domingo, 21 de janeiro de 2024

2011 | CRÍTICA E RUPTURA – A inocência de pensar, de Floriano Martins | Teresa Ferrer Passos

Tributo devido a Floriano Martins, Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências, Portugal, 2021


 

Na transgressão das escritas e das imagens, os ensaios críticos rompem como construções da palavra e da voz. Nesta ruptura inscrevo A Inocência de Pensar de Floriano Martins, recentemente publicado por Escrituras Editora, com sede em S. Paulo. A transgressão é, em Floriano Martins, um modo de ser muito especial que o intelectual deve subscrever, como se fosse uma superior necessidade, se não mesmo uma transcendência terrena.

A essência do pensar torna-se para Floriano Martins um objectivo de vida. A sua obra variegada – poesia, ensaio, ficção, pintura, etc. – marca, em quem a conhece, um percurso pleno de seriedade. Cada circunstância torna-se na escrita-imagem de Floriano Martins, uma paisagem sem nuvens nem véus mais ou menos velados. A língua apresenta-se como uma transcendência demasiado humana, como disse, algum dia, Nietzsche. E dizemos demasiado humana porque Floriano Martins ultrapassa toda a palavra escondida ou a esconder, toda a ideia suspeita ou sob suspeição; descobrimos nos seus trabalhos literários ou nas suas composições feitas de formas-imagens uma intencionalidade transparente, plena de cântico à natureza, à forma-imagem, como dissemos atrás.

Se pensar é uma inocência, Floriano Martins apontou o dedo na direcção certa. Na verdade, o paraíso está na interioridade humana ou não está em lado nenhum. O paraíso, metáfora da natureza pura do Homem, recolhe-se ao coração aberto como um mar sem fim, no autor de A Inocência de Pensar. Numa análise fecunda a um vasto número de escritores latino-americanos – desde o Brasil ao Chile e à Venezuela, desde a Espanha a El Salvador, à Colômbia, Panamá ou à Costa Rica –, o autor analisa a sua conformidade com os tempos em que se projectou a sua escrita, tomando como ponto de partida fundamental a sua personalidade, os seus desvios e as suas contingências perante os obstáculos, os contratempos e as modas da sua controversa época.

Como escreve a propósito de Sânzio de Azevedo o pensamento crítico alimenta a compreensão histórica da nossa passagem por este mundo, razão pela qual cabe ao crítico fundar-se a partir de um diálogo perene com todas as forças que nos orientam e desorientam.

Não podemos deixar de fazer uma alusão ao prefaciador de A Inocência de Pensar, Jacob Klintowitz. Respigamos do seu texto elucidativas frases que nos oferecem um retrato bem definidor da identidade intelectual de Floriano Martins: nele perpassa o mistério da amorosidade”; “ao invés da sentença, ele prefere o retrato do artista, ou ainda o único lugar habitável é a utopia.

Na leitura dos vários ensaios inseridos nesta obra, encontrámos, abundantemente, esta ligação de Floriano Martins ao fraterno diálogo, à busca da personagem oculta nas palavras e ao fantástico lugar da utopia, esse estado de espírito construtor da inventabilidade. De facto, o mundo da utopia não pode deixar Floriano Martins indiferente. Ele é um artista da palavra e da imagem. Por isso, aí se coloca. A utopia é a transcendência do humano. Nela tudo o que é humano ganha espaço e um espaço de futuro.

O caminho da humanidade é árduo, é agreste, é inseguro. Mas esse caminho pode cobrir-se de sentidos e de sentimentos que o dimensionam à escala da sagração deste “animal pensante” de que nos fala Floriano Martins. Mesmo quando o célebre marquês de Sade rompe com a sociedade sua contemporânea, procurará ele regressar àquele paraíso perdido a que o poeta inglês John Milton nos quis conduzir?

Na entrevista concedida a Floriano Martins (aqui publicada), Eliane Robert Moraes, a autora do livro Lições de Sade – ensaios sobre a imaginação libertina, diz: Sade projecta sua ficção de um homem completamente livre. E, mais adiante, nesta excelente abordagem de Sade, Martins indaga: Até que ponto interessa distinguir perdas e ganhos de linguagem, ocasionados justamente pela obsessão de um projecto maior que extrapola os domínios da própria linguagem? E vai mais longe, em outra questão posta a Eliane: Para além da incitação à liberdade total, estaria Sade empenhado em descarnar a tragédia de uma sociedade cuja hipocrisia confundia virtude e vício?

Ao abordar Amedeo Modigliani, diz-nos Floriano Martins que ele definiu uma erótica, em contraponto a um brutal preconceito carnal existente. Depois, Caminhando com o espírito de Ghérasim Luca, refere a sua conotação surrealista ao conjugar amor, erotismo, sonho, humor negro (…) em uma orgia de imagens que se enriquecem à medida que afirmam o quanto estão vivas, atuantes, dentro do mundo, dentro de nós.

De relevante interesse são também as polémicas biográficas à volta de Carlos Drummond de Andrade (47 páginas) ou as suas considerações sobre António Bandeira (com 45 páginas). Debruça-se sobre os segredos da imaginação em Marcel Schwob. Refere-se a Max Ernst como um dos nomes cimeiros da arte neste nosso controvertido século, uma dessas criaturas de fogo do tempo. E não podemos esquecer a sua entrevista a Michel Roure, absolutamente clandestino, numa verdadeira sequência de filmes ou de documentários.

Nestes socalcos da literatura e da vida se envolve Floriano Martins, quer através do artigo, quer através das perspicazes entrevistas, aqui reunidas. E tudo faz com a força dos impulsos da Inocência de Pensar, porque na língua [a língua portuguesa] é que se encontram as raízes das nossas ambiguidades. A língua, nota Floriano, não a cultura. E aqui chama a atenção para a criatividade, a invenção de uma língua, como sendo o seu mais importante sustentáculo. A língua é a raiz e o notável instrumento de todo o pensar e, como tal, a língua lança as bases de uma fulgurante inocência. Uma inocência a arriscar e sempre pronta para a novidade.

 

 


 

1989 A POÉTICA DO PARADOXO [Entrevista concedida a Sérgio Campos]

1996 A FAVOR DO CONTRA [Entrevista concedida a Lira Neto]

1997 O TEATRO E O ATENEU: Breve introdução à poesia de Floriano Martins [Carlos Felipe Moisés]

1998 A MODERNIDADE NÃO É UM CADERNO DE RECEITAS [Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão]

1998 A NECESSIDADE DA POESIA [Entrevista concedida a Emmanuel Nogueira]

1998 CONTINENTE DE POETAS [Wilson Martins]

1998-2010 FRAGMENTOS ROUBADOS AO TEMPO [Preparado por Márcio Simões]

1999 FLORIANO MARTINS TRAZ POETAS HISPANO-AMERICANOS AO BRASIL [Entrevista concedida a José Castello]

1999 UN LIBRO QUE UNE Y ESCUDRIÑA [Carlos Germán Belli]

2000 OS TORMENTOS DO VERBO E DA IMAGEM NA ESTRUTURA DA ALMA [Eric Ponty]

2002 AS MANIFESTAÇÕES SURREALISTAS NA AMÉRICA LATINA [José Castello]

2002 HUMANISMO POÉTICO [Entrevista concedida a Fabrício Carpinejar]

2002 MÉXICO Y BRASIL BUSCAN ACERCARSE A TRAVÉS DE LA POESÍA CONTEMPORÁNEA [Rodrigo Flores]

2002 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Rodrigo Petronio]

2002 UM OLHAR NA POESIA [Entrevista concedida a Carmen Virginia Carrillo]

2002 VOZES EM CONFLUÊNCIA [Maria Esther Maciel]

2003 O MERGULHO EM TODAS AS ÁGUAS [Entrevista concedida a Rodrigo Petronio]

2003 PALAVRAS PRELIMINARES [Entrevista concedida a Jorge Ariel Madrazo]

2004 SÁBIO IMPREVISTO [Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria]

2004 UMA AGULHA NA REDE DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]

2005 SOMOS O QUE BUSCAMOS [Entrevista concedida a Ana Marques Gastão]

2005 VERTIGENS DO OLHAR: autorretratos [Floriano Martins por Floriano Martins]

2006 A OUTRA MÁQUINA DO MUNDO [Entrevista concedida a Belkys Arredondo]

2008 FESTA DA MESTIÇAGEM [Entrevista concedida a José Anderson Sandes]

2008 UMA CONVERSA COM O CURADOR DA 8ª BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ [Entrevista concedida a Lira Neto]

2009 A INOCÊNCIA DE FLORIANO MARTINS. INOCÊNCIA? [Jacob Klintowitz]

2010 ÀS VOLTAS COM O LIVRO-OBJETO E SUAS SOMBRAS [Entrevista concedida a Madeline Millán]

2010 CIBERCULTURA EN TIEMPOS DE ANALFABETISMO GLOBAL [Entrevista concedida a José Ángel Leyva]

2010 NASCENDO TODOS OS DIAS [Entrevista concedida a Manuel Iris]

2010 OPÇÃO PELA DISSIDÊNCIA [Entrevista concedida a Márcio Simões]

2010 TODAS AS COISAS À MINHA VOLTA [Entrevista concedida a Adlin Prieto]

2011 CRÍTICA E RUPTURA: a inocência de pensar de Floriano Martins [Teresa Ferrer Passos]

2011 PARTICIPAÇÃO POÉTICA [Entrevista concedida a Márcio Simões]

2013 QUE HOMEM É ESSE? [Entrevista concedida a Oleg Almeida]

2015 O LUGAR QUASE LASCIVO DE UMA AMBIGUIDADE [Entrevista concedida a Renata Sodré Costa Leite]

2016 AVENTURAS DA POESIA NO TEMPO: o inteiro continente revelado [R. LeontinoFilho]

2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 01 [Alfonso Peña & Floriano Martins]

2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 02 [Omar Castillo & Floriano Martins]

2016 LA INUTILIDAD DE LAS FUENTES, 03 [José Ángel Leyva & Floriano Martins]

2016 LOS NAVEGANTES DE LA PARADOJA [Entrevista concedida a Alfonso Peña]

2016 UM NOVO CONTINENTE [Marco Lucchesi]

2017 À LUZ DO PARADOXO [Entrevista concedida a Leila Ferraz]

2017 FLORIANO MARTINS, POETA E DEMIURGO [Claudio Willer]

2020 | DIÁLOGO CON FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Berta Lucía Estrada]

2020 | FLORIANO MARTINS: Todos somos marginados a la sombra de lo desconocido | [Entrevista concedida a Elys Regina Zils]

2020 UMA CONVERSA COM FLORIANO MARTINS [Entrevista concedida a Anna Apolinário & Demetrios Galvão]

2021 UNA PRESENTACIÓN DE LA OBRA DE FLORIANO MARTINS [José Alcántara Almánzar]

2021 VOCAÇÃO DIALOGANTE [Entrevista concedida a Maria Estela Guedes]

2022 DE ITARARÉ A UMA DEAMBULAÇÃO CONTÍNUA: Conversa com Floriano Martins sobre o Surrealismo no Brasil [Entrevista concedida a Anderson Costa & Elys Regina Zils]

2023 | FLORIANO MARTINS E O MARAVILHOSO TUMULTO DE SUA VIDA | Roda de imprensa, várias vozes

2023 A OUTRA VOZ DO TEMPO: Cronologia de vida e obra [Preparada por Floriano Martins & Márcio Simões]


 


OBRA ENSAÍSTICA PUBLICADA

 

El corazón del infinito. Tres poetas brasileños. Trad. Jesús Cobo. Toledo: Cuadernos de Calandrajas, 1993.

Escritura conquistada. Diálogos com poetas latino-americanos. Fortaleza: Letra & Música, 1998.

Escrituras surrealistas. O começo da busca. Coleção Memo. Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1998.

Alberto Nepomuceno. Edições FDR. Fortaleza. 2000.

O começo da busca. O surrealismo na poesia da América Latina. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2001.

Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra América. San José de Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2004.

Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra AméricaCaracas, Venezuela: Monte Ávila Editores, 2008.

A inocência de Pensar. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2009.

Escritura conquistada. Conversaciones con poetas de Latinoamérica2 tomos. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2010.

Invenção do Brasil – Entrevistas [edição virtual]. São Paulo: Editora Descaminhos, 2013.

Esfinge insurrecta – Poesía en Chile [edição virtual, em coautoria com Juan Cameron]. Fortaleza: ARC Edições, 2014.

Un poco más de surrealismo no hará ningún daño a la realidad. México: UACM – Universidad Autónoma de la Ciudad de México, 2015.

Sala de retratos. São Paulo: Opção Editora, 2016.

Um novo continente – Poesia e Surrealismo na América. Fortaleza: ARC Edições, 2016.

Valdir Rocha e a persistência do mistério. Fortaleza: ARC Edições, 2017.

Laudelino Freire. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2018.

Escritura conquistada – Poesía hispanoamericana. Fortaleza: ARC Edições, 2018.

Visões da névoa: o Surrealismo no Brasil. Natal: Sol Negro Edições, 2019.

120 noites de Eros. Fortaleza: ARC Edições, 2020.

 

TRADUÇÕES

 

Poemas de amor, de Federico García Lorca. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.

Delito por dançar o chá-chá-chá, de Guillermo Cabrera Infante. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998.

Nós/Nudos, de Ana Marques Gastão (edição bilíngue). Lisboa: Gótica, 2004.

A condição urbana, de Juan Calzadilla (edição bilíngue). Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2005.

Dentro do poema – Poetas mexicanos nascidos entre 1950 e 1959, Org. Eduardo Langagne. Fortaleza: Edições UFC, 2009.

A aventura literária da mestiçagem, de Pablo Antonio Cuadra (em parceria com Petra Ramos Guarinon). Fortaleza: Edições UFC, 2010.

III novelas exemplares & 20 poemas intransigentes, de Vicente Huidobro & Hans Arp. Natal: Sol Negro Edições/São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2012.

Sobre Surrealismo, de Aldo Pellegrini (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2013.

Memória de Borges – Um livro de entrevistas (2 volumes). São Pedro de Alcântara: Edições Nephelibata, 2013.

Bronze no fundo do rio, de Miguel Márquez (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2014.

Tremor de céu, de Vicente Huidobro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2015.

Costumes errantes ou a redondeza da terra, de Enrique Molina (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2016.

Reino de silêncio, de Mía Gallegos (edição bilíngue). Teresina: Kizeumba Edições, 2019.

Traduções do universo, de Vicente Huidobro. Natal: Sol Negro Edições, 2016.

O álcool dos estados intermediários, de Gladys Mendía. Santiago: LP5 Editora, 2020.

A tartaruga equestre, de César Moro (edição bilíngue). Natal: Sol Negro Edições, 2021.

 

 

 

 

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