Prefácio de A inocência de pensar (São Paulo: Escrituras Editora, 2009)
De alguma maneira, para certas pessoas, pensar é
uma atividade natural. Certamente não para muitas pessoas. Em Floriano Martins
esta atividade rara não só é natural, como nos lembra a natureza. Estamos no
terreno da estranheza. É possível que pensar faça parte da natureza, e, se
assim for, é a natureza capaz de refletir sobre a própria natureza. Um espelho
dotado de vontade própria. Entretanto, não é desta maneira que associo Floriano
Martins à natureza, eu o faço por seu movimento incessante, contínuo e sem
pausa. Uma dessas surpreendentes e imensas quedas d’água brasileiras. Floriano
Martins descreve o seu tema inicialmente de maneira suave e o vai ampliando
quase sem nos avisar, para transformá-lo, de repente, num feroz caudal de
referências, marcos históricos, signos locais e significações universais.
O escritor
não perde jamais a perspectiva de que o seu tema é, no fundamental, o ato
humano da criação e a reação dos homens quando situados na circunstância e
diante do essencial, com a grandeza ou a fraqueza que ela propicia emergir.
Neste sentido, o do foco, é admirável o quanto um autor tão armado de
referências e de forte posicionamento cultural, consegue manter-se cordial. Uma
ou outra seta irônica, uma mordacidade aqui ou acolá, e é suficiente para saciar
a sua fome de justiça.
O interesse
de Floriano Martins concentra-se nos escritores, nos poetas, nos artistas
plásticos, nos líderes culturais, no movimento social da cultura, nas
perspectivas e tendências da consciência nos séculos XX e XXI, na integração
possível entre os vários países da América, no frágil intercâmbio entre os
idiomas espanhol e português, na interpenetração entre a cultura erudita e a
popular, na política exterior dos países e a sua relação com a valorização das
manifestações artísticas. Podemos dizer que nós, leitores, por nossa vez,
terminamos por nos interessar, além da especificidade de cada texto, por esta
figura autoral carismática e renascentista.
Às vezes
cabe a dúvida se Floriano Martins age como um humanista renascentista em seu
longo discurso em busca da razão, ou se, oculto no seu equilíbrio formal, não
existirá um missionário que se autoelegeu para a desesperada tarefa de
civilizar a humanidade. Não discordarei dos que acreditam que as duas atitudes
sejam, na verdade, uma só, dois aspectos da mesma postura do homem
especialmente dotado que fala sem cessar, para não se calar em definitivo.
O “método
florianesco” de análise obedece a um ritual bem estabelecido, e isto vale para
os ensaios ritmados, as entrevistas inquietantes e as impacientes breves
anotações. Floriano Martins descreve com minúcias o seu assunto, numa delicada
atenção ao leitor. Cerca o seu tema de opiniões variadas de ilustres figuras,
fazendo questão de colocar as citações num contexto esclarecedor balizados pela
análise estilística e o factual histórico e, finalmente, tendo introduzido aqui
e ali iluminações sobre a obra estudada, já nos apresentando a sua verdade,
fecha o texto num ápice no qual cabe apenas um foco de luz e um só objeto
iluminado. Este é o percurso habitual de seu inocente pensar e nele,
reconheçamos, cabe o sentimento do mundo.
Esta citação
de Drummond, um dos objetos de sua acurada atenção, não é por acaso, pois em
Floriano Martins perpassa o mistério da amorosidade. Eis ai um escritor que
gosta de escritores e um poeta – a parte essencial de sua vida de artista – que
se comove com a poesia alheia. É o que ele busca nos seus heróis, e é o que ele
encontra. A sua análise é respeitosa, já que ele concentra-se na linguagem e na
criação. E é esclarecedora, pois é ampla na narração do percurso do artista e
na pesquisa sobre o artista. Tenho para mim que Floriano Martins estabelece a
sua análise crítica, pois sempre se trata disto, de uma maneira inovadora
porque, ao invés da sentença, ele prefere o retrato do artista. Num texto pleno
de meios tons, áreas iluminadas, áreas em sombras coloridas, o autor cria
retratos. Um pouco à maneira dos mestres, especialmente Velásquez. Um ensaísta
transgressor.
Certamente
estes ensaios transgressores, o são na originalidade, estão acrescidos pelo
decidido ponto de partida de Floriano Martins: ele é a favor da linguagem, da
criatividade e da invenção. Nos seus textos não há dúvidas sobre a validade da
cultura, sobre a necessidade da poesia num planeta em guerras permanentes ou
sobre a legitimidade da cultura ocidental, para ele, no seu ponto extremo, uma
cultura de mestiçagem. Para Floriano Martins, poeta, escritor, tradutor,
músico, artista plástico, o único lugar habitável é a utopia.
1989 A POÉTICA DO PARADOXO [Entrevista concedida a Sérgio Campos]
1996 A FAVOR DO CONTRA [Entrevista concedida a Lira Neto]
1997 O TEATRO E O ATENEU: Breve introdução à poesia de Floriano Martins [Carlos Felipe Moisés]
1998 A MODERNIDADE NÃO É UM CADERNO DE RECEITAS [Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão]
1998 A NECESSIDADE DA POESIA [Entrevista concedida a Emmanuel Nogueira]
1998 CONTINENTE DE POETAS [Wilson Martins]
1998-2010 FRAGMENTOS ROUBADOS AO TEMPO [Preparado por Márcio Simões]
1999 FLORIANO MARTINS TRAZ POETAS HISPANO-AMERICANOS AO BRASIL [Entrevista concedida a José Castello]
1999 UN LIBRO QUE UNE Y ESCUDRIÑA [Carlos Germán Belli]
2000 OS TORMENTOS DO VERBO E DA IMAGEM NA ESTRUTURA DA ALMA [Eric Ponty]
2002 AS MANIFESTAÇÕES SURREALISTAS NA AMÉRICA LATINA [José Castello]
2002 HUMANISMO POÉTICO [Entrevista concedida a Fabrício Carpinejar]
2002 MÉXICO Y BRASIL BUSCAN ACERCARSE A TRAVÉS DE LA POESÍA CONTEMPORÁNEA [Rodrigo Flores]
2002 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Rodrigo Petronio]
2002 UM OLHAR NA POESIA [Entrevista concedida a Carmen Virginia Carrillo]
2002 VOZES EM CONFLUÊNCIA [Maria Esther Maciel]
2003 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Entrevista concedida a Rodrigo Petronio]
2003 PALAVRAS PRELIMINARES [Entrevista concedida a Jorge Ariel Madrazo]
2004 SÁBIO IMPREVISTO [Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria]
2004 UMA AGULHA NA REDE DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]
2005 SOMOS O QUE BUSCAMOS [Entrevista concedida a Ana Marques Gastão]
2005 VERTIGENS DO OLHAR: autorretratos [Floriano Martins por Floriano Martins]
2006 A OUTRA MÁQUINA DO MUNDO [Entrevista concedida a Belkys Arredondo]
2008 FESTA DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Anderson Sandes]
2008 UMA CONVERSA COM O CURADOR DA 8ª BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ [Entrevista concedida a Lira Neto]
2009 A INOCÊNCIA DE FLORIANO MARTINS. INOCÊNCIA? [Jacob Klintowitz]
2010 ÀS VOLTAS COM O LIVRO-OBJETO E SUAS SOMBRAS [Entrevista concedida a Madeline Millán]
2010 CIBERCULTURA EN TIEMPOS DE ANALFABETISMO GLOBAL [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]
2010 NASCENDO TODOS OS DIAS [Entrevista concedida a Manuel Iris]
2010 OPÇÃO PELA DISSIDÊNCIA [Entrevista concedida a Márcio Simões]
2010 TODAS AS COISAS À MINHA VOLTA [Entrevista concedida a Adlin Prieto]
2011 CRÍTICA E RUPTURA: a inocência de pensar de Floriano Martins [Teresa Ferrer Passos]
2011 PARTICIPAÇÃO POÉTICA [Entrevista concedida a Márcio Simões]
2013 QUE HOMEM É ESSE? [Entrevista concedida a Oleg Almeida]
2015 O LUGAR QUASE LASCIVO DE UMA AMBIGUIDADE [Entrevista concedida a Renata Sodré Costa Leite]
2016 AVENTURAS DA POESIA NO TEMPO: o inteiro continente revelado [R. LeontinoFilho]
2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 01 [Alfonso Peña & Floriano Martins]
2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 02 [Omar Castillo & Floriano Martins]
2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 03 [José Ángel Leyva & Floriano Martins]
2016 LOS NAVEGANTES DE LA PARADOJA [Entrevista concedida a Alfonso Peña]
2016 UM NOVO CONTINENTE [Marco Lucchesi]
2017 À LUZ DO PARADOXO [Entrevista concedida a Leila Ferraz]
2017 FLORIANO MARTINS, POETA E DEMIURGO [Claudio Willer]
2020 | DIÁLOGO CON FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Berta Lucía Estrada]
2020 | FLORIANO MARTINS: Todos somos marginados a la sombra de lo desconocido | [Entrevista concedida a Elys Regina Zils]
2020 UMA CONVERSA COM FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Anna Apolinário & Demetrios Galvão]
2021 UNA PRESENTACIÓN DE LA OBRA DE FLORIANO MARTINS [José Alcántara Almánzar]
2021 VOCAÇÃO DIALOGANTE [Entrevista concedida a Maria Estela Guedes]
2022 DE ITARARÉ A UMA DEAMBULAÇÃO CONTÍNUA: Conversa com Floriano Martins sobre o Surrealismo no Brasil [Entrevista concedida a Anderson Costa & Elys Regina Zils]
2023 | FLORIANO MARTINS E O MARAVILHOSO TUMULTO DE SUA VIDA | Roda de imprensa, várias vozes
2023 A OUTRA VOZ DO TEMPO: Cronologia de vida e obra [Preparada por Floriano Martins & Márcio Simões]
OBRA ENSAÍSTICA PUBLICADA
El corazón del infinito. Tres poetas brasileños. Trad. Jesús Cobo. Toledo: Cuadernos de Calandrajas, 1993.
Escritura conquistada. Diálogos com poetas latino-americanos. Fortaleza: Letra & Música, 1998.
Escrituras surrealistas. O começo da busca. Coleção Memo. Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1998.
Alberto Nepomuceno. Edições FDR. Fortaleza. 2000.
O começo da busca. O surrealismo na poesia da América Latina. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2001.
Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra América. San José de Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2004.
Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra América. Caracas, Venezuela: Monte Ávila Editores, 2008.
A inocência de Pensar. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2009.
Escritura conquistada. Conversaciones con poetas de Latinoamérica. 2 tomos. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2010.
Invenção do Brasil – Entrevistas [edição virtual]. São Paulo: Editora Descaminhos, 2013.
Esfinge insurrecta – Poesía en Chile [edição virtual, em coautoria com Juan Cameron]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.
Un poco más de surrealismo no hará ningún daño a la realidad. México: UACM – Universidad Autónoma de la Ciudad de México, 2015.
Sala de retratos. São Paulo: Opção Editora, 2016.
Um novo continente – Poesia e Surrealismo na América. Fortaleza: ARC Edições, 2016.
Valdir Rocha e a persistência do mistério. Fortaleza: ARC Edições, 2017.
Laudelino Freire. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2018.
Escritura conquistada – Poesía hispanoamericana. Fortaleza: ARC Edições, 2018.
Visões da névoa: o Surrealismo no Brasil. Natal: Sol Negro Edições, 2019.
120 noites de Eros. Fortaleza: ARC Edições, 2020.
TRADUÇÕES
Poemas de amor, de Federico García Lorca. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.
Delito por dançar o chá-chá-chá, de Guillermo Cabrera Infante. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.
Nós/Nudos, de Ana Marques Gastão (edição bilíngue). Lisboa: Gótica, 2004.
A condição urbana, de Juan Calzadilla (edição bilíngue). Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2005.
Dentro do poema – Poetas mexicanos nascidos entre 1950 e 1959, Org. Eduardo Langagne. Fortaleza: Edições UFC, 2009.
A aventura literária da mestiçagem, de Pablo Antonio Cuadra (em parceria com Petra Ramos Guarinon). Fortaleza: Edições UFC, 2010.
III novelas exemplares & 20 poemas intransigentes, de Vicente Huidobro & Hans Arp. Natal: Sol Negro Edições/São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2012.
Sobre Surrealismo, de Aldo Pellegrini (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2013.
Memória de Borges – Um livro de entrevistas (2 volumes). São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2013.
Bronze no fundo do rio, de Miguel Márquez (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2014.
Tremor de céu, de Vicente Huidobro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2015.
Costumes errantes ou a redondeza da terra, de Enrique Molina (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2016.
Reino de silêncio, de Mía Gallegos (edição bilíngue). Teresina: Kizeumba Edições, 2019.
Traduções do universo, de Vicente Huidobro. Natal: Sol Negro Edições, 2016.
O álcool dos estados intermediários, de Gladys Mendía. Santiago: LP5 Editora, 2020.
A tartaruga equestre, de César Moro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2021.
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Agulha Revista de Cultura
Criada por Floriano Martins
Dirigida por Elys Regina Zils
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
1999-2024
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