quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

2002 | VOZES EM CONFLUÊNCIA | Maria Esther Maciel

Originalmente publicado no jornal O Estado de Minas, suplemento Pensar, 13/04/2002

 

Se o Surrealismo pode ser considerado uma espécie de não-capítulo da historiografia literária brasileira, por desta ter sido excluído pela força da rasura e da indiferença, isso não significa, contudo, que o movimento não tenha existido no Brasil. Mesmo atuando nas frestas, nas dobras, nas margens e nos subterrâneos dessa mesma historiografia, a poesia surrealista brasileira – que teve, certamente, sua expressão mais vigorosa na obra poética de Jorge de Lima – foi e ainda é uma presença efetiva nas letras do nosso país. Uma presença que, longe de se moldar sob os influxos diretos do paradigma parisiense ou se constituir através da militância de um grupo organizado, teve uma vida e uma dicção próprias, contando com a participação não-centralizada de poetas e intelectuais de vários pontos geográficos brasileiros. Isso é o que nos mostra, de forma convincente e bem fundamentada, o poeta, crítico e editor cearense Floriano Martins, em uma das partes de seu recém-lançado livro O começo da busca: o surrealismo na poesia da América Latina, publicado pela editora paulista Escrituras, dentro da Coleção Ensaios Transversais.

Traçando uma espécie de cartografia da poesia surrealista latino-americana e flagrando-a em sua diversidade e pluralidade de vozes e dicções, o volume traz também um minucioso estudo crítico do autor sobre o tema e reúne, em forma de antologia, textos poéticos e ensaísticos de alguns poetas brasileiros e hispano-americanos que mantiveram ou mantêm com o Surrealismo algum tipo de cumplicidade.

Invertendo o famoso título de uma coletânea de ensaios sobre o Surrealismo, La búsqueda del comienzo, de Octavio Paz, Floriano empreende um trabalho que se desdobra em vários, ao longo do livro: mostrar a vitalidade da poesia surrealista no continente latino-americano, evidenciando a força de suas diferenças e peculiaridades em relação ao surrealismo europeu; discutir os equívocos da crítica em torno do que vem a ser o Surrealismo e suas manifestações no Brasil e em outros países da América da Latina; apresentar, diante de tais equívocos, um outro olhar sobre a questão, a partir da evocação de escritas, falas e reflexões de outros poetas-pensadores dedicados ao exercício e à discussão da poética surrealista. A isso ainda se soma o trabalho de tradução e divulgação, empreendido pelo autor, de poetas hispano-americanos pouco conhecidos em nosso país, como os argentinos Aldo Pellegrini e Enrique Molina, os peruanos César Moro e Emilio Adolfo Westphalen, os chilenos Enrique Gómez-Correa e Ludwig Zeller, os venezuelanos Juan Sánchez Peláez e Juan Calzadilla, o colombiano Raúl Henao, além do próprio Octavio Paz. Dois poetas brasileiros contemporâneos, Sérgio Lima e Roberto Piva, integram a coletânea, figurando ainda, ao lado de Ángel Pariente, Enrique Molina e Francisco Madariaga, na última parte do livro, onde são reproduzidas algumas de suas iluminadoras entrevistas sobre a aventura surrealista. É de se notar, entretanto, a ausência, na antologia, de textos criativos do poeta, crítico e tradutor paulista Claudio Willer, bem como os do próprio Floriano Martins, dois dos mais inventivos e prolíficos poetas de linhagem surrealista em atuação no cenário poético do Brasil contemporâneo.

Mesmo com essa ausência, o livro não deixa de nos brindar com uma mostragem significativa do que de melhor existe na poesia surrealista de nosso continente, vindo preencher, inegavelmente, um espaço lacunar no âmbito dos estudos e da divulgação dessa poesia no Brasil. Além disso, tem o mérito de promover o necessário encontro, em língua portuguesa, de poetas de diferentes países da América Latina que compartilham interesses e sensibilidades afins.

 Pode-se dizer que, dessa constelação multinacional de vozes, textos, poemas e reflexões, emerge uma outra maneira de se compreender o Surrealismo, que não aquela inscrita nos manuais de literatura que insistem em tomar o movimento como mais um ismo circunscrito ao contexto das vanguardas históricas do início do século. O que o leitor acaba por concluir, ao final de sua jornada, é que o Surrealismo, antes de ser uma estética ou um movimento, é uma visão de mundo, pautada em formas alternativas de sensibilidade e atravessada pelo desejo de transformar o mundo com as armas da poesia, do amor e da imaginação. Ou, como já disse Octavio Paz, uma atitude do espírito humano, para a qual importa, sobretudo, o exercício poético da liberdade.

O começo da busca, nesse sentido, não vem apenas mapear vozes importantes do surrealismo latino-americano ou reconstituir, por uma via alternativa, parte da história da poesia moderna brasileira que a historiografia literária oficial esqueceu, desprezou ou rasurou, mas também convidar o leitor a exercitar, em meio ao horizonte dos utensílios que define o nosso tempo, os poderes revitalizantes da imaginação.

 

 


 

1989 A POÉTICA DO PARADOXO [Entrevista concedida a Sérgio Campos]

1996 A FAVOR DO CONTRA [Entrevista concedida a Lira Neto]

1997 O TEATRO E O ATENEU: Breve introdução à poesia de Floriano Martins [Carlos Felipe Moisés]

1998 A MODERNIDADE NÃO É UM CADERNO DE RECEITAS [Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão]

1998 A NECESSIDADE DA POESIA [Entrevista concedida a Emmanuel Nogueira]

1998 CONTINENTE DE POETAS [Wilson Martins]

1998-2010 FRAGMENTOS ROUBADOS AO TEMPO [Preparado por Márcio Simões]

1999 FLORIANO MARTINS TRAZ POETAS HISPANO-AMERICANOS AO BRASIL [Entrevista concedida a José Castello]

1999 UN LIBRO QUE UNE Y ESCUDRIÑA [Carlos Germán Belli]

2000 OS TORMENTOS DO VERBO E DA IMAGEM NA ESTRUTURA DA ALMA [Eric Ponty]

2002 AS MANIFESTAÇÕES SURREALISTAS NA AMÉRICA LATINA [José Castello]

2002 HUMANISMO POÉTICO [Entrevista concedida a Fabrício Carpinejar]

2002 MÉXICO Y BRASIL BUSCAN ACERCARSE A TRAVÉS DE LA POESÍA CONTEMPORÁNEA [Rodrigo Flores]

2002 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Rodrigo Petronio]

2002 UM OLHAR NA POESIA [Entrevista concedida a Carmen Virginia Carrillo]

2002 VOZES EM CONFLUÊNCIA [Maria Esther Maciel]

2003 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Entrevista concedida a Rodrigo Petronio]

2003 PALAVRAS PRELIMINARES [Entrevista concedida a Jorge Ariel Madrazo]

2004 SÁBIO IMPREVISTO [Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria]

2004 UMA AGULHA NA REDE DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]

2005 SOMOS O QUE BUSCAMOS [Entrevista concedida a Ana Marques Gastão]

2005 VERTIGENS DO OLHAR: autorretratos [Floriano Martins por Floriano Martins]

2006 A OUTRA MÁQUINA DO MUNDO [Entrevista concedida a Belkys Arredondo]

2008 FESTA DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Anderson Sandes]

2008 UMA CONVERSA COM O CURADOR DA 8ª BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ [Entrevista concedida a Lira Neto]

2009 A INOCÊNCIA DE FLORIANO MARTINS. INOCÊNCIA? [Jacob Klintowitz]

2010 ÀS VOLTAS COM O LIVRO-OBJETO E SUAS SOMBRAS [Entrevista concedida a Madeline Millán]

2010 CIBERCULTURA EN TIEMPOS DE ANALFABETISMO GLOBAL [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]

2010 NASCENDO TODOS OS DIAS [Entrevista concedida a Manuel Iris]

2010 OPÇÃO PELA DISSIDÊNCIA [Entrevista concedida a Márcio Simões]

2010 TODAS AS COISAS À MINHA VOLTA [Entrevista concedida a Adlin Prieto]

2011 CRÍTICA E RUPTURA: a inocência de pensar de Floriano Martins [Teresa Ferrer Passos]

2011 PARTICIPAÇÃO POÉTICA [Entrevista concedida a Márcio Simões]

2013 QUE HOMEM É ESSE? [Entrevista concedida a Oleg Almeida]

2015 O LUGAR QUASE LASCIVO DE UMA AMBIGUIDADE [Entrevista concedida a Renata Sodré Costa Leite]

2016 AVENTURAS DA POESIA NO TEMPO: o inteiro continente revelado [R. LeontinoFilho]

2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 01 [Alfonso Peña & Floriano Martins]

2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 02 [Omar Castillo & Floriano Martins]

2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 03 [José Ángel Leyva & Floriano Martins]

2016 LOS NAVEGANTES DE LA PARADOJA [Entrevista concedida a Alfonso Peña]

2016 UM NOVO CONTINENTE [Marco Lucchesi]

2017 À LUZ DO PARADOXO [Entrevista concedida a Leila Ferraz]

2017 FLORIANO MARTINS, POETA E DEMIURGO [Claudio Willer]

2020 | DIÁLOGO CON FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Berta Lucía Estrada]

2020 | FLORIANO MARTINS: Todos somos marginados a la sombra de lo desconocido | [Entrevista concedida a Elys Regina Zils]

2020 UMA CONVERSA COM FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Anna Apolinário & Demetrios Galvão]

2021 UNA PRESENTACIÓN DE LA OBRA DE FLORIANO MARTINS [José Alcántara Almánzar]

2021 VOCAÇÃO DIALOGANTE [Entrevista concedida a Maria Estela Guedes]

2022 DE ITARARÉ A UMA DEAMBULAÇÃO CONTÍNUA: Conversa com Floriano Martins sobre o Surrealismo no Brasil [Entrevista concedida a Anderson Costa & Elys Regina Zils]

2023 | FLORIANO MARTINS E O MARAVILHOSO TUMULTO DE SUA VIDA | Roda de imprensa, várias vozes

2023 A OUTRA VOZ DO TEMPO: Cronologia de vida e obra [Preparada por Floriano Martins & Márcio Simões]


 


OBRA ENSAÍSTICA PUBLICADA

 

El corazón del infinito. Tres poetas brasileños. Trad. Jesús Cobo. Toledo: Cuadernos de Calandrajas, 1993.

Escritura conquistada. Diálogos com poetas latino-americanos. Fortaleza: Letra & Música, 1998.

Escrituras surrealistas. O começo da busca. Coleção Memo. Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1998.

Alberto Nepomuceno. Edições FDR. Fortaleza. 2000.

O começo da busca. O surrealismo na poesia da América Latina. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2001.

Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra América. San José de Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2004.

Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra AméricaCaracas, Venezuela: Monte Ávila Editores, 2008.

A inocência de Pensar. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2009.

Escritura conquistada. Conversaciones con poetas de Latinoamérica2 tomos. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2010.

Invenção do Brasil – Entrevistas [edição virtual]. São Paulo: Editora Descaminhos, 2013.

Esfinge insurrecta – Poesía en Chile [edição virtual, em coautoria com Juan Cameron]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Un poco más de surrealismo no hará ningún daño a la realidad. México: UACM – Universidad Autónoma de la Ciudad de México, 2015.

Sala de retratos. São Paulo: Opção Editora, 2016.

Um novo continente – Poesia e Surrealismo na América. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Valdir Rocha e a persistência do mistério. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Laudelino Freire. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2018.

Escritura conquistada – Poesía hispanoamericana. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Visões da névoa: o Surrealismo no Brasil. Natal: Sol Negro Edições, 2019.

120 noites de Eros. Fortaleza: ARC Edições, 2020.

 

TRADUÇÕES

 

Poemas de amor, de Federico García Lorca. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.

Delito por dançar o chá-chá-chá, de Guillermo Cabrera Infante. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.

Nós/Nudos, de Ana Marques Gastão (edição bilíngue). Lisboa: Gótica, 2004.

A condição urbana, de Juan Calzadilla (edição bilíngue). Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2005.

Dentro do poema – Poetas mexicanos nascidos entre 1950 e 1959, Org. Eduardo Langagne. Fortaleza: Edições UFC, 2009.

A aventura literária da mestiçagem, de Pablo Antonio Cuadra (em parceria com Petra Ramos Guarinon). Fortaleza: Edições UFC, 2010.

III novelas exemplares & 20 poemas intransigentes, de Vicente Huidobro & Hans Arp. Natal: Sol Negro Edições/São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2012.

Sobre Surrealismo, de Aldo Pellegrini (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2013.

Memória de Borges – Um livro de entrevistas (2 volumes). São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2013.

Bronze no fundo do rio, de Miguel Márquez (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2014.

Tremor de céu, de Vicente Huidobro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2015.

Costumes errantes ou a redondeza da terra, de Enrique Molina (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2016.

Reino de silêncio, de Mía Gallegos (edição bilíngue). Teresina: Kizeumba Edições, 2019.

Traduções do universo, de Vicente Huidobro. Natal: Sol Negro Edições, 2016.

O álcool dos estados intermediários, de Gladys Mendía. Santiago: LP5 Editora, 2020.

A tartaruga equestre, de César Moro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2021.

 

 

 

 

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