domingo, 21 de janeiro de 2024

2009 | A INOCÊNCIA DE FLORIANO MARTINS. INOCÊNCIA? | Jacob Klintowitz

Prefácio de A inocência de pensar (São Paulo: Escrituras Editora, 2009)

 

De alguma maneira, para certas pessoas, pensar é uma atividade natural. Certamente não para muitas pessoas. Em Floriano Martins esta atividade rara não só é natural, como nos lembra a natureza. Estamos no terreno da estranheza. É possível que pensar faça parte da natureza, e, se assim for, é a natureza capaz de refletir sobre a própria natureza. Um espelho dotado de vontade própria. Entretanto, não é desta maneira que associo Floriano Martins à natureza, eu o faço por seu movimento incessante, contínuo e sem pausa. Uma dessas surpreendentes e imensas quedas d’água brasileiras. Floriano Martins descreve o seu tema inicialmente de maneira suave e o vai ampliando quase sem nos avisar, para transformá-lo, de repente, num feroz caudal de referências, marcos históricos, signos locais e significações universais.

O escritor não perde jamais a perspectiva de que o seu tema é, no fundamental, o ato humano da criação e a reação dos homens quando situados na circunstância e diante do essencial, com a grandeza ou a fraqueza que ela propicia emergir. Neste sentido, o do foco, é admirável o quanto um autor tão armado de referências e de forte posicionamento cultural, consegue manter-se cordial. Uma ou outra seta irônica, uma mordacidade aqui ou acolá, e é suficiente para saciar a sua fome de justiça.

O interesse de Floriano Martins concentra-se nos escritores, nos poetas, nos artistas plásticos, nos líderes culturais, no movimento social da cultura, nas perspectivas e tendências da consciência nos séculos XX e XXI, na integração possível entre os vários países da América, no frágil intercâmbio entre os idiomas espanhol e português, na interpenetração entre a cultura erudita e a popular, na política exterior dos países e a sua relação com a valorização das manifestações artísticas. Podemos dizer que nós, leitores, por nossa vez, terminamos por nos interessar, além da especificidade de cada texto, por esta figura autoral carismática e renascentista.

Às vezes cabe a dúvida se Floriano Martins age como um humanista renascentista em seu longo discurso em busca da razão, ou se, oculto no seu equilíbrio formal, não existirá um missionário que se autoelegeu para a desesperada tarefa de civilizar a humanidade. Não discordarei dos que acreditam que as duas atitudes sejam, na verdade, uma só, dois aspectos da mesma postura do homem especialmente dotado que fala sem cessar, para não se calar em definitivo.

O “método florianesco” de análise obedece a um ritual bem estabelecido, e isto vale para os ensaios ritmados, as entrevistas inquietantes e as impacientes breves anotações. Floriano Martins descreve com minúcias o seu assunto, numa delicada atenção ao leitor. Cerca o seu tema de opiniões variadas de ilustres figuras, fazendo questão de colocar as citações num contexto esclarecedor balizados pela análise estilística e o factual histórico e, finalmente, tendo introduzido aqui e ali iluminações sobre a obra estudada, já nos apresentando a sua verdade, fecha o texto num ápice no qual cabe apenas um foco de luz e um só objeto iluminado. Este é o percurso habitual de seu inocente pensar e nele, reconheçamos, cabe o sentimento do mundo.

Esta citação de Drummond, um dos objetos de sua acurada atenção, não é por acaso, pois em Floriano Martins perpassa o mistério da amorosidade. Eis ai um escritor que gosta de escritores e um poeta – a parte essencial de sua vida de artista – que se comove com a poesia alheia. É o que ele busca nos seus heróis, e é o que ele encontra. A sua análise é respeitosa, já que ele concentra-se na linguagem e na criação. E é esclarecedora, pois é ampla na narração do percurso do artista e na pesquisa sobre o artista. Tenho para mim que Floriano Martins estabelece a sua análise crítica, pois sempre se trata disto, de uma maneira inovadora porque, ao invés da sentença, ele prefere o retrato do artista. Num texto pleno de meios tons, áreas iluminadas, áreas em sombras coloridas, o autor cria retratos. Um pouco à maneira dos mestres, especialmente Velásquez. Um ensaísta transgressor.

Certamente estes ensaios transgressores, o são na originalidade, estão acrescidos pelo decidido ponto de partida de Floriano Martins: ele é a favor da linguagem, da criatividade e da invenção. Nos seus textos não há dúvidas sobre a validade da cultura, sobre a necessidade da poesia num planeta em guerras permanentes ou sobre a legitimidade da cultura ocidental, para ele, no seu ponto extremo, uma cultura de mestiçagem. Para Floriano Martins, poeta, escritor, tradutor, músico, artista plástico, o único lugar habitável é a utopia.

 

 


 

1989 A POÉTICA DO PARADOXO [Entrevista concedida a Sérgio Campos]

1996 A FAVOR DO CONTRA [Entrevista concedida a Lira Neto]

1997 O TEATRO E O ATENEU: Breve introdução à poesia de Floriano Martins [Carlos Felipe Moisés]

1998 A MODERNIDADE NÃO É UM CADERNO DE RECEITAS [Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão]

1998 A NECESSIDADE DA POESIA [Entrevista concedida a Emmanuel Nogueira]

1998 CONTINENTE DE POETAS [Wilson Martins]

1998-2010 FRAGMENTOS ROUBADOS AO TEMPO [Preparado por Márcio Simões]

1999 FLORIANO MARTINS TRAZ POETAS HISPANO-AMERICANOS AO BRASIL [Entrevista concedida a José Castello]

1999 UN LIBRO QUE UNE Y ESCUDRIÑA [Carlos Germán Belli]

2000 OS TORMENTOS DO VERBO E DA IMAGEM NA ESTRUTURA DA ALMA [Eric Ponty]

2002 AS MANIFESTAÇÕES SURREALISTAS NA AMÉRICA LATINA [José Castello]

2002 HUMANISMO POÉTICO [Entrevista concedida a Fabrício Carpinejar]

2002 MÉXICO Y BRASIL BUSCAN ACERCARSE A TRAVÉS DE LA POESÍA CONTEMPORÁNEA [Rodrigo Flores]

2002 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Rodrigo Petronio]

2002 UM OLHAR NA POESIA [Entrevista concedida a Carmen Virginia Carrillo]

2002 VOZES EM CONFLUÊNCIA [Maria Esther Maciel]

2003 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Entrevista concedida a Rodrigo Petronio]

2003 PALAVRAS PRELIMINARES [Entrevista concedida a Jorge Ariel Madrazo]

2004 SÁBIO IMPREVISTO [Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria]

2004 UMA AGULHA NA REDE DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]

2005 SOMOS O QUE BUSCAMOS [Entrevista concedida a Ana Marques Gastão]

2005 VERTIGENS DO OLHAR: autorretratos [Floriano Martins por Floriano Martins]

2006 A OUTRA MÁQUINA DO MUNDO [Entrevista concedida a Belkys Arredondo]

2008 FESTA DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Anderson Sandes]

2008 UMA CONVERSA COM O CURADOR DA 8ª BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ [Entrevista concedida a Lira Neto]

2009 A INOCÊNCIA DE FLORIANO MARTINS. INOCÊNCIA? [Jacob Klintowitz]

2010 ÀS VOLTAS COM O LIVRO-OBJETO E SUAS SOMBRAS [Entrevista concedida a Madeline Millán]

2010 CIBERCULTURA EN TIEMPOS DE ANALFABETISMO GLOBAL [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]

2010 NASCENDO TODOS OS DIAS [Entrevista concedida a Manuel Iris]

2010 OPÇÃO PELA DISSIDÊNCIA [Entrevista concedida a Márcio Simões]

2010 TODAS AS COISAS À MINHA VOLTA [Entrevista concedida a Adlin Prieto]

2011 CRÍTICA E RUPTURA: a inocência de pensar de Floriano Martins [Teresa Ferrer Passos]

2011 PARTICIPAÇÃO POÉTICA [Entrevista concedida a Márcio Simões]

2013 QUE HOMEM É ESSE? [Entrevista concedida a Oleg Almeida]

2015 O LUGAR QUASE LASCIVO DE UMA AMBIGUIDADE [Entrevista concedida a Renata Sodré Costa Leite]

2016 AVENTURAS DA POESIA NO TEMPO: o inteiro continente revelado [R. LeontinoFilho]

2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 01 [Alfonso Peña & Floriano Martins]

2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 02 [Omar Castillo & Floriano Martins]

2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 03 [José Ángel Leyva & Floriano Martins]

2016 LOS NAVEGANTES DE LA PARADOJA [Entrevista concedida a Alfonso Peña]

2016 UM NOVO CONTINENTE [Marco Lucchesi]

2017 À LUZ DO PARADOXO [Entrevista concedida a Leila Ferraz]

2017 FLORIANO MARTINS, POETA E DEMIURGO [Claudio Willer]

2020 | DIÁLOGO CON FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Berta Lucía Estrada]

2020 | FLORIANO MARTINS: Todos somos marginados a la sombra de lo desconocido | [Entrevista concedida a Elys Regina Zils]

2020 UMA CONVERSA COM FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Anna Apolinário & Demetrios Galvão]

2021 UNA PRESENTACIÓN DE LA OBRA DE FLORIANO MARTINS [José Alcántara Almánzar]

2021 VOCAÇÃO DIALOGANTE [Entrevista concedida a Maria Estela Guedes]

2022 DE ITARARÉ A UMA DEAMBULAÇÃO CONTÍNUA: Conversa com Floriano Martins sobre o Surrealismo no Brasil [Entrevista concedida a Anderson Costa & Elys Regina Zils]

2023 | FLORIANO MARTINS E O MARAVILHOSO TUMULTO DE SUA VIDA | Roda de imprensa, várias vozes

2023 A OUTRA VOZ DO TEMPO: Cronologia de vida e obra [Preparada por Floriano Martins & Márcio Simões]


 


OBRA ENSAÍSTICA PUBLICADA

 

El corazón del infinito. Tres poetas brasileños. Trad. Jesús Cobo. Toledo: Cuadernos de Calandrajas, 1993.

Escritura conquistada. Diálogos com poetas latino-americanos. Fortaleza: Letra & Música, 1998.

Escrituras surrealistas. O começo da busca. Coleção Memo. Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1998.

Alberto Nepomuceno. Edições FDR. Fortaleza. 2000.

O começo da busca. O surrealismo na poesia da América Latina. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2001.

Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra América. San José de Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2004.

Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra AméricaCaracas, Venezuela: Monte Ávila Editores, 2008.

A inocência de Pensar. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2009.

Escritura conquistada. Conversaciones con poetas de Latinoamérica2 tomos. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2010.

Invenção do Brasil – Entrevistas [edição virtual]. São Paulo: Editora Descaminhos, 2013.

Esfinge insurrecta – Poesía en Chile [edição virtual, em coautoria com Juan Cameron]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Un poco más de surrealismo no hará ningún daño a la realidad. México: UACM – Universidad Autónoma de la Ciudad de México, 2015.

Sala de retratos. São Paulo: Opção Editora, 2016.

Um novo continente – Poesia e Surrealismo na América. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Valdir Rocha e a persistência do mistério. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Laudelino Freire. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2018.

Escritura conquistada – Poesía hispanoamericana. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Visões da névoa: o Surrealismo no Brasil. Natal: Sol Negro Edições, 2019.

120 noites de Eros. Fortaleza: ARC Edições, 2020.

 

TRADUÇÕES

 

Poemas de amor, de Federico García Lorca. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.

Delito por dançar o chá-chá-chá, de Guillermo Cabrera Infante. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.

Nós/Nudos, de Ana Marques Gastão (edição bilíngue). Lisboa: Gótica, 2004.

A condição urbana, de Juan Calzadilla (edição bilíngue). Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2005.

Dentro do poema – Poetas mexicanos nascidos entre 1950 e 1959, Org. Eduardo Langagne. Fortaleza: Edições UFC, 2009.

A aventura literária da mestiçagem, de Pablo Antonio Cuadra (em parceria com Petra Ramos Guarinon). Fortaleza: Edições UFC, 2010.

III novelas exemplares & 20 poemas intransigentes, de Vicente Huidobro & Hans Arp. Natal: Sol Negro Edições/São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2012.

Sobre Surrealismo, de Aldo Pellegrini (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2013.

Memória de Borges – Um livro de entrevistas (2 volumes). São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2013.

Bronze no fundo do rio, de Miguel Márquez (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2014.

Tremor de céu, de Vicente Huidobro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2015.

Costumes errantes ou a redondeza da terra, de Enrique Molina (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2016.

Reino de silêncio, de Mía Gallegos (edição bilíngue). Teresina: Kizeumba Edições, 2019.

Traduções do universo, de Vicente Huidobro. Natal: Sol Negro Edições, 2016.

O álcool dos estados intermediários, de Gladys Mendía. Santiago: LP5 Editora, 2020.

A tartaruga equestre, de César Moro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2021.

 

 

 

 

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