de uma tendência
inicial para a escrita fechada, cifrada, com sua desnecessária carga de
hermetismo. Graças à música fui intensificando a corrente erótica e o enlace
com a própria experiência de vida, o que me transportou para o centro do poema,
na condição de seu protagonista. Quanto ao livro escrito com o poeta mexicano
Manuel Iris, possui a sua magia desde o momento em que surgiu. Recordo, quando
estive em Cincinnati, como professor convidado de uma universidade
estadunidense, que o Manuel veio me mostrar um poema seu dedicado, salvo engano
dedicado ao Charlie Parker. Ao final daquele trimestre nevado, ao voltar para
casa me veio a ideia de lhe propor um desafio de escrita automática. Em uma
conversa através de e-mail, prontamente aceita a ideia, fomos identificando os
temas que seriam improvisados, uma série de poemas para cada um de nós.
Escolhidos os músicos, dali passamos à criação. Em seguida, passamos ao desafio
maior, o da escrita a quatro mãos, não mais dedicada a músicos, mas sim a
algumas músicas. Na medida em que escolhíamos a peça, acessávamos o Messenger e
começávamos a aventura, cada um em sua casa ouvindo a mesma música enquanto
durasse a escrita. Lembro que nesta ocasião eu estava em Sidney, na casa de
minha filha. Ao final, incluímos ainda no livro uma quarta parte, diálogo entre
os dois poetas refletindo todo o processo de criação. O livro acabou sendo
publicado como uma peça única e trilíngue, como uma partitura sinfônica do mais
puro jazz. Foi uma das experiências mais ricas de minha vida.
10) Sobre as
expressões artísticas de mulheres no Surrealismo, como estudioso e pesquisador,
quais teus principais apontamentos?
FM | A partir de minha pesquisa sobre os
deslocamentos contínuos do Surrealismo por todo o planeta, o modo como ele foi
sendo ampliado de acordo com a cultura de cada região, essa força maravilhosa
que fez com que o movimento resistisse aos dogmas estipulados na origem, foi se
tornando bem nítida a presença de uma misoginia no núcleo central do
Surrealismo. A própria descrição da mulher como idealização de um modelo
devocional impunha um desacordo com os princípios modelares do Surrealismo, sua
defesa do tripé poesia, amor e liberdade. Senti então a necessidade de destacar
que a presença da mulher no Surrealismo foi de algum modo interditada, sendo
imperativo apontar seus danos e trazer ao centro um sem número de grandes
criadoras espalhadas pelo mundo. Desnecessário dizer que foi constante o meu
espanto feliz diante das mais variadas descobertas. O livro, que se chama 120 noites de Eros, foi concluído há
pouco e aguarda o momento precioso de sua publicação.
11) Nesse momento
de pandemia e de isolamento social, como tem sido a sua produção e o que está
preparando como novos trabalhos?
FM | Sinceramente, não alterou muito o meu
cotidiano. Tenho estúdio em minha casa, de modo que sigo trabalhando em todos
os projetos com a mesma intensidade. Evidente que causa outros danos, como a
súbita invisibilidade de alguns clientes e a brutal sensação de proibição de
deslocamentos, impondo uma barreira à feliz relação que mantemos com filho,
nora e duas netas que moram aqui em Fortaleza. A minha vida, como certa vez
apontou o mexicano José Ángel Leyva, ao prefaciar e editar um livro meu, Tres estudios para un amor loco (2006),
sempre transcorreu na rede. Pela própria fluência internacional que foi
aflorando em meu trabalho, a Net passou a ser a minha usina de vasos
comunicantes.
12) Qual o
transcurso do entranhamento da poesia à tua vida e como você conjuga as atividades
ligadas à poesia (traduções, ensaios, edição da revista etc.) e as demandas da
vida familiar (companheira, filhos, netos)?
FM | Este mundo todo de experiência vital
não funciona por determinação isolada, ele é fruto de uma sinceridade e
afinidade constantes. O único momento complicado foram os 15 anos em que
praticamente isolei a criação em face de um trabalho insano que permitisse a criação
dos filhos. Mesmo aí havia essa correspondência incondicional de apostas na
vida como um todo, na minha relação com Socorro e nos desdobramentos vários.
Bem-criados, os filhos ampliaram nosso acervo afetivo, espiritual, trouxeram
genro, nora e netos, cuja afinidade é magnífica e até mesmo a distância que nos
separa, pois metade da família mora na Austrália, é parte de um mistério perene
que dia a dia revelamos na exata proporção em que ele também nos revela.
Portanto, queridos, a conjugação da vida está determinada pelo modo como
descobrimos a respiração e a mecânica dos demais sentidos. Ou tornamos tudo
natural ou algum fiapo tratará de comprometer a existência.
1989 A POÉTICA DO PARADOXO [Entrevista concedida a Sérgio Campos]
1996 A FAVOR DO CONTRA [Entrevista concedida a Lira Neto]
1997 O TEATRO E O ATENEU: Breve introdução à poesia de Floriano Martins [Carlos Felipe Moisés]
1998 A MODERNIDADE NÃO É UM CADERNO DE RECEITAS [Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão]
1998 A NECESSIDADE DA POESIA [Entrevista concedida a Emmanuel Nogueira]
1998 CONTINENTE DE POETAS [Wilson Martins]
1998-2010 FRAGMENTOS ROUBADOS AO TEMPO [Preparado por Márcio Simões]
1999 FLORIANO MARTINS TRAZ POETAS HISPANO-AMERICANOS AO BRASIL [Entrevista concedida a José Castello]
1999 UN LIBRO QUE UNE Y ESCUDRIÑA [Carlos Germán Belli]
2000 OS TORMENTOS DO VERBO E DA IMAGEM NA ESTRUTURA DA ALMA [Eric Ponty]
2002 AS MANIFESTAÇÕES SURREALISTAS NA AMÉRICA LATINA [José Castello]
2002 HUMANISMO POÉTICO [Entrevista concedida a Fabrício Carpinejar]
2002 MÉXICO Y BRASIL BUSCAN ACERCARSE A TRAVÉS DE LA POESÍA CONTEMPORÁNEA [Rodrigo Flores]
2002 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Rodrigo Petronio]
2002 UM OLHAR NA POESIA [Entrevista concedida a Carmen Virginia Carrillo]
2002 VOZES EM CONFLUÊNCIA [Maria Esther Maciel]
2003 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Entrevista concedida a Rodrigo Petronio]
2003 PALAVRAS PRELIMINARES [Entrevista concedida a Jorge Ariel Madrazo]
2004 SÁBIO IMPREVISTO [Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria]
2004 UMA AGULHA NA REDE DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]
2005 SOMOS O QUE BUSCAMOS [Entrevista concedida a Ana Marques Gastão]
2005 VERTIGENS DO OLHAR: autorretratos [Floriano Martins por Floriano Martins]
2006 A OUTRA MÁQUINA DO MUNDO [Entrevista concedida a Belkys Arredondo]
2008 FESTA DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Anderson Sandes]
2008 UMA CONVERSA COM O CURADOR DA 8ª BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ [Entrevista concedida a Lira Neto]
2009 A INOCÊNCIA DE FLORIANO MARTINS. INOCÊNCIA? [Jacob Klintowitz]
2010 ÀS VOLTAS COM O LIVRO-OBJETO E SUAS SOMBRAS [Entrevista concedida a Madeline Millán]
2010 CIBERCULTURA EN TIEMPOS DE ANALFABETISMO GLOBAL [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]
2010 NASCENDO TODOS OS DIAS [Entrevista concedida a Manuel Iris]
2010 OPÇÃO PELA DISSIDÊNCIA [Entrevista concedida a Márcio Simões]
2010 TODAS AS COISAS À MINHA VOLTA [Entrevista concedida a Adlin Prieto]
2011 CRÍTICA E RUPTURA: a inocência de pensar de Floriano Martins [Teresa Ferrer Passos]
2011 PARTICIPAÇÃO POÉTICA [Entrevista concedida a Márcio Simões]
2013 QUE HOMEM É ESSE? [Entrevista concedida a Oleg Almeida]
2015 O LUGAR QUASE LASCIVO DE UMA AMBIGUIDADE [Entrevista concedida a Renata Sodré Costa Leite]
2016 AVENTURAS DA POESIA NO TEMPO: o inteiro continente revelado [R. LeontinoFilho]
2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 01 [Alfonso Peña & Floriano Martins]
2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 02 [Omar Castillo & Floriano Martins]
2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 03 [José Ángel Leyva & Floriano Martins]
2016 LOS NAVEGANTES DE LA PARADOJA [Entrevista concedida a Alfonso Peña]
2016 UM NOVO CONTINENTE [Marco Lucchesi]
2017 À LUZ DO PARADOXO [Entrevista concedida a Leila Ferraz]
2017 FLORIANO MARTINS, POETA E DEMIURGO [Claudio Willer]
2020 | DIÁLOGO CON FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Berta Lucía Estrada]
2020 | FLORIANO MARTINS: Todos somos marginados a la sombra de lo desconocido | [Entrevista concedida a Elys Regina Zils]
2020 UMA CONVERSA COM FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Anna Apolinário & Demetrios Galvão]
2021 UNA PRESENTACIÓN DE LA OBRA DE FLORIANO MARTINS [José Alcántara Almánzar]
2021 VOCAÇÃO DIALOGANTE [Entrevista concedida a Maria Estela Guedes]
2022 DE ITARARÉ A UMA DEAMBULAÇÃO CONTÍNUA: Conversa com Floriano Martins sobre o Surrealismo no Brasil [Entrevista concedida a Anderson Costa & Elys Regina Zils]
2023 | FLORIANO MARTINS E O MARAVILHOSO TUMULTO DE SUA VIDA | Roda de imprensa, várias vozes
2023 A OUTRA VOZ DO TEMPO: Cronologia de vida e obra [Preparada por Floriano Martins & Márcio Simões]
OBRA ENSAÍSTICA PUBLICADA
El corazón del infinito. Tres poetas brasileños. Trad. Jesús Cobo. Toledo: Cuadernos de Calandrajas, 1993.
Escritura conquistada. Diálogos com poetas latino-americanos. Fortaleza: Letra & Música, 1998.
Escrituras surrealistas. O começo da busca. Coleção Memo. Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1998.
Alberto Nepomuceno. Edições FDR. Fortaleza. 2000.
O começo da busca. O surrealismo na poesia da América Latina. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2001.
Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra América. San José de Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2004.
Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra América. Caracas, Venezuela: Monte Ávila Editores, 2008.
A inocência de Pensar. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2009.
Escritura conquistada. Conversaciones con poetas de Latinoamérica. 2 tomos. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2010.
Invenção do Brasil – Entrevistas [edição virtual]. São Paulo: Editora Descaminhos, 2013.
Esfinge insurrecta – Poesía en Chile [edição virtual, em coautoria com Juan Cameron]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.
Un poco más de surrealismo no hará ningún daño a la realidad. México: UACM – Universidad Autónoma de la Ciudad de México, 2015.
Sala de retratos. São Paulo: Opção Editora, 2016.
Um novo continente – Poesia e Surrealismo na América. Fortaleza: ARC Edições, 2016.
Valdir Rocha e a persistência do mistério. Fortaleza: ARC Edições, 2017.
Laudelino Freire. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2018.
Escritura conquistada – Poesía hispanoamericana. Fortaleza: ARC Edições, 2018.
Visões da névoa: o Surrealismo no Brasil. Natal: Sol Negro Edições, 2019.
120 noites de Eros. Fortaleza: ARC Edições, 2020.
TRADUÇÕES
Poemas de amor, de Federico García Lorca. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.
Delito por dançar o chá-chá-chá, de Guillermo Cabrera Infante. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.
Nós/Nudos, de Ana Marques Gastão (edição bilíngue). Lisboa: Gótica, 2004.
A condição urbana, de Juan Calzadilla (edição bilíngue). Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2005.
Dentro do poema – Poetas mexicanos nascidos entre 1950 e 1959, Org. Eduardo Langagne. Fortaleza: Edições UFC, 2009.
A aventura literária da mestiçagem, de Pablo Antonio Cuadra (em parceria com Petra Ramos Guarinon). Fortaleza: Edições UFC, 2010.
III novelas exemplares & 20 poemas intransigentes, de Vicente Huidobro & Hans Arp. Natal: Sol Negro Edições/São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2012.
Sobre Surrealismo, de Aldo Pellegrini (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2013.
Memória de Borges – Um livro de entrevistas (2 volumes). São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2013.
Bronze no fundo do rio, de Miguel Márquez (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2014.
Tremor de céu, de Vicente Huidobro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2015.
Costumes errantes ou a redondeza da terra, de Enrique Molina (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2016.
Reino de silêncio, de Mía Gallegos (edição bilíngue). Teresina: Kizeumba Edições, 2019.
Traduções do universo, de Vicente Huidobro. Natal: Sol Negro Edições, 2016.
O álcool dos estados intermediários, de Gladys Mendía. Santiago: LP5 Editora, 2020.
A tartaruga equestre, de César Moro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2021.
∞
Agulha Revista de Cultura
Criada por Floriano Martins
Dirigida por Elys Regina Zils
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
1999-2024
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