A POESIA DE CARLOS
BARBARITO
De alguma maneira,
La orilla desierta é um livro que nos prepara – ou mais essencialmente prepara
a seu autor – para a entrada em Radiación de fondo (2005), considerando que
ali temos quase que um inventário da desnudez, em todos os sentidos. É como se agora
percebêssemos o que cada um fez com sua visibilidade, algo que responda à pulsante
indagação: ¿Hay algo afuera, / detrás de la
última piedra / más allá de los altos tallos / que crecen sobre el horizonte?
E uma vez mais se confundem as vozes – sempre estrategicamente –, do poeta e da
natureza. E há sempre um leitor apressado que insiste: a chave, qual a chave
dessa poética?
Carlos Barbarito
está possuído pelo fascinante dom de não entregar ao leitor senão pistas; jamais
a chave. E uma das pistas intrigantes de sua poética está na palavra nudez
e seus correlatos, que se repete à beira da exaustão, de livro em livro, e que neste
Radiación de fondo trafega como uma guia, uma espécie intrigante de iluminação
acima de todo erro e toda cinza. Eis aí a presença marcante do inventário das coisas
que desapareceram sem que tivessem sido devidamente despidas. Tanto no poeta
quanto na natureza, o inventário das máscaras que não se revelaram ou então que
se desfizeram sin centro de razón o mistério.
Evidente que a presença deste nudus mantém sua sedutora ambiguidade: é tanto
privação quanto revelação, tanto o que falta quanto o que se mostra. Inventariá-la
significa provocar o leitor (¿un gran guionista?)
– e também o próprio poeta – para que separe joio e trigo. E por vezes essa dualidade
nos convence de sua eficácia. Habilmente o poeta faz com que a linguagem navegue
entre vazio e plenitude, fluxo e refluxo, provocando um certo mal-estar na constatação
desse trânsito. É um jogo, claro. Não há dúvida de que a linguagem seja um jogo.
Porém sua astúcia está em realizar-se sem ornatos, ou seja, também o ludíbrio está
desnudo. E nisto radica a grande força deste livro.
Ao conversar com
o poeta, me disse gostar da idea de la poesía
como un modo de la radiación, una radiación siempre diversa, polisémica surgida
desde el fondo de nosotros mismos, e eis aí um terrível segredo que (nos) revela:
a fonte da radiação, uma radiação de fundo, cósmica até o ponto em que é cósmica
a existência humana, mas essencialmente um jorro – imprevisível? – atraído? – do
que há de mais negro no homem, e em sua relação com a natureza. Não basta dizer
isto, no entanto, para que o livro se abra como um testamento diante de seu favorecido.
A poética de Carlos Barbarito vem habilmente provocando uma inquietude entre a coisa
e seu desmoronamento, entre o que imaginamos ser e o que de um momento para outro
se desfaz. Como ele próprio sugere em um poema de La luz y alguna cosa (1998),
somos ao mesmo tempo uma coisa e outra, ou várias e inclusive as que não conseguimos
nomear.
E temos ainda essa
paixão declarada da poesia pela ciência, como recorda o poeta (mi fascinación por la astrofísica), onde
o abismo não é tão grande quanto parece, ou seja, a radiação cósmica de fundo está
intimamente ligada à paralaxe, que, por sua vez bem poderia ser uma figura de linguagem,
um deslocamento de retina, uma variação, sim, uma variação. Mas o que fazemos com
as distintas – entre infinitas e inconciliáveis – maneiras de ver o mundo? Não pode
haver correção de ângulo, uma vez que não se pode dar por certo o que não passa
de confissão ou apreensão. De volta ao princípio: Esta es mi vida, parece decir la hoja / que cae
desde la rama / o la piedra que rueda por la ladera. Ao buscar um desnudamento
intenso, a poesia de Carlos Barbarito descobre que são infinitas as camadas de nudez
que se disfarçam de vestes, e que tal aventura é tão inesgotável quanto a própria
vida.
Esta descoberta de um aspecto envolto em mil aspectos é algo que poderia ter alcançado outro corpo, se acaso arte e ciência não tivessem sofrido, em certo momento, de uma vaidade galopante, deixando o homem completamente sem vestes. Radiación de fondo, sob certo aspecto, expõe esta nudez – e cabe mencionar a referência a Pascal na epígrafe com que abre o livro –, inquirindo sobre suas razões e o que fazer ante uma vida sem artifícios. E como se oscilasse entre a negligência e a transgressão, o homem – também o poeta? – também o leitor? – não sabe mais a quem imputar sua culpa. E quanto mais se despe, não encontra senão culpa, imprudência, crime, hesitação, prejuízo, seu inventário incontornável. A razão nos enche de culpa? Não nos alimentamos de outra coisa, senão de culpa? Será esta nossa radiação de fundo?
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Escritura Conquistada – Poesía Hispanoamericana reúne ensayos, entrevistas, encuestas y prólogos
de libros firmados por Floriano Martins, además de muestra parcial de su correspondencia
pasiva.
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- Escritura Conquistada - Poesía Hispanoamericana -
Floriano Martins
ARC Edições | Agulha Revista de Cultura
Fortaleza CE Brasil 2021
Excelente nota para un poeta con todas la letras!
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