A
POESIA DE ÁLVARO MUTIS
Mutis já foi publicado entre nós em duas outras ocasiões, através
das novelas A neve do Almirante e Ilona chega com a chuva, ambas pela
Companhia das Letras. Talvez seja curioso que tais livros não tenham alcançado o
êxito merecido, mas está claro que isto não tem a ver com a obra em si, mas antes
com a falta de perspectiva do mercado editorial. Basta pensar no volume de 702 pgs
editado pela espanhola Alfaguara, contendo todas as novelas de Mutis: Siete novelas
(Empresas y tribulaciones de Maqroll el Gaviero).
Na Colômbia, é possível encontrar um volume de 734 pgs dedicado
à poesia e à prosa de Mutis, livro editado pelo Instituto Colombiano de Cultura,
como prova de que a ação institucional, no âmbito cultural, não pode ser desconsiderada
por governo algum. A frase não é gratuita se pensarmos tanto no descaso dado ao
tema no Brasil como em sua recente capitulação por parte do governo colombiano.
Não há dúvida de que Alvaro Mutis (1923) seja um dos autores mais
consistentes e renovadores na literatura hispano-americana deste século findo. No
prólogo do livro aqui comentado, William Ospina acentua a necessidade da América
se fazer presente na obra de seus escritores, afirmando que o toque de vastidão que a América impõe não
se encontra na obra dos modernistas, a exemplo de Leopoldo Lugones ou Rubén Darío.
Ao falar de uma correlação entre língua e canto da terra, recorrendo
a uma mitopoética defendida, por exemplo, por Ernesto Cardenal, Ospina arrisca a
afirmação de que Mutis é um dos primeiros
poetas em que essa correspondência é total. Uma leitura apressada desse aspecto
nos levou ao equívoco do realismo mágico. Uma outra segue impondo a inúmeros autores
um obscurecimento imperdoável.
Importa referir-se à poética de Alvaro Mutis por uma certa inversão
de valores estéticos entre prosa e verso, mais do que pelo vertiginoso mergulho
em uma degradação da espécie humana ou uma entrada na vastidão americana. Ali mescla-se
o verso, a prosa poética, a crônica, o relato histórico e o ensaísmo, independente
do resultado se apresentar como poema ou ficção. Em tal aspecto radica a grande
novidade dessa obra.
É curioso que não se faça referência à participação de Mutis no
grupo Mito, na Bogotá dos anos 50, onde compartilhou com intelectuais como Fernando
Arbeláez, Rogelio Echavarría, Fernando Charry Lara e Jorge Gaitán Durán. Segundo
recorda Charry Lara, queríamos conciliar a
vigília e o sonho, a consciência e o delírio, acrescentando que a exatidão deveria valer tanto como o mistério.
Dentro de uma tradição colombiana, não se pode deixar de discutir
a poética de Mutis por dois ângulos: um deles refere-se ao tratamento da linguagem
– no caso de Aurelio Arturo (1906-1974), vinculado ao grupo Piedra y Cielo, de excessivo
apego formalista – enquanto que o outro está ligado à criação de personagens – e
aqui é imprescindível a menção ao grande León de Greiff (1895-1976), de geração
anterior, conhecida como Los Nuevos.
Se vamos discutir o autor Alvaro Mutis, esta edição da Record é
insuficiente por não situá-lo na tradição poética colombiana ou hispano-americana.
Mutis, um monarquista irreconciliável, já em 1948 dizia: o grande fracasso que desde o começo dos tempos é a poesia não creio caritativo compartilhá-lo com ninguém. Posteriormente
declararia: “a única função que deve ter uma obra de arte é criar valores estéticos
permanentes”.
Não resta dúvida de que a tradução interfere na compreensão desses
valores estéticos. Há casos em que lhes dá uma ideia tão distorcida que compromete
tudo o que porventura sabíamos acerca do autor em questão. Até que ponto o casual
pode ser considerado menos criminoso do que o intencional? A tradução desta antologia
de Mutis nos leva a pensar que não basta ser poeta para ser bom tradutor. É preciso
ainda mais do que o conhecimento minucioso da língua, sendo da ordem da identificação
a exigência mais radical.
Na prática, a tradução de Geraldo Holanda é oscilante, equivocando-se
em abrandamentos (la sal de los dormidos,
por o sal do sono, ou torrenteras del delta por águas do delta), miopia poética (madera en sombra por tronco encoberto), presunção que impede ida
ao dicionário (retenido por refletido, ramas por remos, cerco por círculo, subir por escapar), como sobretudo não percebe que
a voragem contida da poética de Mutis se opõe à completa submissão estrutural de
nossa geração de 45.
O livro acaba resultando em desserviço a um diálogo que devemos
estabelecer entre cultura brasileira e hispano-americana. Editores precisam entender
que tal diálogo permanece fora do MERCOSUL, de seu princípio gerador, uma vez que
não se trata isoladamente de pôr no mercado, mas sim de criar uma relação, ainda
que de mercado, consistente, respaldada em profissionais que, em uma e outra margem,
sejam considerados pelo trabalho em si e não por indicações fortuitas ou conveniências
contratuais.
*****
Escritura Conquistada – Poesía Hispanoamericana reúne
ensayos, entrevistas, encuestas y prólogos de libros firmados por Floriano Martins,
además de muestra parcial de su correspondencia pasiva.
*****
*****
|
| |
|
|
|
- Escritura Conquistada - Poesía Hispanoamericana -
Floriano Martins
ARC Edições | Agulha Revista de Cultura
Fortaleza CE Brasil 2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário